Nem todos os efeitos que as espécies invasoras podem causar em um determinado habitat são negativos. É o que mostra um estudo recém-publicado na revista científica Oryx (acesso aberto) sobre o Pantanal brasileiro. Segundo os autores – um pesquisador da Embrapa Pantanal, além de colegas escoceses e britânicos –, o porco selvagem, chamado de porco-monteiro na região, pode dar uma mão na conservação das espécies nativas.
“Os porcos selvagens na planície inundável do Pantanal representam uma situação pouco usual para a biologia da conservação”, escreveram os pesquisadores. “A introdução de uma espécie invasora e a caça, duas grandes ameaças à biodiversidade, estão ajudando a conservação da vida selvagem”.
Em todo o Neotrópico – biorregião que inclui as Américas do Sul e Central, parte do México, as ilhas do Caribe e o sul da Flórida –, animais nativos como queixada, cateto (ambos da família dos taiaçuídeos), capivara, veado e anta fazem parte da dieta das comunidades humanas. No caso de queixadas e catetos do Pantanal, porém, a pressão é aliviada devido à preferência, por parte dos habitantes das fazendas que ocupam 95% da região, pela carne dos porcos monteiros (Sus scrofa). Segundo os pesquisadores, os porcos oferecem “uma fonte gratuita, constante, aceitável culturalmente e disponível a qualquer momento de carne e óleo” para fazendas isoladas no Pantanal.
O porco foi introduzido no Pantanal há mais de 200 anos e, especula-se, teria escapado de fazendas durante a Guerra do Paraguai, tornando-se selvagem. A caça de espécies nativas foi proibida em 1967 e, segundo os pesquisadores, hoje quase inexiste devido à caça ao porco-monteiro, que se incorporou aos hábitos tradicionais da região. Os vaqueiros capturam machos jovens para castrá-los e marcá-los. Depois de soltos e recuperados da castração, põem-se a engordar. Eles serão os alvos preferidos dos vaqueiros que, meses depois, saírem à caça.
Mas mesmo a população local sabe que os efeitos do porco-monteiro no meio ambiente não se restringe a seu papel nos hábitos de caça dos habitantes. Cinqüenta e dois por cento dos moradores entrevistados pelos pesquisadores disseram acreditar que a presença dos porcos pode ter impactos tanto positivos como negativos. De fato, dizem os cientistas, eles podem transmitir doenças, degradar o habitat e competir com outras espécies por recursos.
Para se ter uma ideia do impacto total – e saber se o benefício de aliviar a pressão de caça sobre as espécies nativas compensa os efeitos negativos –, serão necessários mais estudos. Mas uma vez que os porcos-monteiros convivem com queixadas, catetos, antas e homens no Pantanal há mais de século, é alvissareiro saber que a presença desses invasores trouxe algo de bom.
(Com agradecimentos à Renata pela sempre bem-vinda assessoria em assuntos biológicos)