Apesar das críticas ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), calculado pelas Nações Unidas, todos os anos seu ranking ganha manchetes nos quatro cantos do mundo. A subida no índice desencadeia comemorações e pode ser capitalizada pelos políticos de um país, enquanto uma queda gera recriminação e, quiçá, revisão de políticas. Esse ano não foi diferente, mas houve pelo menos uma tentativa de trazer o IDH para mais perto da realidade. Chuluun Togtokh, pesquisador da Universidade Nacional da Mongólia, recalculou o indicador incluindo as emissões de carbono per capita em cada país. A intenção foi mostrar que, ao ignorar a vertente ambiental, o IDH manda o sinal errado aos países.
“A ONU aceita as evidências gritantes de que a humanidade está alterando profundamente alguns dos ciclos biológicos, físicos e químicos essenciais da Terra. Aceita que as futuras gerações serão adversamente afetadas, particularmente nos países mais pobres. E aceita que há necessidade urgente de agir”, escreveu Togtokh em artigo com Owen Gaffney. “Ao ignorar a sustentabilidade no IDH, a ONU institucionalmente falha em ligar as pessoas à natureza. Toda a conversa sobre desenvolvimento sustentável é vazia a não ser que o desenvolvimento sustentável seja parte de tudo que a ONU faz. A ONU precisa liderar pelo exemplo”.
O exercício feito por Togtokh altera especialmente os primeiros dez colocados no IDH. A Noruega manteve o primeiro lugar mesmo no ranking incluindo as emissões de carbono, mas os EUA, quarto colocado no ranking original da ONU, despencou para vigésimo quarto lugar. O Canadá caiu da oitava colocação para o vigésimo terceiro lugar. E a Austrália, um dos maiores emissores per capita do mundo, saiu do segundo lugar para o décimo.
O Brasil está entre os países que mais ganha se contabilizadas as emissões de carbono, subindo 16 posições no ranking em relação à septuagésima terceira colocação no IDH esse ano. Outros países latino-americanos como Colômbia, Equador e Uruguai também galgam posições. Quatar, Emirados Árabes Unidos e Kuwait, todos produtores de petróleo, são os que mais perdem posições no IDH com emissões de carbono.
Togtokh não revela a metodologia que utilizou para introduzir mais uma dimensão ao IDH e pode-se criticá-lo por usar uma medida – as emissões de carbono – que não dá conta de todos os impactos humanos sobre os ecossistemase a biosfera. Segundo o pesquisador, a escolha de emissões de carbono como medida de sustentabilidade foi feita para manter a simplicidade do IDH – que usa, por exemplo, expectativa de vida como medida de saúde e longevidade. “As emissões de gases de efeito estufa são parte integral do nosso sistema de produção e consumo”, escreveu o pesquisador. “Ao incluir as emissões de carbono no nosso cálculo do IDH, obtemos uma indicação do custo que a qualidade de vida em um país tem em outros países”.
Ainda assim, o cálculo pode levar a conclusões errôneas, pois ao usar apenas as emissões domésticas de cada país, o índice calculado por Togtokh deixa de fora as emissões derivadas da produção de bens importados de outros países. Um país pode ter um IDH+ emissões alto, mas depender pesadamente de emissões realizadas em outras partes do mundo.
O IDH nasceu 20 anos atrás com o Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com o objetivo de tirar o foco das análises sobre desenvolvimento das contas nacionais e centrar-se nas pessoas. O índice leva em conta três dimensões: saúde e longevidade, conhecimento e educação, e padrão de vida de uma população. Essa última dimensão foi medida, até o ano passado, pelo Produto Interno Bruto (PIB) per capita e, a partir desse ano, pela renda nacional bruta per capita.
O uso do PIB é um dos pontos mais criticados do IDH, pois sabe-se que tal indicador não captura uma miríade de aspectos da economia, de transações fora do mercado à economia informal e atividades não monetárias, como o trabalho de casa, o cuidado pelos idosos e crianças e outros. Mas a falha mais gritante do PIB é a de possuir apenas uma coluna, a dos ativos. Passivos como a destruição de ecossistemas, perda de vidas devido à guerra e tantos outros não são contabilizados como custos.
Com tantas críticas, não faltam alternativas ao IDH. Talvez uma das mais antenada com a questão ambiental seja o Happy Planet Index (HPI), calculado pela New Economics Foundation, uma entidade independente baseada no Reino Unido. O HPI mostra a eficiência relativa com que as nações convertem os recursos naturais do planeta em vidas felizes para seus cidadãos. O indicador combina dados sobre expectativa de vida, satisfação e pegada ecológica, e sua última avaliação global, com 143 países, foi publicada em 2009.
Apesar das alternativas, nada substitui o IDH em termos de alcance na mídia e nas esferas decisórias na maioria dos países. O indicador mostra que nos últimos 40 anos o bem estar humano só fez aumentar. Mas um time de pesquisadores canadenses apontou o paradoxo que vivemos em um artigo recém-publicado: como manter a qualidade de vida humana diante da crescente destruição dos recursos naturais e ecossistemas que suportam os homens sobre o planeta? Talvez um bom começo seja mostrando que é preciso adicionar pelo menos mais uma dimensão ao IDH.