As finanças da adaptação
Um dos impasses da Convenção do Clima é como levantar fundos de maneira inovadora
Os custos exorbitantes do combate à mudança climática tornaram-se claros com o relatório “A Economia do Clima”, liderado pelo economista britânico Nicholas Stern, em 2006. Segundo o estudo, o investimento global para a redução das emissões e medidas de proteção contra eventos climáticos extremos deveria ser igual a 1% do PIB global a cada ano até 2050.
O problema é que, desde o lançamento do Relatório Stern, pouca coisa foi feita: as emissões continuam crescendo e o risco de impactos severos também. Neste cenário, muitas organizações têm chamado atenção para a necessidade de mais recursos destinados à adaptação [1] à mudança climática.
[1] Por adaptação pode-se entender desde a construção de barreiras costeiras contra o aumento do nível do mar até a ampliação do sistema médico para o atendimento de pessoas afetadas por ondas de calor, entre muitas outras medidas.
Hoje a estimativa mais aceita – calculada pela organização Oxfam – é de que US$ 50 bilhões por ano deveriam ser investidos em adaptação. Mas a realidade está bem distante disso. De acordo com o projeto Climate Funds Updates, até agora apenas US$ 312 milhões são investidos mundialmente em adaptação [2].
[2] Financiado pela Fundação Heinrich Böll e pelo Overseas Development Institute, o projeto faz um acompanhamento detalhado das finanças do clima. Mais aqui.
Desde que estabelecida a Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas, em 1992, o debate sobre o financiamento às políticas de combate ao aquecimento global sempre foi um dos mais intricados.
Não apenas porque os impactos climáticos serão uma conta cara a se pagar, mas também pelas disputas sobre as prioridades de investimento. Quais ações devem receber mais dinheiro: medidas de redução às emissões ou medidas de adaptação aos desastres climáticos?
Para tornar a questão ainda mais complexa, existem muitas dúvidas sobre a origem do dinheiro para financiar as políticas climáticas. Orçamentos dos governos são uma fonte insegura e politicamente trabalhosa de gerenciar. Por outro lado, confiar apenas no mercado não garante investimentos em áreas pobres e mais vulneráveis. É por isso que muitas propostas têm apontado para “mecanismos inovadores” de captação de fundos, entre eles taxas sobre transações financeiras ou sobre o transporte aéreo e marítimo.
Na opinião do canadense Mark Lutes, responsável por acompanhar o tema de finanças do clima na ONG WWF, é preciso chegar a um acordo sobre os mecanismos inovadores de geração de recursos. Entre eles, aquele que já entrou oficialmente em negociação é uma pequena taxa sobre todos os passageiros de voos transatlânticos. Mesmo assim, a ideia está longe do consenso. “Precisamos de uma coisa automática, que não dependa da aprovação de orçamentos públicos todos os anos”, diz Lutes, um defensor das taxas sobre passageiros e transações financeiras.
Segundo ele, outro ponto que preocupa as ONGs é a divisão de recursos entre as políticas de adaptação e aquelas de mitigação. Da maneira como está sendo negociado na ONU, dois terços do fundo do clima concentram-se na redução de emissões (considerada a mitigação) e o restante, nas medidas de adaptação. “Nosso ponto de vista é de que as partes deveriam ser iguais”, explica.
Atualmente, no topo da agenda da Convenção do Clima está a promessa feita no Acordo de Copenhague, de que US$ 100 bilhões/ano estarão disponíveis até 2020 em um fundo global para mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Em encontros recentes, países signatários têm se concentrado em desenhar uma arquitetura para que o fundo possa começar a funcionar. Além disso, existe um compromisso imediato de que ao menos US$ 30 bilhões serão liberados nos próximos 3 anos, o que tem sido chamado de fast start fund (algo como “fundo imediato”).
Mas a questão não resolvida, diz o pesquisador Saleemul Huq, do Instituto Internacional de Desenvolvimento e Meio Ambiente (IIED, na sigla em inglês), é de onde sairá o dinheiro. Hoje, à parte os recursos de orçamentos públicos, a única fonte de financiamento às políticas de adaptação é uma pequena taxa que incide sobre as negociações de créditos de carbono. Esse dinheiro alimenta o Fundo de Adaptação da Convenção do Clima, que, embora já esteja em funcionamento, tem apenas US$ 100 milhões [3].
