Por Amália Safatle
Por coincidência, “diálogo” – assunto central desta edição de Página 22 – é palavra recorrente na fala da ministra do Meio Ambiente, Izabella Mônica Vieira Teixeira, nesta entrevista. A bióloga, funcionária de carreira do Ibama desde 1984, que em março passado assumiu o posto deixado por Carlos Minc, mostra o que a sociedade brasileira tem a ganhar com a natureza extremamente inovadora e estratégica da agenda ambiental. Mas, para isso, ela defende que as próprias instituições da área tenham uma concepção mais ampla dos problemas de desenvolvimento do País e se abram a uma conversa com todos. “Não dá para negociar sem entender a língua da sua contraparte. Não é falar a mesma língua, e, sim, entendê-la”, afirma.
É o que a ministra diz fazer em questões repletas de nuances, como a do Código Florestal, a da conservação da biodiversidade e a da exploração de energia, nas quais sobram perguntas em aberto e tantas vezes falta ponderação. Somente assim as questões ambientais serão transversais a estratégias nacionais de desenvolvimento. Izabella, que chama para sua pasta uma função articuladora, acredita que política ambiental é política de Estado, transcendente a governos passageiros – embora nem todo mundo entenda dessa forma.
O governo brasileiro já definiu a posição que assumirá nas negociações da COP 10 da Biodiversidade, em Nagoya, em outubro?
Talvez tenhamos três pontos mais importantes. O primeiro é consolidar o protocolo de ABS (política que define a repartição de benefícios de quem promove o acesso a recursos da biodiversidade). É o terceiro objetivo da Convenção (sobre Diversidade Biológica, a CDB) que precisa ser desenhado, ter o seu frame definido e estamos trabalhando duramente para isso. O Brasil lidera o conjunto de países megadiversos, e temos procurado definir os arranjos necessários às negociações. Estou muito esperançosa de que a gente tenha uma consolidação nesse debate, embora a CDB necessite de uma aproximação maior entre a agenda tecnocientífica e a política.
Isso aconteceu com a agenda climática. Por isso o Brasil está apoiando – e aí o segundo ponto importante – o IPBES, que é um painel de cientistas para a questão da biodiversidade, similar ao IPCC (voltado ao clima). Se em clima a origem do problema está em países desenvolvidos – embora afete o planeta como um todo e as soluções estejam em todos os países –, na CDB é o contrário: dos detentores da biodiversidade, a maior parte está no Sul, e portanto a capacidade tecnocientífica precisa ser desenvolvida também nos países do Sul. Isso aparece nas diretrizes, foi um ganho nas negociações, e o Brasil foi bastante habilidoso. O terceiro ponto é a divulgação do relatório do Teeb (The Economics of Ecosystem and Biodiversity), que caracteriza melhor a biodiversidade em termos econômicos.
Por que ABS é o grande nó e travou as negociações nas últimas COPs?
Porque estamos tratando de interesses das indústrias farmacêuticas e outros “n” interesses. Isso requer um escopo que seja justo. O Brasil tem sido muito incisivo nas suas colocações. As maiores dificuldades residem em países desenvolvidos, resistentes a esse protocolo. Mas as negociações internacionais sugerem que teremos o frame do protocolo. Já o conteúdo – o chamado legally binding, valor legal –, que é o mais complexo, deverá se desdobrar após a COP.
Esse embate se dá internamente também, não é?
Sim, temos um conjunto de esforços feitos por este ministério, mais os de Ciência e Tecnologia, da Indústria e Comércio, da Cultura, da Reforma Agrária, da Agricultura, em encaminhar um projeto de lei. Fizemos modificações nos últimos dois anos e estamos na reta final de um debate para encaminhar o projeto de lei ao Congresso Nacional.
Isso se dará antes ou depois da COP?
Estamos trabalhando para que seja antes.
Para chegar lá com uma política nacional?
