Fundador e coordenador-executivo do AfroReggae, José Júnior é um personagem central no processo de pacificação do Rio de Janeiro, um dos protagonistas na tentativa de conectar socialmente a cidade brasileira mais conhecida no mundo. Há 18 anos, ele criou o grupo que hoje é referência no desenvolvimento de tecnologia social e que realiza um trabalho único no País, resgatando jovens e criminosos do tráfico. Aos 42 anos, admirador de Che Guevara e Winston Churchill, apresentador de programas de televisão e mediador do conflito entre o asfalto e a favela, José Júnior é requisitado por organizações sociais e governamentais de todo o planeta.
Polêmico, franco e apaixonado pelo trabalho, José Júnior reúne um grupo eclético de amigos que inclui banqueiros, políticos, artistas e traficantes. A crença de que todo vilão carrega a semente do bem e pode se transformar em herói o levou a formar um “antifã-clube”, mas também a colecionar milhares de admiradores e seguidores.
O AfroReggae, que tem início em 1993, nasceu como um jornal, o AfroReggae Notícias, com informações ligadas à cultura afro. Hoje participa de 50 projetos político-socioculturais no Brasil e no exterior e beneficia, direta e indiretamente, mais de 10 mil pessoas.
Para o senhor, o que é uma cidade inteligente (assunto principal nesta edição de Página22)?
Uma cidade conectada, seja pela questão urbanística, seja pelo lado virtual, da tecnologia. O Rio caminha para ser uma cidade inteligente, mas ainda está muito longe disso. Ainda é difícil localizar endereços pelo GPS no iPhone, por exemplo. Ontem fui visitar uma pessoa na Barra (da Tijuca) e não conseguia encontrar o lugar. O Rio ainda é mal sinalizado. E, no caso da tecnologia, há dificuldade para aquisição de equipamentos e de assistência técnica. Sou um entusiasta da cidade, mas sei das suas limitações. É difícil encontrar taxistas que conheçam o Rio, às vezes é difícil se movimentar por aqui.
O senhor tocou nessa questão da mobilidade, que tem tudo a ver com o conceito de cidade inteligente. Mas e a violência, a desigualdade social, que problemas trazem para o desenvolvimento inteligente da cidade?
A desigualdade social no Rio é menor do que em São Paulo, do que na Bahia. Não é no Rio que estão os maiores registros de homofobia. A violência aqui existe, mas é menor do que em São Paulo, por exemplo, não se compara. Mas aqui existe uma violência declarada e transparente. Qual é a maior população carcerária do Brasil? Está em São Paulo. Mas lá a periferia está longe, aqui está no coração da cidade, em Ipanema. Aqui não tem periferia, a cidade é periferia. Se os moradores da Rocinha fizerem greve, a Zona Sul do Rio para.
Esse é um aspecto positivo ou é só uma apropriação que a Zona Sul faz dessa força de trabalho sem dar nada em troca?
Acho que tudo vem mudando muito, a situação é muito diferente de quando eu era mais novo. Meus amigos todos morreram na adolescência. Eu não morri. Tem muita violência hoje, só que naquela época também tinha. A violência hoje é mais transparente. E as pessoas também estão cada vez menos tolerantes em certos aspectos. Antes todo mundo fazia vista grossa, hoje urinar na rua é delito, as pessoas usam cinto de segurança. Há uma mudança cultural.
O que o senhor chama de violência transparente? Você vê tudo o que acontece aqui. Em outras grandes cidades brasileiras não se vê.
Será que vê mesmo? Veja aquela situação da entrada da polícia no Complexo do Alemão. Todos ficaram surpresos com as imagens mostradas na TV, dos bandidos em fuga. Muitos afirmaram, naquele momento, que tinha vindo à tona algo que ninguém imaginava que seria daquele tamanho. Realmente, aquilo nunca tinha acontecido. Nada foi mais transparente do que aquela fuga do Alemão, com o mundo inteiro assistindo. Aquilo é transparência. Não é aquela situação de índices de violência maquiados. Nunca tivemos tanta gente deixando o tráfico. Você não vê isso em Florianópolis ou em São Luís do Maranhão. E não é porque lá não existe tráfico, tem, sim, e muito. Aqueles caras do Alemão, se você conseguisse fotografar e colocar no sistema policial, veria que mais de 50% não tiveram passagem por delegacia nenhuma.
Por que não são bandidos ou por que ninguém chegava até eles? As duas coisas.
O senhor, que transita da favela à Zona Sul do Rio, que efeitos acredita que os eventos esportivos como Copa do Mundo e Olimpíadas terão na cidade?
O Rio está seguindo o exemplo de Barcelona, onde houve o projeto de legado social e olímpico com maior repercussão em todos os tempos. O Rio bebe na fonte de Barcelona na arquitetura, nas ideias. Há grandes investimentos que serão feitos aqui, o Rio tem melhorado muito.
Barcelona é uma das cidades consideradas inteligentes no mundo, porque há inovação tecnológica e as coisas estão mudando de lugar, o lixo virando luxo. O Rio tem como se tornar uma cidade inteligente?
