A educação de nossos filhos está em constante disputa com a sociedade de consumo. Uma importante medida para a felicidade e o bem-estar é proibir a publicidade destinada às crianças
Caçula de seis irmãos, desde pequena aprendi a me contentar com poucos requintes materiais. A sensação de bem-estar que me acostumei a chamar de felicidade estava na segurança e no carinho da família, e em modestos júbilos materiais, que eram sorvidos cautelosamente, de modo a durar o máximo possível.
Hoje vivo o dilema e o desafio de forjar para meus filhos um pouco do que foram as circunstâncias conjunturais da minha infância. Já não vivo as restrições financeiras que meus pais viviam, mas persigo o objetivo de fazer meus filhos valorizarem mais o que somos, a família que temos e os prazeres que podemos ter no dia a dia do que os bens de consumo que podemos ter.
Precisamos dissociar a felicidade daquilo que nosso dinheiro pode comprar. A garantia de direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais básicos para a nossa reprodução – o conforto e a segurança que necessitamos no dia a dia – é fundamental. No entanto, daí em diante, a felicidade não está no que o dinheiro pode comprar, mas em como lidamos com aquilo que ele nos proporciona.
Sofrimento diário para quem leva os filhos à padaria, ao supermercado, à banca de jornais: brinquedinhos, lembrancinhas, chocolatinhos, biscoitinhos, tudo a preços miudinhos, não pesando no bolso, mas construindo o terrível hábito do consumo diário desnecessário. Quinquilharias que se vão espalhando pela casa, largadas assim que ali chegam, inúteis.
Não é raro ver crianças emparedando seus pais em lojas e mercados, de onde saem vitoriosas com um regalo em mãos, como troféus que exibem vitoriosas e dos quais se esquecerão em poucos minutos.
Os adultos, por sua vez, acostumam as crianças com esses mimos, seja porque, afinal, é tão baratinho e não custa nada, seja para substituir a atenção que não podem dar, seja apenas porque podem pagar, sem se dar conta do estímulo ao consumismo que alimenta uma sensação de poder ter, que, via de regra, contribui para aumentar a frustração constante de quem tudo tem tão facilmente que nada satisfaz verdadeiramente.
Tarefa árdua em uma sociedade em que o apelo ao consumo está tão presente. O apelo da propaganda, da necessidade de ter o que os colegas têm, de se incluir e ser aceito pelo que se possui, faz que com que estejamos prontos a dar aos nossos filhos o que nosso dinheiro pode comprar.
Buscando atender necessidades imediatas, romper o choro do apelo, conquistar seus sorrisos, habituamos nossas crianças a associar a satisfação aos bens materiais que podemos lhes oferecer. Não raro, a relação entre pais e filhos estabelece-se com base no atendimento dessas necessidades e as demais – a atenção, o carinho, a conversa – vão ficando secundárias na vida dos pequeninos.
Pouco ajudamos na construção da identidade deles como sujeitos se não os fazemos refletir sobre a real necessidade dos brinquedos, jogos, roupas, acessórios e tudo o mais que os amigos têm, a televisão mostra e as lojas vendem.
A educação de nossos filhos está em constante disputa com a sociedade de consumo e a frustração para aqueles que não podem ter é inevitável, diante de propagandas que associam o biscoito, o brinquedo e a roupa ao modelo ideal daquilo que as crianças pensam que querem ser.
Engana-se quem pensa que este é um problema para as classes média e alta, para quem pode escolher consumir ou não, e o que consumir. O apelo do consumo está em todas as classes e a expectativa da satisfação conforme o que se pode consumir é proporcional à renda de cada um.
Nesse sentido, uma importante medida para a felicidade e o bem-estar é proibir a publicidade destinada às crianças, conforme previsto no Projeto de Lei nº 5.921, que está em tramitação na Câmara dos Deputados desde 2001.
Para além dos problemas relacionados à obesidade, à erotização prematura e ao estresse familiar, a publicidade infantil vende a nossas crianças a ilusão do consumo e silencia o deleite e a satisfação com os pequenos prazeres, disseminando valores materialistas que em nada contribuirão para as circunstâncias que as farão felizes.
*Secretária-executiva adjunta do Instituto Socioambiental (ISA).