A gente precisa chegar na COP com a importância que o Brasil tem em biodiversidade. Somos um país estratégico e estaremos lá com uma delegação importante de negociadores. Esse não é um assunto exclusivamente nosso, tem um ponto focal no MMA, mas interessa a toda a sociedade brasileira. Aposto que a COP será um momento de mudança de patamar. Devemos fazer uma semana de debate sobre a COP, antes da conferência, convidando diversas pessoas.
Aqui em Brasília?
Acho que em São Paulo. A despeito das negociações formais, há um debate sobre biodiversidade no Brasil que a gente precisa colocar no dia a dia do cidadão. Faz parte da cidadania ambiental. Fiz uma referência em uma entrevista que biodiversidade é muito mais que minhocas e pererecas e temos que nos apropriar desse tema tanto quanto do tema climático. Estamos fazendo um esforço monumental de juntar todo mundo. Recentemente, participei de um debate com investidores de fundos de previdência privada e é impressionante o interesse de investidores brasileiros. É importante entender que perspectivas econômicas são essas que a questão da biodiversidade encerra e como o Brasil todo, não só o governo, pode se apropriar de uma maneira mais protagonista e estratégica dessa agenda. Não estamos falando só de Unidades de Conservação ou de populações tradicionais que vivem na Amazônia.
Como é possível consolidar uma posição nacional em questões globais como esta, quando o Brasil vive uma de suas maiores contradições ambientais: o risco de aprovar um Código Florestal que inviabiliza o cumprimento das metas assumidas pelo Brasil na COP 15 do Clima? O quanto poderá ser levada a sério uma posição nacional em defesa da biodiversidade, caso a proposta de Aldo Rebelo para o Código Florestal venha a ser aprovada no Congresso?
Primeiro, acho que contradições fazem parte do Estado democrático, graças a Deus. Então temos de ter capacidade de dialogar e debater politicamente. O MMA tem que ser um espaço de negociação e de diálogo, assegurando nossas convicções. Segundo, o debate do Código Florestal revela, esta sim, uma contradição: ou estamos discutindo uma agricultura do passado ou vamos discutir uma agricultura sustentável. Qual o caminho? Porque, quando coloco o debate do Código – independentemente da posição do deputado Aldo Rebelo e de outros signatários desse debate, inclusive da área ambiental – para resolver os passivos de quem precisa de anistia para seguir sua produção, cria-se um antagonismo entre agricultura e meio ambiente que é absolutamente incoerente com a base da agricultura sustentável, na qual devo produzir cada vez mais com bases sólidas do ponto de vista agrícola e ter segurança de meus mercados.
Então, o que a gente quer debater: uma agricultura do passado, em que resolvo passivos, ou uma nova agricultura, em que o Brasil conquista mercados? Nenhum agricultor vive sem meio ambiente e ninguém vive sem agricultura. Então, qual a minha capacidade de produção? Preciso desmatar para produzir? Não mais. Quais são as bases que preciso estabelecer para a agricultura para não sofrer barreiras não tarifárias? Por que eu consigo ir, como fui ontem (8 de julho), à reunião sobre a moratória da soja, e após três anos de monitoramento mostramos que, da área de soja na Amazônia, só 0,38% deles são responsáveis pelo desmatamento? Isso com Greenpeace de um lado, o Inpe, o setor produtivo, os exportadores e os compradores internacionais.
Agora, devo reconhecer que tenho problemas. É justo debater a situação de agricultores familiares que não têm como solucionar o fato de não possuírem Reserva Legal. Eles não têm porque não têm dinheiro, não têm espaço, não têm tecnologia. Como atribuo o custo dessa recuperação? Quanto custa fazer isso, dos pontos de vista financeiro e ecológico? Pagamentos por serviços são suficientes para a escala desse passivo?
E essas perguntas não têm resposta ainda.