Acho que está no caminho, mas ainda não é. Empresas que tinham deixado a cidade estão voltando e outras, novas, estão se instalando por aqui. Há uma gestão pública que está estimulando isso. O Rio está conseguindo ocupar espaços como cidade inteligente, mas ainda está muito longe. Um exemplo pequeno, mas de grande relevância, é o novo Museu da Imagem e do Som, que não deixará nada a dever aos melhores museus do mundo. Há muitos projetos em vias de concepção ou execução.
O senhor acredita que hoje há um marketing eficiente no governo federal e no governo do Rio, pintando o País e o estado com tintas cor-de-rosa, como se já fôssemos Primeiro Mundo? O marketing tem sido crucial em todos os projetos sociais e governamentais?
Não acho. Você já viu alguém falar mal de si próprio? Pense em empresários, políticos, ninguém fala mal de si. Quando você podia imaginar, há 15 anos, um grupo como o AfroReggae, que tem a favela como uma de suas bandeiras, que trabalha tirando gente do tráfico, ter a estrutura que a gente tem? Quando, há alguns anos, um grupo como o nosso geraria tanto interesse? Isso virou assunto de interesse porque está em pauta. Quando eu criei o AfroReggae, quem aparecia na mídia trabalhava com meninos de rua. Ninguém tinha interesse pelos meninos do tráfico no País. O que tomamos muito cuidado, hoje, é para não virar arroz de festa. Não dou palestras, não vou a eventos de celebridades. Todo ano o fórum de Davos (Fórum Econômico Mundial, na Suíça) me convida, não vou a nenhum. Acho o fórum importante, mas para o AfroReggae. Eu não sou o AfroReggae. Se o grupo for convidado, alguém vai, eu não vou. Eu recebo convites de milhões de reais para trabalhar com meio ambiente, dependência química, mas não aceito, nós trabalhamos com o que a gente sabe.
O número de pessoas com interesse em trabalhar para o tráfico está caindo?
Sim, e há um conjunto de fatores que reduzem esse interesse. Se antes havia 30 crianças querendo entrar para o tráfico, hoje tem de 7 a 10. Há também uma diminuição da quantidade de armas nas favelas. Droga, tráfico, você encontra até em escola de Nova York, em metrô na Holanda. Mas a diferença é que, lá, os caras não estão armados. É muito fácil falar em drogas, e não falar em armas. Quando você fala em drogas, está falando de Colômbia, Bolívia, Peru. Quando fala em arma, toca nos países ricos. Quem mata mais: drogas ou armas? E por que não há intervenção nos países que produzem as armas? Com que instrumento são produzidos os grandes conflitos no mundo, quem ganha com eles? Quanto custa um grama de cocaína e quanto custa uma pistola? Tudo tem um interesse maior por trás.
E como o AfroReggae consegue sobreviver em meio a tantos interesses?
Nós temos grandes patrocinadores, muitos parceiros institucionais. A primeira agência Santander no mundo em uma favela foi implantada por nós. A nossa produtora de TV não tem dinheiro de patrocinador nenhum. A metade dos recursos de aquisição do nosso imóvel e as reformas foram geradas por shows e a nossa produção em TV. Tenho sonhos românticos e utópicos, como não ver mais nenhuma criança no tráfico e não ter mais patrocínio. Não é abrir mão das parcerias com empresas, mas sim gerar os próprios recursos.
Por que as empresas se interessam pelo AfroReggae?
Por causa do trabalho que a gente desenvolve em vários lugares. Também há muitos interesses comerciais, as empresas querem ganhar mais dinheiro nas comunidades, melhorar a sua imagem. Há uma certa generosidade das empresas, mas não é assistencialista, há um interesse de ambas as partes. Acho que é fundamental hoje as pessoas terem acesso a produtos e serviços.
O senhor acredita que o acesso é fundamental para tornar uma cidade inteligente?
Sem dúvida. Inclusive o acesso para o deficiente físico. Gastamos R$ 250 mil adicionais para incluir acesso a cadeirantes em uma obra em Vigário Geral. Estamos discutindo o que fazer para permitir o acesso dos deficientes visuais. Como trabalhar com energia limpa? Discutimos isso também. Trabalhamos com cultura, questão social, as mesmas ações de 18 anos atrás, quando o AfroReggae foi criado.
O que é o trabalho de tecnologia social que o AfroReggae desenvolve?
Acho que é um trabalho social responsável, juntar um ex-traficante com um policial civil no trabalho, realizando coisas para o bem comum. Criar encontro entre dois indivíduos que há algum tempo se odiavam e, se pudessem, até matavam um ao outro. Isso é tecnologia social, parar de culpar os outros e resolver você mesmo o problema. Você reconhecer a si mesmo como problema, porque é mais fácil culpar o outro. Estamos levando isso para o mundo inteiro. É a mediação de conflito, é como usar a percussão, ou o circo, para interagir com pessoas ligadas à violência, fazendo com que possam ganhar dinheiro, elevar a autoestima. Eu criei o grupo e não sei tocar, não sei fazer circo, não sei fazer teatro. Já criei até coreografia sem dançar. Caetano (Veloso) já gravou música minha e eu não sei tocar nada. Hoje eu tenho de gerenciar o meu tempo, sou convidado a trabalhar mais fora do Brasil do que aqui. Sou vaidoso, mas tomo cuidado para não virar vedete.
