Por Amália Safatle
A plena escolha depende de educação, debate aberto e condições materiais dignas. No Brasil, uma aparente profusão de opções ofusca as questões mais fundamentais
Três crianças, a disputa por uma flauta e razões pra lá de consistentes. A primeira criança afirma que a flauta tem de ser sua, pois é a única que sabe tocá-la. Mas a segunda criança argumenta que é a mais pobre e, ao contrário das outras duas, não possui condições de comprar o instrumento – alegação também forte demais para que o objeto fique com ela. E a terceira diz: “De jeito nenhum, essa flauta deve ser minha, porque fui eu que a fiz”.
Como fazer uma escolha justa e equânime? A parábola de que o economista e filósofo Amartya Sen lança mão em seu mais recente livro, The Idea of Justice, ilustra a dificuldade de formar qualquer maioria representativa e racionalmente consistente – constatação feita lá atrás pelo iluminista Marquês de Condorcet, filósofo e matemático, diante da Teoria da Escolha Social*, desenvolvida no período da Revolução Francesa.
* Estuda como as preferências individuais se agregam para formar uma preferência coletiva
É uma ideia um tanto perturbadora para nossas sociedades democráticas, ao mesmo tempo que sofistica e enriquece a reflexão sobre justiça, contrato social e a própria democracia. Tenderíamos a resolver a questão tentando constituir maiorias, como fazemos nas eleições: quem tem metade dos votos mais 1 leva. Se não der, vamos ao segundo turno. Mas será que isso se aplica sempre às escolhas? E será que existe mesmo uma conclusão unificadora? São questões levantadas por Ricardo Abramovay, professor titular do Departamento de Economia da FEA-USP.
“As pessoas precisam escolher não movidas pela privação (caso da segunda criança). Do contrário não é escolha, é escravidão – isto é Marx”, diz Abramovay. Karl Marx fez essa crítica à tese de que o trabalhador era absolutamente livre. “Vão dizer que, se ele não quiser vender sua força de trabalho, ele morre de fome, mas tudo bem, essa é uma opção dele… Então esta é uma escolha fictícia.” Assim, para Sen, a escolha social precisa dotar os indivíduos de condições para exercerem suas liberdades: educação e informação (saber tocar a flauta) e uma situação material minimamente digna.
“Quando falta informação, debate aberto e condições materiais básicas, o exercício da escolha – e, portanto, o processo de desenvolvimento – fica totalmente comprometido”, diz Abramovay.
Para o professor, um ponto importante sobre democracia levantado por Sen é de que a Teoria da Escolha Social tem como premissa o aprofundamento do debate público racional (uma tradução possível para public reasoning), mas sem a ilusão de que alguém ganha o debate pela lógica. Nem poderia: em um caso como esse da flauta, há três argumentos extremamente fortes e nenhuma razão completa e unificada que diga como a sociedade deve se organizar “direitinho”. A resposta não existe.
A conclusão a que Sen nos leva, diz Abramovay, é a de que a escolha social depende do avanço real da democracia, das organizações sociais, da transparência, do estímulo à participação, dos movimentos revoltosos, da indignação – que podem até ter aparência irracional, mas trazem à tona questões importantíssimas.
“Não tenho dúvida de que muitas das ações levadas adiante pelos sem-terra são de racionalidade precária, um tiro no pé etc., mas eles põem em evidência o fato que dezenas de milhares de famílias não têm onde viver – isto é o importante.” O fato de não haver uma razão unificadora capaz de resolver uma escolha social não significa que ela esteja submetida a uma irracionalidade, ao contrário: o debate se faz fundamental. “Mais importante do que saber o que é uma sociedade justa são as diferentes formas de luta contra a injustiça”, afirma o professor.
Em um país onde há muita gente sem condição de comprar a flauta, mais uma imensa quantidade sem saber tocá-la e um punhado que concentra a sua produção, o paralelo não pode ser mais oportuno. E a criação de espaços livres para o debate, mais necessária.