Nada disso foi discutido. Quanto de Reserva Legal foi averbada nesse país? Menos de 30%! Isso é de responsabilidade dos estados. Por que os estados não fizeram 100%? Quais são as condições necessárias para que isso aconteça? Quanto custa? Quem cumpriu a lei? E quem produz cumprindo a lei dançou? Perdeu, irmão? Então, precisa ter um olhar discricionário, sim, porque o debate da Amazônia não é o debate do Sul. A realidade do minifúndio no Rio Grande do Sul não é a da pequena propriedade na Amazônia, ou da Caatinga. Não adianta fazer isso de maneira açodada, num debate polarizado e político entre ruralistas e ambientalistas. Os dois lados são inimigos do Brasil? Isso é uma coisa extemporânea para um país que vive a consolidação de sua democracia.
A senhora acredita que há mais convergência que divergência?
Eu conversei com todo mundo aqui, da senadora Kátia Abreu aos movimentos sociais da Contag, da Via Campesina e da CUT. Todo mundo quer sentar para discutir, todo mundo entende que precisa aprimorar, todo mundo reconhece que temos de mexer no que está aí, mas muita gente não concorda com a anistia, muita gente entende que precisa de mecanismos facilitadores, muita gente quer a regularização ambiental do produtor. Os movimentos sociais disseram aqui: “Queremos nos regularizar”. Qual o interesse do poder público? Correr atrás de quem descumpre a lei ou fazer com que todos cumpram a lei? Não tenho interesse em gastar dinheiro público excessivamente em fiscalização, aplicando multas que muitas vezes não são recolhidas. O custo da máquina é monumental. É melhor ter situações construídas em que você traz todo mundo para a legalidade e faz esse cara produzir de maneira sustentável, com acesso a crédito público, cumprindo a legislação, e fazendo com que sua produção seja consumida por mim ou por você de maneira legítima. O simples anúncio de que poderá ter isenção de Reserva Legal em até quatro módulos fiscais faz com que proprietários no estado de São Paulo corram a cartórios para desmembrar suas terras para dar um jeitinho brasileiro. Então agora tenho o “jeitinho florestal”? A sociedade não quer que se radicalize de um lado ou de outro. Temos de ter a responsabilidade conjunta de procurar soluções.
A grande questão de fundo no atual debate sobre o Código é a de quem vai pagar a conta? (mais em reportagem desta edição)
Se eu discutir passivo, estamos preocupados com quem vai pagar a conta, mas não acho que esse é o espírito do deputado Aldo Rebelo. Em alguns pontos ele tem muita razão, por exemplo: como faço com os plantadores de banana que estão no Vale do Ribeira há 60 anos – no lado de São Paulo? Ele está irregular, porque o pai dele estava lá e é Área de Preservação Permanente. Ignoro essa situação? Ou busco um consenso e tenho soluções dirigidas? E o que faço com o grande fazendeiro que desmatou sabendo que descumpria a lei?
Qual é a possibilidade de ter todos sentados à mesa discutindo sem radicalismos e buscando um consenso?
Nós no MMA vamos fazer esse espaço – já estamos fazendo. O deputado Aldo Rebelo foi um homem extremamente sensível em dialogar conosco. A despeito das diferenças, ele tem sido muito cordial e correto nas suas convicções. Convidei todos os setores para o diálogo, retomei o espaço de diálogo deste ministério. O MMA não pode, para defender seus interesses, abrir mão do diálogo. Ao contrário, precisa negociar mesmo que possa ser voto vencido. A negociação democrática é aquela em que você concilia partes, assegurando um mínimo ético que a lei prevê. Então, não posso achar que saio anistiando todo mundo. E as pessoas que assumiram um termo de compromisso e de ajustamento de conduta, deixam de cumprir? E o esforço que fiz com os órgãos ambientais para poder trazê-las para a regularização? Vamos aproveitar que existe um tempo, uma sugestão de debate pós-eleição, para construir as bases do que chamo plano B: contribuir para o debate mostrando a diversidade de situações que cada artigo do substitutivo pode sugerir. Então, nossa posição é essa: vejo com muita preocupação alguns itens, acho que a regularização ambiental precisa ser buscada por todos e não acredito que a sociedade tolere anistia por anistia. O Estado brasileiro perde, só em multas, R$ 10 bilhões, considerando de 1994 a 2008. Por outro lado, se eu quiser recuperar 20 milhões de hectares de Reserva Legal – muito aquém do déficit – e multiplicar por R$ 5 mil – que é o custo médio por hectare, e com exóticas –, são R$ 100 bilhões. Quem financia isso? É o preço da safra. Cerca de 40%, 50% das propriedades de até um módulo fiscal estão no Nordeste. Não é tolerável para mim, como brasileira, que a agricultura possa ser objeto de restrições no futuro porque questões ambientais não foram devidamente equacionadas.
