A imprensa foi discreta demais. Pouco saiu sobre a morte do hidrogeólogo Aldo Rebouças, na semana passada. Professor emérito do Instituto de Geociências e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP, ele foi um dos maiores estudiosos da água e, mais especificamente, das águas subterrâneas do país (se não o maior). Gosto particularmente do necrológio da revista Meio Ambiente Industrial:
Ao longo de mais de 40 anos de pesquisa, ele defendeu obsessivamente a premissa de que “o conceito de água abundante, inesgotável e gratuita, uma dádiva de Deus ou de qualquer outra figura cósmica, da igreja ou de políticos, dos coronéis ou do homem, da natureza”, era uma ficção obsoleta.
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Nascido em Peixe Gordo, Ceará, um entre 16 irmãos, ele se formou na Federal de Pernambuco, de onde saiu para trabalhar no mapeamento hidrogeológico do Nordeste para a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). De lá partiu para mestrado e doutorado na Université de Strasbourg, na França, e pós-doutorado na Stanford University, nos EUA. Nos anos 70 criou o Centro de Pesquisa em Águas Subterrâneas da Universidade de São Paulo. Ele escreveu “Águas Doces do Brasil: Capital Ecológico, Uso e Conservação”, publicado pela Editora Escrituras, essencial para quem acompanha esse assunto.
Entrevistei o professor Rebouças algumas vezes – um homem de uma gentileza e elegância incomuns. Numa dessas ocasiões, para uma série de reportagens sobre a seca publicada em 1998 pela finada Gazeta Mercantil, ele dizia:
“No Brasil, o mal uso da água é um problema maior que a sua escassez. O País tem um dos maiores índices de desperdício do mundo. Se, em Israel, são empregados 600 metros cúbicos para irrigar um hectare, por ano, no Nordeste, são 18 mil metros cúbicos – 30 vezes mais.
Sobre a indústria da seca que, para ele, se traduz num estímulo à não-produtividade e numa caça de subsídios:
“Brasília acha que a água tem que chegar aonde o povo está, mas é o povo que tem que ser trazido onde ela está. Isso é fruto do lobby da água, que gera dificuldade para vender facilidade. Cerca de 70% da produção do Piauí saem do semi-árido. Isso prova que, onde há dificuldade, há criatividade. Mas onde há água, não se produz quase nada”.
Sobre a irrigação no Nordeste:
“Difícil fazer da irrigação um negócio, com viabilidade econômica, quando 80% da população do semi-árido é analfabeta. Além disso, investimos em áreas críticas e abandonamos as mais promissoras. Brasília acha que a água tem que chegar aonde o povo está, mas é o povo que tem que ser trazido onde ela está. Isso é fruto do lobby da água, que gera dificuldade para vender facilidade”.
Rebouças também não via com bons olhos a transposição do rio São Francisco:
“Não se investe um tostão no Cariri cearense, um verdadeiro oásis cujas águas poderiam irrigar 30 mil hectares — contra os 40 mil ha previstos após a transposição. No Cariri, o investimento não passaria de US$ 250 milhões, menos de um décimo dos custos da transposição”.
Ele dizia que o ideal seria tocar projetos de apenas 100 hectares, o que entra em conflito com a concentração de terras da região nas mãos de duas ou três famílias. “Cerca de 72% da produção agrícola do Ceará vem de áreas irrigadas de menos de 50 hectares”, lembrava.
Se você conheceu o professor Rebouças ou seu trabalho, despeça-se aqui, nesta entrevista para o Museu da Pessoa, onde ele fala brevemente sobre sua família e sobre seu tema favorito.
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