(Ouça um trecho da entrevista conduzida por Amália Safatle, em que Abramovay defende que as escolhas políticas e econômicas podem ser mais do que a mera defesa de interesses autônomos: Podcast 1)
The Corporation
Comecemos pela concentração econômica. É nítido que o poder transborda os limites da política. “O (sociólogo brasileiro) Octavio Ianni tinha uma frase simpática: a política mudou de lugar”, lembra o economista e professor da PUC-SP Ladislau Dowbor. E o lugar para onde ela se mudou foi a economia.
Hoje 500 a 600 grandes corporações transnacionais ditam o que Dowbor chama de padronização geral do planeta. Mas como assim, padronização, se as empresas acenam com leques multicoloridos dos mais variados produtos e serviços, com a mensagem de que o consumidor – abonado – tem cada vez mais escolhas à sua disposição?
Olhando bem, setor por setor, observa-se que as grandes fatias de mercado em geral não são distribuídas entre mais que cinco ou seis players, de mídia a alimentos, de construção a bebidas, de bancos a telefonia. “Não haverá monopólio, não se vai chegar a uma única empresa detendo todo o mercado. Quando atingem o número de seis, fazem um acordo entre si e não precisam mais continuar a concentrar”, diz Dowbor.
E o que é a fidelização se não a redução das opções de escolha do consumidor? Você induz o sujeito a comprar em determinada loja e, a partir do momento em que o cativa, pode puxar os preços para cima e ainda acrescentar o custo da gestão do cartão de fidelidade, explica o professor.
Assim, o alardeado poder do consumidor limita-se à escolha entre itens muito equivalentes. É como rezava o mantra publicitário, há mil maneiras de preparar Neston, mas todas convergem para o mesmo produto.
Além disso, a capacidade de o consumidor atuar na contraposição ao poder corporativo pode ser mais ilusória do que se supõe. Acredita-se que, por meio de sua ação individual – o chamado “voto com a carteira” – o consumidor é capaz de premiar as empresas que cultivam práticas sustentáveis e voltadas para a cidadania, punir as que andam em direção oposta, e tornar-se um agente da democratização econômica. Mas, sozinho, ele não faz verão. Ações “atomizadas” não surtem efeito, argumenta o secretário-executivo do Grupo de Articulação das ONGs Brasileiras na ISO 26000, Aron Belinky, em artigo nesta edição. “A mera soma das manifestações individuais, sem que haja uma articulação entre elas e um fortalecimento dessa rede, mata o debate”, diz. E, por consequência, a própria democracia.
(Ouça um trecho da entrevista em que Dowbor fala sobre os efeitos maléficos do excesso e da falta de escolhas: Podcast2)
Com escalas
A escala é outra regra ditada no âmbito econômico que reduz as escolhas. Ao se definir uma faixa intermediária de gostos e preferências, suprime-se tudo o que está fora da curva para atender àquele que foi estabelecido como cliente-padrão.
Os restaurantes não vão temperar pratos com cebola, ervas ou limão. As blockbusters da vida não vão reservar espaço para cultuados filmes de autor. Em nome da escala, o cliente perde a possibilidade de estimular seu paladar mais refinado ou de conhecer um filme diferente. Às favas com a diversidade. “É o que chamo de mcdonaldização”, diz Dowbor. No campo, isso é conhecido como monocultura.
A ideia da escala parece permear tudo. “A gente tem no Brasil uma dificuldade com a ideia de diversidade”, diz Ana Valeria Araújo, coordenadora-executiva do Fundo Brasil de Direitos Humanos, e para quem há um enorme descompasso entre os ritmos da evolução econômica brasileira, a 8ª do mundo, e a dos direitos humanos, “que relativamente cresce a passo de tartaruga”.
Ana Valeria participou de uma oficina técnica com fundos de pequenos projetos promovida pelo Fundo Amazônia*, cuja gestão cabe ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Estruturado para lidar com grandes empreendimentos, o BNDES precisa de uma orientação do comitê para fazer com que o recurso chegue na ponta de forma capilarizada, respeitando as particularidades de cada projeto e as diferentes realidades e culturas locais dos parceiros envolvidos.