A senhora acha que falta uma articulação nacional que dê coerência para essas posições?
Acho. Sou gestora pública e faço essas reflexões. Por que é tão difícil sair da nossa área e entender as dificuldades dos outros? Em um módulo fiscal não dá para exigir Reserva Legal, não tem área, não tem renda. Tem que entender o perfil de renda, o perfil de endividamento dessas pessoas. Por outro lado, os rios não nascem grandes, eles nascem pequenos e dependem da mata ciliar. E aí o cara que tem cinco riachos na propriedade fica com a produção inviabilizada. Mas quantos estão nessa situação? São regra geral no País? Estão em bacias críticas?
O Pagamento por Serviço Ambiental daria conta de remunerar esse agricultor?
Pois é, e quanto custaria esse pagamento para os cofres públicos? Você já ouviu isso no debate?
Não, tudo isso está em aberto.
Essas questões o MMA está conduzindo. Eu vi tantos números, estudos disso e daquilo. Mas não ouvimos a academia. A academia ficou à margem do debate, e eu vou convidá-los. O Código não é da área ambiental, o Código é do Brasil, encerra questões de área urbana e de florestas.
Eu coloquei a você aqui uma série de questões, e olhe que a Página 22 é superatualizada – é a melhor revista de meio ambiente brasileira, esta revista está na minha mesa. Então, não se pode simplificar o debate nem crucificar ninguém. Quando fui para o diálogo político mostrar sem xiitismo – e o pessoal diz: “Lá vêm os psicodélicos, os biodesagradáveis”, a gente tem umas chancelas aqui dentro (risos) –, quando fui mostrar as implicações do Código, de como estava redigido, as insuficiências do texto, todo mundo se sensibilizou. Em nenhum momento disse que o deputado Aldo Rebelo estava errado, ao contrário, ele foi nomeado legitimamente para essa função. E o mundo jurídico é importante, porque não posso ter um texto de lei que resolva 10% do problema e me crie outros tantos que não estão na mesa hoje. Porque isso vai ficar tão insustentável quanto já está a averbação de Reserva Legal. Temos menos de 15% averbados no País. Uma grande amiga minha tem uma fazenda com 72 hectares de Mata Atlântica primária, linda de morrer, no Rio de Janeiro, e quis averbar. Procurou o melhor profissional, fizeram tudo. Levaram dois anos e meio pra conseguir!
O problema é a burocracia?
Projeto, custo, burocracia, laudos ambientais, até se obter o o.k. para informar a Receita Federal. Em Brasília, temos menos de 1% averbado. As pessoas não querem? Em parte, não. É caro? Sim. A estrutura do Estado está pronta? Não. Mas isso não justifica imobilidade e você não pode prejudicar quem quer plantar corretamente.
Assentamento na Amazônia em 1970, 1980: o cara cumpriu a lei da época, desmatou 50% e hoje não acessa crédito. Ele tem que recompor os outros 30% (para somar 80%)? Que história é essa? Ele cumpriu a lei! Quem desmatou 100% e não cumpriu a lei está na mesma situação que ele. Isso é injusto, política ambiental não é isso. Política ambiental é para estruturar o desenvolvimento sustentável do País. Há um outro lado também. É preciso reconhecer que há um cansaço, uma saturação por parte das pessoas que procuraram por muitos anos o diálogo, de maneira mais conservadora ou menos, e não conseguiram. E quando você senta e conversa, a assimetria da gestão ambiental pública no Brasil é muito grave.