[3] O Fundo de Adaptação foi criado em 1997 junto com o Protocolo de Kyoto. Saiba mais aqui.
“A situação não é nada boa. Mesmo o que foi prometido não está sendo cumprido”, pondera Huq, que foi autor líder da seção de adaptação do último relatório do IPCC. Ele se refere principalmente à promessa de países desenvolvidos em prover ajuda financeira às nações mais pobres e vulneráveis às alterações do clima. Segundo Huq, muitos países estão “contando duplamente” sua ajuda financeira, considerando os recursos de ajuda humanitária internacional como fundos para o clima. Na prática, não tem dinheiro novo.
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As tecnologias criadas para dar mais eficiência ao consumo de energia são fundamentais para controlar as emissões de gases de efeito estufa. Mas sua eficácia é ameaçada pelo chamado efeito rebote, como mostram análises de consumo na França, ilustradas neste infográfico. Dezenas de estudos na Europa e nos EUA se dedicam a demonstrar o efeito em vários setores. Eles mostram que, em variados graus, a redução de consumo de energia por equipamento resulta em mais consumo do equipamento ou uso do valor economizado na compra de outros. Ou seja, um carro mais eficiente convida a ir mais longe; uma taxa de energia mais barata convida a ter mais eletrodomésticos, e assim por diante.
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ENTREVISTA: Marco Antonio Fujihara
MDL Programático: em teoria, uma boa opção para pequenos projetos
O MDL Programático foi lançado em 2007 como uma opção para facilitar o registro de pequenos projetos com a mesma metodologia, porém em locais diferentes. Funciona como um guarda-chuva sob o qual se abrigam vários projetos similares. No Brasil, o único projeto aprovado nessa modalidade pertence à Sadia, que promove a redução de metano com o uso de biodigestores na suinocultura. Nascido para facilitar o processo para pequenos projetos, entretanto, a modalidade sofre de excesso de burocracia. Marco Antonio Fujihara, consultor da Key Associados, que trabalha com projetos de carbono há dez anos, falou sobre o tema a Página22.
Por que o projeto da Sadia ainda é o único no Brasil? Porque, assim como o tradicional, o MDL Programático também demanda muita burocracia. Além disso, é mais complicado demonstrar nesse tipo de projeto a linha de base (nível atual a partir do qual é feita a projeção do volume das emissões que ocorreriam sem a implantação do projeto) e a adicionalidade (o quanto a mais de emissões será evitado, além do que ocorreria sem o projeto). Há outros projetos em avaliação pelo governo, que os recebe, mas nenhum foi aprovado ainda.
A modalidade foi criada em 2007 com o intuito de ser mais eficiente para países em desenvolvimento. Conseguiu? Teoricamente, seria um grande negócio para os países em desenvolvimento, mas foi muito burocratizado. O MDL Programático nasceu para ser um programa, mas na prática não é. A burocratização parte do pressuposto de que deve ter um órgão que confira tudo (no Brasil, uma comissão interministerial, sediada no Ministério da Ciência e Tecnologia, é responsável pelos projetos de MDL) . Isso torna o processo lento e os custos, mais altos. Os mais pobres não têm como acessar. Como uma pequena comunidade do interior da Namíbia vai fazer um projeto? Não faz.
Quais as principais vantagens com relação ao tradicional? Em tese, diminui os custos de transação, mas na prática isso também não ocorre. A Sadia primeiramente fez um projeto de MDL na forma tradicional, com todos os suinocultores reunidos num único projeto. Depois ela optou pelo programático, porque o controle de emissões reduzidas se torna bem mais fácil, já que você tem um protocolo único para todos os projetos dentro dele.
Para quais setores o MDL Programático é mais adequado? Faz mais sentido pensar o MDL Programático em termos de território do que de setores. Se, em determinada região, um grupo de empresas quiser fazer, pode ser vantajoso para elas. Acredito que os setores econômicos mais atrativos são os de base florestal, principalmente na área siderúrgica, que demanda uma quantidade muito grande de matéria vegetal. Mas só o MDL Programático não resolve o problema sozinho, ele deve ser complementar a outras opções existentes. É preciso, por exemplo, crédito e financiamento para se conseguir adotar uma base energética mais eficiente.
*Jornalistas especializados em meio ambiente.