*Criado em agosto de 2008 primeiramente com recursos doados pelo governo da Noruega, destina-se a promover projetos para combater o desmatamento, estimular a conservação e o uso sustentável das florestas no bioma amazônico e, assim, reduzir as emissões de carbono
“Mas acabo de voltar de uma reunião com o BNDES e é visível a dificuldade de lidar com o pequeno, com os projetos de 20 mil reais, e não de 1 milhão”, diz. Segundo ela, falta maior compreensão de que o pouco pode ser muito para pequenas comunidades como quilombolas, povos tradicionais e indígenas.
“Ao contrário: movimentar muito dinheiro pode virar um problemão para eles. Mas prevalece o pensamento de que, se o dinheiro é pouco, o projeto não é relevante.” Ainda sob a referência de Octavio Ianni, sabemos que os grandes grupos econômicos financiam os políticos, e que no Congresso Brasileiro há a bancada dos ruralistas, das empreiteiras, da indústria automobilística, mas não há uma bancada organizada pelos cidadãos. As decisões tomadas que dizem respeito diretamente ao público são influenciadas por interesses econômicos específicos. “Por isso é indispensável democratizar a economia, e não só a política”, defende Dowbor.
“Aqui em São Paulo posso optar por dezenas de modelos de carro, mas praticamente não tenho a escolha de transporte coletivo. Eu andava toda essa cidade de bicicleta quando menino, mas as crianças não têm mais a opção de brincar na rua.” Na visão do professor, “foi a articulação entre políticos, empreiteiras e a indústria do carro que gerou um conjunto de opções absurdas”.
Aí cabe a pergunta: na verdade isso não resulta de um arranjo de toda a sociedade, uma vez que o cidadão aceitou que o desenrolar da história fosse esse? “Nunca se pode criminalizar um segmento e tomar todos os outros como vítimas. Claro que há um ‘deixar andar'”, responde Dowbor. “São as escolhas que as pessoas não fazem. Deixam de batalhar pelo transporte coletivo, de brigar por um rio limpo, por um meio ambiente decente. Agora, o poder organizado dos grupos econômicos é indiscutível.” Vide o filme The Corporation.
Cabeça animal
As escolhas mais efetivas – baseadas em maior diversidade, possibilidade de acesso e espaço livre para manifestações – têm-se dado em campos menos econômicos, como o da informação e da cultura. E a internet tem tudo a ver com isso, em que pese a exclusão digital e tecnológica no País, como mostra reportagem Lado B.
Ao permitir a pluralidade e a pulverização do emissor (o que em outras situações poderíamos substituir por produtor ou candidato) e do receptor (consumidor ou eleitor), as novas tecnologias amplificam o espectro do debate e das ideias, capilarizam as mensagens e as escolhas, e descortinam um universo para além do conjunto de opções restringidas pelo mainstream e o velho jeito de fazer negócios e de se organizar socialmente (mais em Percepções).
Há muito mais o que explorar dentro e fora do ciberespaço. É como se estivéssemos usando apenas 10% da nossa cabeça animal. Ideias arejadas partem, por exemplo, do compartilhamento de conteúdo pela internet, de bens e de serviços, do copyleft, da desmaterialização econômica, da economia solidária e até da crescente contestação ao uso do PIB como indicador de riqueza, ao não levar em conta externalidades nem o bem-estar das pessoas. Guerras e acidentes de trânsito, por exemplo, fazem o PIB aumentar. E a dilapidação de recursos naturais não é contabilizada como diminuição de riqueza.
O tradicional jornal britânico Financial Times mapeou, entre as principais inovações que mudarão os negócios no cenário de pós-crise e novas tecnologias, que a “cobiça não é tão boa assim, e que a obsessão pelo lucro pode quebrar as empresas”. Parece haver um germe de mudança aí.
“Porque o mundo nunca esteve tão pouco solidário, a economia solidária está em expansão”, diz Luiz Humberto Verardo. Ele coordena a Associação Nacional dos Trabalhadores e Empresas de Autogestão e Participação Acionária (Anteag) – uma das precursoras da atividade no País e realizadora do Atlas da Economia Solidária no Brasil, pelo qual já foram mapeados cerca de 22 mil empreendimentos do gênero em mais da metade dos municípios brasileiros.
São cooperativas, associações, grupos informais e sociedades mercantis que se apresentam como alternativa de trabalho e renda. Pressupõem cooperação, autogestão, trabalho coletivo, viabilidade econômica e atuação em rede – facilitada pelo site Cirandas, pelo qual os empreendedores solidários do Brasil se encontram e se relacionam.