De estado para estado?
Sim. E agora vamos voltar para a descentralização nos municípios. Então, vale uma reflexão estratégica sobre os desafios da gestão ambiental no Brasil, inclusive sobre governança, os formatos das instituições, os processos de tomada de decisão, a mediação de conflitos, a negociação com as populações interessadas, os espaços de diálogo.
Além da proposta de reforma do Código Florestal, podemos dizer que a exploração do petróleo no pré-sal também é uma ameaça à política nacional de clima e à biodiversidade, ainda mais depois do ocorrido no Golfo do México?
Nos próximos 30 anos temos um cenário de participação de petróleo na matriz energética. Em termos de áreas protegidas, é um desafio. Porque os ecossistemas que são menos protegidos no Brasil são os marinhos (e a maior parte da produção é offshore). A questão que está na mesa é a gestão de risco e o potencial de acidentes, muito motivado pelo que aconteceu nos EUA. A gente precisa entender que essa é uma indústria que trabalha com o risco como uma variável do negócio. Os patamares de gestão de risco na indústria de petróleo são extremamente sofisticados. No Brasil há restrições muito importantes, que nos EUA não existem. Nós aqui temos avanços bastante expressivos no plano de emergência individual (cada empresa tem seu plano de emergência), mas não no plano de área. Ou seja, se estou explorando uma área com três ou quatro empresas, cada uma com seu poço, como vou gerir essa área e qual a responsabilidade dessas empresas?
E não evoluímos ainda em uma coisa que os EUA têm, que é um fundo público para que você possa tomar as medidas necessárias num acidente e depois ser reembolsado. A escala do que está acontecendo no Golfo do México mostra a grande capacidade que a BP teve de mobilizar todas as empresas e colocar lá todos os equipamentos. Esse é um acidente completamente fora da curva. Todos os sistemas de segurança falharam. Existe toda uma complexidade no debate sobre segurança, sobre prevenção e sobre remediação que nós temos de aplicar e verificar o que precisa ser aprimorado, quer na instância do licenciamento, nas concessões ou na partilha, quer nas regras de procedimento e segurança – que é aquilo que o governo brasileiro vai cobrar das empresas que atuam no pré-sal ou não.
Se não tivesse acontecido esse acidente, haveria toda essa preocupação?
Quando houve a primeira preocupação sobre acidentes no Brasil? Quando teve (o acidente na) Baía de Guanabara (em 2000) . Aí a lei que estava há dez anos no Congresso foi aprovada em um mês. O mundo inteiro que opera com o petróleo será influenciado por esse acidente e mudará suas regras. O sistema de BOP que falhou – é uma válvula, como se fosse um tampão de camisinha – tem três sistemas internos de segurança. Todos falharam. Não tem desenho teórico que sugira isso. É algo completamente fora da curva. Estive com o presidente da BP e, de tudo o que ouvi até agora, acho que teve falha humana, tecnológica, de não cumprimento de procedimento. Detalhe: o poço estava em fase de fechamento, em que supostamente há menor risco de exploração. Do ponto de vista do MMA, não estou discutindo só pré-sal, e sim exploração onshore e offshore. O Brasil está bem à frente de muitos países desenvolvidos, mas o que precisamos aprimorar? Tenho que fazer um relatório disso.
Nós não sabemos em que nível o Brasil está em termos de segurança?
Em termos de licenciamento, eu sei. Esses cenários de segurança estão todos definidos. A Marinha do Brasil anualmente revê todas as embarcações brasileiras, porque plataforma é considerada embarcação, e isso é informado ao Ibama. O Ibama tem um checklist anual, faz treinamento, testes, exercícios. O que me interessa agora é saber quais as causas do acidente, como é que nossos procedimentos de segurança estão estabelecidos, que aperfeiçoamentos que serão sugeridos e que cenários – mesmo os mais absurdos que possam parecer – têm de ser incluídos nas avaliações que sugerem atividade de risco ambiental.
