Nossas leitoras Gislene Cabral e Vanessa Manzi falam da importância das áreas de Compliance, responsáveis por resguardar a ética nas empresas. É nessa hora que boas normas e um controle eficiente podem fazer a diferença no caminho para a sustentabilidade. Confira a seguir algumas orientações para isso.
Já presenciamos uma série de escândalos corporativos e o apetite ao risco, a falta de controles e a ausência da ética foram algumas das razões que contribuíram para o declínio de algumas empresas.
Fala-se muito em governança corporativa, tema que embora não seja tão novo, recebe cada vez mais destaque no mundo empresarial, contribuindo, dessa forma, com o desenvolvimento de uma maior consciência da alta gestão. Mas onde entra Compliance nesse contexto?
Compliance não é um ativo fixo pelo qual é possível atestar rapidamente se o bem ainda existe, se está em boas condições de uso ou se está sendo utilizado de acordo com suas características; ele está relacionado ao investimento em pessoas, processos e conscientização, além de ser um dos pilares da boa governança corporativa.
Não obstante, de nada adianta investir nos pontos registrados no parágrafo anterior sem atribuir indicadores de desempenho e não monitorar as atividades de Compliance. Com a ausência de indicadores e o correto monitoramento, ficará impossível garantir se de fato a empresa está em conformidade.
Nessa linha, é imprescindível que as empresas determinem KPIs (Key Performance Indicators) de Compliance e realmente possuam um programa efetivo de monitoramento.
Em estudo realizado em 2006 pela PricewaterhouseCoopers, foi verificado que de 73 instituições analisadas, 41% trabalhavam com os KPIs para a área de Compliance, 38% os utilizavam para análises preventivas, 18% começaram a utilizar e desenvolver os indicadores e 3% não os havia definido.
Nessa pesquisa foram listados indicadores chaves de desempenho, a saber:
– Treinamento fornecido x planejado: bem como a quantidade de funcionários que realizaram o treinamento x quantidade de funcionários elegíveis na organização. Outros indicadores podem ser considerados como, por exemplo, a rotatividade de funcionários x tempo para treinar os funcionários admitidos.
– Testes realizados x planejados: dependendo da estrutura de Compliance implantada na organização, a função pode contemplar a execução de testes nas áreas com objetivo de mitigar os riscos de sanções regulatórias e de reputação, garantindo a aderência à regulamentação e às políticas internas. Como exemplo de teste, é possível citar o de avaliar um percentual dos clientes que iniciaram relacionamento no mês para garantir que o procedimento “conheça o seu cliente” tenha sido devidamente executado.
– Revisão de Auditoria: os trabalhos de auditoria fornecerão indicadores importantes para que Compliance avalie, acompanhe pontos em não conformidade, fragilidade nos controles internos e a velocidade na correção das falhas, e assim, tenha uma percepção sobre a evolução da aderência à cultura de Compliance e melhoria no sistema de controles internos da organização.
– Resultado dos exames dos reguladores: avaliações satisfatórias em supervisões dos reguladores representam indicadores do trabalho desenvolvido pela área de Compliance e sua adequação às melhores práticas de mercado.
– Avaliação completa do monitoramento de Compliance: da mesma forma os resultados de revisões de auditoria na área de Compliance permitirão entender o grau e evolução dos trabalhos realizados por esta. Assim como o grau de adesão da organização à cultura de Compliance por meio da disseminação atribuída à função.
– Agilidade do Compliance: em relação às mudanças nas políticas e procedimentos, este indicador permite avaliar a rápida adequação às normas externas reduzindo o risco de Compliance, ou seja, risco de sanções regulatórias pelo não cumprimento destas.
Além dos indicadores levantados na pesquisa, apresento abaixo demais pontos de monitoramento que também são importantes:
– Pagamento de indenizações (ações adversas): realizar estudo e acompanhamento para identificar a natureza dos problemas que originaram as indenizações e alertar os responsáveis quanto à correção dos fatos geradores;
– Código de Conduta: comprovação de entrega e leitura do Código de Conduta e demais documentos de conhecimento obrigatório do empregado;
– Canal de Denúncias: acompanhar as denúncias e alertar os responsáveis quanto à correção dos fatos geradores;
– Políticas e Procedimentos Internos: apurar e acompanhar a atualização de políticas e procedimentos;
– Cultura Compliance: quantidade de cursos realizados para os empregados sobre disseminação da cultura do Compliance;
– Acompanhar fatos anormais: entenda-se por fatos anormais a realização de ações efetuadas pelos empregados que são contrárias às políticas e procedimentos da organização;
Foram registradas algumas sugestões de indicadores de desempenho, contudo cabe a quem atua na área de Compliance entender o contexto da sua empresa e verificar os assuntos mais importantes que merecem ser devidamente monitorados e adotados KPIs.
Com tais medidas e o compromisso de todas as partes para o efetivo cumprimento do programa de Compliance, haverá uma maior segurança dos funcionários, acionistas e stakeholders quanto à prevenção de desvios de conduta e resguardo da integridade da empresa.
Um ponto importante a destacar é que independentemente do programa de monitoramento que a empresa decidir adotar, a alta administração deverá ser envolvida desde o início do processo, pois sem o seu apoio é provável que não exista sucesso na adoção do respectivo programa.
Se a empresa já possui a consciência de que identificar e monitorar os indicadores de Compliance é tema de grande relevância para garantir a “Cultura Compliance” na organização, não tenho dúvidas de que a sua empresa está no caminho e entende o que significa uma boa governança corporativa.
Contudo, se este ainda não é o cenário da sua empresa, a boa notícia é que mais do que nunca ela precisa de profissionais de Compliance e relacionados à ética. Afinal, sempre caberá a estes profissionais levantar a bandeira e dar início às discussões que, embora estratégicas, ainda não fazem parte da agenda da alta administração.
A tarefa não é fácil, e a mensagem a passar é que sempre existirão oportunidades para os profissionais que fazem a diferença, que são persistentes, criativos, acreditam no que fazem e possuem a convicção de que a empresa só será perene se de fato existir um efetivo programa de Compliance, pois este pilar é um dos mais importantes no contexto da boa governança corporativa.
*Gislene Cabral de Sousa é advogada e sócia-fundadora do ICIC – Instituto de Compliance e Integridade Corporativa.
** Vanessa Alessi Manzi é advogada e coordenadora do Núcleo de Regulação e Compliance da FIPECAFI (USP).