“Alguma chance de ter um bloquinho aqui dentro?”, perguntei marotamente quando recebi a caixinha minúscula do mídia kit no Fórum Internacional de Sustentabilidade, e dentro dela havia apenas um pen drive. Eu já estava chateada por ter esquecido meu fiel companheiro em São Paulo, mas a resposta da assessora de imprensa me fuzilou: “Não, isto aqui é um evento sustentável”.
Anos passados como repórter de sustentabilidade, e eu nunca pensei nos impactos maléficos dos meus blocos de papel. Fiquei a ponto de corar. Mas também fiquei sem entender que tipo de cálculo atestava que aquele dispositivo eletrônico seria mais sustentável que o papel. Se a ideia era poupar a impressão, usar somente o email seria melhor. Acho que a organização do evento deve ter chegado à mesma conclusão, já que no dia seguinte lá estavam os bloquinhos nos assentos dos participantes. Papel reciclado, registre-se.
Essa foi uma de muitas situações anedóticas no grandioso evento organizado pelo Grupo de Líderes Empresariais – Doria Associados (Lide), em Manaus. A minha preferida foi quando os debatedores da mesa e os convidados da bancada especial receberam, cada um, uma mudinha de camu-camu, espécie de arbusto amazônico.
“Vamos agora usar a tampa de nossas garrafinhas de água para regar o camu-camu, porque cada pequeno gesto faz a diferença”, convidou o anfitrião orgulhoso, João Doria Júnior. E eu, olhando para os oito janelões do auditório, postados do chão até o teto, pensei que outro pequeno gesto de grande serventia seria abrir as grossas cortinas que bloqueavam a luz do dia para favorecer o funcionamento de tantos holofotes.
Não fazer o que se apregoa (walk the talk) é um mal de que padece a maioria dos eventos dedicados a discutir sustentabilidade. Já escrevemos sobre isso aqui. Com mais de 600 convidados, do Brasil e do exterior, o Fórum de Manaus também teria sido mais feliz se tivesse estimulado a prática de carona para a horda de viajantes a caminho dos aeroportos.
O que sempre se alardeia, e em Manaus não foi diferente, é a neutralização das emissões de carbono provocadas pelo evento. A mediadora, Ana Paula Padrão, repetiu isso pelo menos duas vezes só no primeiro dia. Mas essa providência perdoa a não adoção das melhores práticas, que convidam os participantes a pensar sobre seus próprios cotidianos? Nesse caso, nem seria preciso discutir sustentabilidade. Vamos neutralizar tudo que fazemos e não se fala mais nisso.
Cada discurso, um flash
Mas o Fórum de Manaus é exemplo de uma nova geração de encontros de sustentabilidade, apinhados de jornalistas, equipes de TV e fotógrafos, atraídos por celebridades da monta de Al Gore e James Cameron.
Com o auditório abarrotado de gente, quase senti pena do ex-futuro-presidente dos Estados Unidos que elevava a voz em momentos de mágica oratória e recebia em troca, quando muito, sementes de aplausos tímidos que não se alastravam. Ao final de seu discurso, poucos se arriscaram a aplaudi-lo de pé. A redenção veio com a última pergunta endereçada a Gore: “O que o senhor diria a James Cameron para convencê-lo a filmar Avatar 2 na Amazônia brasileira?” E a platéia delirou.
(Mais tarde, Cameron lembraria o óbvio: que uma operação desse tipo danificaria a floresta e que ele pretende filmar dentro de um estúdio mesmo)
O mesmo entusiasmo só se repetiu com as perguntas que lembraram, ao fim ao cabo, que a responsabilidade de fazer alguma coisa é mais dos americanos do que nossa. A receita vale para todos os outros expositores estrangeiros. Nessa linha, o momento em que Al Gore posou para fotos atrás de uma enorme bandeira brasileira, ao som da música tema de Ayrton Senna, foi o ápice da emoção.
Nos intervalos entre uma celebridade e outra, pelo menos 20 debatedores (a maioria de empresários associados ao Lide) disputavam o tempo de uma hora, entre exposição, debate e perguntas da platéia, para chegar a alguma conclusão. Não deveria ser surpresa que o conteúdo das conversas tenha deixado a desejar. Em meio às alusões ao “coração da Amazônia”, “coração da floresta”, eu só conseguia pensar que o único contato que tive com a Amazônia naquele hotel luxuoso afastado do centro da cidade foi uma libélula gigante que entrou voando pela janela do meu quarto.
A tão esperada conclusão do evento, a Carta do Amazonas, é um exemplo de superação em matéria de lugar-comum, sem metas, sem compromissos, sem novidades. Mais tarde descobri que o manifesto-conclusão já estava no meu midia kit antes mesmo de o evento começar. De concreto mesmo, só a decisão do Walmart de comercializar peixes da Amazônia. Diante do público, o governador Eduardo Braga e o presidente da empresa, Hecto Nuñez, finalizaram o acerto em segundos. Meia hora depois, o Pão de Açúcar também divulgou a compra de quatro toneladas de pirarucu do Amazonas.
A última cena foi a cúpula do evento no palco, de mãos dadas para cima em sinal de vitória, de novo com a música de Senna. Serão campeões de verdade? Essa resposta ainda está por vir.
A experiência representa um dilema. Ninguém deseja que a sustentabilidade permaneça como tema marginal para sempre. Visibilidade é fundamental. Mas vamos esperar que, no futuro mainstream sustentável, seja preciso mais do que glamour para impressionar.