Imagina um vazamento que seja um centésimo desse na Bacia de Barreirinhas, em frente aos Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. Vocês nunca perguntam de onshore, e a gente tem produção de petróleo na Bacia do Solimões, em plena Amazônia. Imagina um acidente lá? Deus me livre. Tem produção em estação ecológica na Inglaterra, tem produção em uma ilha sensível na Noruega…
Não é razoável ter exploração de petróleo em área sensível, certo?
Não vou falar de outros países. Aqui, a gente não deixa ter.
Mas, e no Solimões?
Foi uma concessão feita na época do Fernando Henrique (Cardoso). E por meio de licenciamento estadual. Tá vendo como é sensível o debate (sobre autonomia dos estados)? O que a gente socorre os estados, corrige, e diz nos bastidores: “Pelo amor de Deus, não é assim que se faz…”
O tema desta edição é justamente diálogo. Os ex-ministros Marina Silva e Carlos Minc penaram para fazer do meio ambiente uma questão transversal em todos os ministérios. A senhora vive a mesma dificuldade de diálogo?
Sempre haverá dificuldade, mas acho que estamos vivendo uma transição no Brasil.
Melhorou?
Melhorou. Mas, para evoluir mais, é preciso que as instituições ambientais tenham maior concepção dos problemas de desenvolvimento no País. Não dá para negociar sem entender a língua da sua contraparte. Não é falar a mesma língua, e, sim, entendê-la. E é importante, do ponto de vista do poder público, saber que política ambiental é política de Estado, ela transcende a governos. É estratégica, influencia não só a economia, como também a qualidade de vida, e não é reserva de mercado de ambientalista. Por exemplo, o debate sobre geração de energia elétrica não é só sobre a hidrelétrica A, B ou C. É sobre os trade-offs da geração de energia. Se 66% do aproveitamento hídrico está na Amazônia, esse debate ganha outro contorno. Por outro lado, se estou entrando na questão climática, qual é a segurança que tenho para manter a oferta de energia nos próximos 30 anos, uma vez que as hidrelétricas hoje são construídas a fio d’água? Se você vulnerabiliza o cenário de clima, e começa a ter secas mais prolongadas, que impacto isso tem nas nossas escolhas de energia de hoje? Então, é necessário ter uma discussão estratégica sobre a variável ambiental no planejamento do País e vice-versa. Porque, ao excluir a área de alagamento (ao fazer a usina a fio d’água), estou fazendo uma opção pela conservação da biodiversidade. Qual é o valor que isso agrega à sociedade brasileira?
No final do governo FHC, a discussão sobre álcool era se a gente teria um programa de compra de frota oficial de veículos para controlar as emissões e assegurar um preço mínimo do combustível. Era uma discussão importante na época. Não foi feito isso. O caminho foi o carro flex, que é uma resposta para várias questões climáticas e econômicas. O biocombustível mudou a pauta. Isso só tem dez anos! Hoje, o biocombustível é key player da agenda econômica brasileira, da agenda comercial, climática e ambiental – com zoneamento agroecológico. Então, qual a natureza estratégica da variável ambiental? É só evitar perda de biodiversidade por expansão da fronteira da cana, ou também traz um debate sobre tecnologia, emissões, qualidade do ar nas cidades e um programa de controle de emissões como o Proconve – que foi o indutor dessa mudança tecnológica dos carros brasileiros? O Brasil produz, exporta, desenvolve tecnologia de biocombustíveis, tudo graças a um programa ambiental. Perceber isso é essencial para ampliar os espaços de negociação e de diálogo entre políticas públicas. Nós estamos sempre na fronteira, é do caráter inovador da agenda ambiental. Agora, aprendemos que, ao sermos protagonistas, não somos os únicos detentores disso e temos de trabalhar a visão estratégica de natureza econômica e social dessa variável. Temos que condicionar o desenvolvimento, e não restringi-lo. Somos parte da solução da agenda de desenvolvimento.