É verdade que a tradição, em muitos casos, faz as vezes do desejo de mudança e questões latentes acabam sendo postergadas pelo simples medo do novo – ou do nem tão novo assim. E para resolver a querela, a lei acaba muitas vezes sendo a saída, menos traumática, mas nem tão ideal. A aprovação da união estável homossexual no Brasil, na última quinta-feira, não poderia ter demonstrado isso de forma mais clara.
Em reportagem da edição 32 de Página22, em julho de 2009, falamos sobre a falta de reconhecimento a direitos específicos da relação homoafetiva, sem qualquer cobertura diferenciada dentro da legislação brasileira. Legalmente, o casal homossexual que desejasse alguma forma de união devia recorrer a um contrato de sociedade comercial, incapaz de contemplar todos os direitos de um casal heterossexual.
Num país onde mais de 60 mil casais gays declararam que vivem juntos – segundo o último censo do IBGE –, a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) passa a reconhecer a união estável como família, assegurando a todos o direito a pensão, aposentadoria e herança, dependência nos planos de saúde e no Imposto de Renda, além de outras facilitações como a adoção de filhos e o direito de visita em hospital público.
Na terra da diversidade e da “cordialidade”, a decisão tardou a ocorrer. Já na época em que Página22 realizou a matéria acima, Holanda, França, Bélgica, Reino Unido, Canadá e até o vizinho Uruguai já contemplavam seus casais gays com direitos civis. A Argentina, que na época permitia a união apenas na capital e em certas províncias, deu um passo além e aprovou o casamento gay em julho do ano passado, tornando-se o primeiro país latino-americano a fazê-lo.
A questão do casamento civil não foi contemplada pela decisão do Supremo, mas ganha força a partir do reconhecimento da união homoafetiva. Na prática, a diferença é mais cultural, pois a maioria dos direitos foi coberta pela decisão. A unanimidade de votação entre os magistrados ajuda a catalisar também o movimento em favor da aprovação do PLC 122, projeto de lei que criminaliza a homofobia no País e que se encontra parado no Legislativo.
“A partir desta decisão importantíssima da Corte, o Poder Legislativo tem que se expor e regulamentar as situações em que a aplicação dessa determinação será justificada também do ponto de vista constitucional”, afirmou o presidente do STF, ministro Cezar Peluso.