“Cada vez mais nos colocamos como um movimento social”, diz Luigi, como é conhecido. Ele explica que esta é uma forma de manter a independência e a autonomia em relação a possíveis interferências do governo e mesmo do setor privado convencional. E lembra que, embora muitas vezes tenha o significado distorcido (entendido como “caridade”), “solidariedade” vem do latim solidum, ou seja, “partes integradas com o todo”, assim como as pessoas e suas atividades integram-se em uma só rede.
Integração é também palavra-chave em algumas fronteiras do design para sustentabilidade, aquele que prevê desenhos não só de produtos, mas também de uma nova relação entre fabricante e consumidor, visando a gestão mais eficiente de recursos e a menor geração de resíduos e poluentes. Assim, em vez de se adquirir um carro, compra-se o serviço de transporte por meio do car sharing; em vez de comprar um equipamento de laptop, compra-se o seu uso, acompanhado de atualizações e de treinamento (mais na edição 26 de Página22).
Aguinaldo dos Santos, professor e coordenador do Núcleo de Design & Sustentabilidade da Universidade Federal do Paraná, pesquisa há tempos o que chama de sistemas integrados “produto + serviço”, que não só contribui para a desmaterialização econômica como pressupõe um desenho que leve em conta o ciclo de vida do produto e o intercâmbio de peças, retardando ao máximo seu descarte.
A Brastemp, por exemplo, não vende um filtro, e sim o serviço de água por meio de filtros que ficam na casa do consumidor. À empresa interessa que o aparelho dure o máximo possível. Assim, Santos acredita que a aprovação do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, que responsabiliza o fabricante em relação ao destino final de seu produto, será importante para impulsionar esse novo tipo de negócio. Aprovada na Câmara dos Deputados, a lei seguiu para o Senado.
Ainda assim, o professor não visualiza mudanças importantes no modelo de negócios em menos de 20 anos. “O problema é que não estamos educando a sociedade para o compartilhamento de bens.” E, para parte significativa da população, a grande felicidade é ter bens em casa, como uma nova geladeira ou um computador – em especial a classe C, ascendendo economicamente com uma demanda reprimida*. A ideia de compartilhamento é mais bem-aceita em classes mais altas, e, mesmo assim, grande parte dela se delicia com a compra dos mais sofisticados aparelhinhos tecnológicos. Mas se pode sempre rejeitar o consumismo e optar pela simplicidade.
*Para a chamada base da pirâmide, também há inovações em curso, como a da empresa Masisa, que fornece painéis de MDF para a construção de habitações de interesse social, no sistema “faça-você-mesmo”.
Em vez de encher a casa de “tralhas”, ter outros prazeres como dedicar mais tempo para os filhos e amigos. Pesquisas indicam que a partir de uma certa renda, o sentimento de satisfação com a vida não aumenta.
A questão é que, em países como o Brasil, há muita gente longe de atingir a renda satisfatória e o nível de informação educacional adequado. O professor Ignacy Sachs, da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, da França, preocupa-se com as ideias de se limitar o crescimento. Terá a sustentabilidade assumido uma agenda elitista demais? “A sustentabilidade é ecológica demais”, responde, entendendo que o argumento ambiental tem falado mais alto que o social. “Redistribuir renda já é difícil em economias com crescimento, imagina sem”, diz.
Fato é que as formas viáveis de promover crescimento ainda são dominantemente materializadas, há uma urgência social e uma democracia econômica por construir. De novo, não há uma conclusão unificadora. O lado social, o ambiental e o econômico têm cada um as suas razões. Debater sobre elas é a graça disso tudo.
——————————————————————————————————————————————–
A desconstrução da escolha
Escolha como você quer desconstruí-la. Da Economia à Sociologia, passando pela Psicanálise, há uma série de pressupostos que desfazem qualquer ilusão a respeito. Ricardo Abramovay, sociólogo de formação que leciona em uma faculdade de Economia, explica: “Na Economia, o pressuposto é de que você não ‘escolhe’, você ‘renuncia a’. Sendo a ciência que estuda o comportamento resultante da alocação dos recursos escassos para fins alternativos – definição do economista britânico Lionel Robbins –, toda vez que se escolhe algo, na verdade renuncia-se àquilo que não foi escolhido”.
“É sempre um trade-off”, diz Abramovay, “e por isso o ato do consumo envolve uma insatisfação perene”. Então, é bem preocupante o conteúdo do relatório de 2010 do Worldwatch Institute, segundo o qual as culturas contemporâneas voltam o indivíduo para o consumo e têm o consumismo como o elemento que dá a elas um sentido existencial.
Pela Sociologia, os indivíduos não têm qualquer escolha a fazer: todas elas são condicionadas socialmente. Para Émile Durkheim, um dos pais da Sociologia moderna, não há escolha que não seja explicável por uma razão de natureza social. “Eu não invento o papel de professor, de hippie, de yuppie, ou de revoltado: esses papéis são dados antes de minha existência”, exemplifica Abramovay.
Mais uma ilusão é desfeita pela Psicanálise. Depois da decepção geocêntrica (quando percebe que o Sol não gira em torno na Terra) e da antropocêntrica (descobre que descende do macaco), o homem se depara com a ideia de inconsciente por Sigmund Freud: dá-se conta de que não é o sujeito pleno das próprias escolhas, não tem controle sobre elas e é regido por um conjunto de pulsões que levam a determinados comportamentos.
Ao fazer escolhas, o cérebro apresenta mais falhas. Primeiro ele percebe (coleta informações), avalia (julga se são pertinentes e reais) e, então, decide. Mas, segundo a doutora em Psicologia Econômica pela PUC-SP Vera Rita de Mello Ferreira, já na primeira etapa, a de perceber, falhas fundamentais comprometem o processo. “Há de nossa parte uma má vontade com a realidade como ela é.” Assim, tendemos a entortar nossa percepção, ao escutar apenas o que nos interessa e enxergar somente aquilo com o que concordamos.
As vidas de democracia econômica, segundo Igancy Sachs
O professor Ignacy Sachs tem uma definição simples para a democracia econômica: implica todos terem acesso a uma mínima renda, por meio de uma distribuição mais igualitária.
Com base na história, ele afirma que há duas vias para chegar a esse objetivo: uma revolucionária, que consiste em expropriar os ricos e redistribuir os recursos, e outra gradual, reformista – em nome da qual a social-democracia apartou-se do comunismo. Esta segunda via comporta duas ferramentas: a de um setor público capaz de proporcionar uma rede universal de serviços essenciais e gratuitos à população; e a fiscal, que cobre maiores impostos dos ricos em benefício dos mais carentes.
Como exemplo desta segunda ferramenta, Sachs refere-se ao New Deal de Franklin Roosevelt para relembrar uma parte da história que, segundo ele, ficou totalmente esquecida: impôs-se uma taxa de confisco das maiores rendas americanas em um nível não visto nem mesmo em um país socialista. (O New Deal foi um programa implementado nos EUA entre 1933 e 1937 para reformar a economia e combater a depressão que se seguiu à crise deflagrada em 1929.)
Essa reforma do sistema fiscal que visava maior equilíbrio das contas aconteceu sob a maior crise econômica já vivida pelos EUA, mais a ameaça nazista de um lado e a stalinista de outro. “Roosevelt fez isso para proteger o capitalismo, não para destruí-lo”, diz Sachs. Ele também cita o exemplo dos países escandinavos, que penalizam as grandes fortunas e a sua perpetuação pelas heranças, mas não as empresas.
Para o estudioso, também não escapa à agenda democrática brasileira a reforma na estrutura fundiária. “Estamos no limiar de um período no qual um novo ciclo de desenvolvimento territorial deverá ser posto nos eixos”, diz. Ele defende um melhor equilíbrio entre zonas rurais e aglomerados urbanos, rejeitando o que chama de um dos mitos do século XXI: o de que rural é sinônimo de anacronismo, e o urbano, de progresso. A isso ele conecta o desenvolvimento de uma economia de baixo carbono por meio da biomassa e sua ampla aplicação em alimentos, ração, energia, materiais de construção e fibras – por meio de um sistema socialmente inclusivo, claro.