Qual o seu principal talento, na construção dessa tecnologia social?
Meu maior talento é não ouvir as pessoas. Se eu ouvisse não teria entrado em Vigário Geral em conflito, por exemplo. Já me disseram que se eu entrasse em favela iam me matar, se eu trabalhasse com a polícia iam me matar, e eu não ouvi. Se ouvisse, não teria feito 7% do que eu fiz, juro por Deus. São percepções. Eu sou um cara da rua, eu não estudei além do ensino fundamental, a minha escola é a rua. O nome do AfroReggae poderia ser fundação da rua, ou instituição da rua. Eu percebo, eu olho. A gente não é uma organização ocidentalizada, por isso estamos presentes na Índia, na China, eles se identificam com a gente. No mundo ocidental você é obrigado a apresentar números, estatísticas, você pode dizer qualquer número, pode mentir.
Eu valorizo muito a intuição. Às vezes tenho reunião com alguém que tem doutorado, que me diz pra fazer coisas e eu não faço. Aí chega um maluco e diz que seu coração está falando que eu devo fazer. Aí eu acredito. O argumento intuitivo pra mim tem um peso enorme. Eu não morri porque meu coração me dizia, em alguns momentos, para ir embora de um lugar. Para mim, a intuição vale mais do que qualquer coisa. Algumas das pessoas mais bacanas que conheço, inclusive grandes empresários, como Guilherme Leal (copresidente do conselho de administração da Natura), Fabio Barbosa (ex-presidente da Febraban), são muito intuitivos. São pessoas que estudaram muito e seguem a sua intuição, que é uma coisa muito apurada, a sua conexão com o cosmos, o seu coração.
Muitas vezes as pessoas vinculam a origem social aos problemas sociais, à violência. Atribuem a violência à miséria. O senhor acha que estão diretamente ligadas?
Se estivessem, a Índia seria o lugar mais violento do mundo. Veja o Complexo do Alemão, onde vivem 170 mil moradores. Bem menos de 1% dessas pessoas estão envolvidas com o crime. Como 0,4% ou 0,6% das pessoas de um único lugar fazem tanto barulho? Uma coisa não está ligada à outra.
Então o que gera violência?
Tem a ver com questões culturais, sociais, familiares. Há também o cara de classe alta que é tão bandido quanto quem rouba carteira na rua. Isso é o quê? Um crime de colarinho-branco, o cara que usa dinheiro da merenda escolar ou desvia dinheiro da saúde. Ele é mais assassino que o assassino. O problema é que no nosso País a pena desse cara é menor do que a de um assassino. Ele matou milhares de pessoas e nada acontece. Eu vi muito Guerra nas Estrelas, a trilogia. Todo mundo tem um pouco de Darth Vader, que foi de vilão a herói. Todo mundo tem uma centelha de Darth Vader.
E a questão da Justiça? O senhor transita em meios que não estão exatamente dentro da lei. Existe Justiça?
Sim, existe. A questão é como funciona. Não é como deveria. Por exemplo, deveria haver uma anistia para quem quer largar o crime. Acho que, se o cara se entrega, se quer deixar o crime, qual o estímulo que ele tem?
Mas muitos vão argumentar que quem já matou muita gente não deve ter esses direitos.
Não anistiaram os responsáveis pela ditadura militar? Ninguém matou mais do que eles. Ninguém torturou mais do que eles, ninguém fez mais mal a qualquer ser humano neste país do que a ditadura militar. E eles não foram anistiados? O momento que a gente vive hoje é muito especial. Conheci um juiz que trabalha em presídios, que tem uma percepção social grande, que me disse que tem amigos que viraram traficantes. Se houvesse mais juízes com essa percepção social que esse cara tem, eu acho que a Justiça seria mais justa.
E as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs)? O senhor acha que elas têm contribuído para a diminuição da violência, para a melhora do Rio, até mesmo para a realização do seu trabalho?
Meu trabalho é pequeno perto das UPPs, que conseguem criar algo que nunca ocorreu. Dizem que as UPPs estão fazendo um resgate, mas como você vai resgatar alguma coisa que nunca existiu? Disseram que o sentimento de paz foi devolvido no Alemão. Devolvido como, se lá nunca teve paz? Acho que a UPP está criando, não resgatando. Simbolicamente, ela cria a autoestima, valoriza os imóveis, faz com que minimamente se busque um ordenamento urbano, social. Acho um trabalho benfeito, estimo muito o coronel Robson (Rodrigues, coronel da Polícia Militar), comandante das UPPs, que considero meu amigo. Olha (mostra um envelope fechado). Olha essa carta que chegou hoje (mostra o remetente, no qual está escrito Elias Pereira da Silva). É do Elias Maluco, é a quinta, sexta carta que ele me manda. Conheço ele, me dou bem com ele, se pudesse visitava todo mês. Conheço a família dele, já tirei várias pessoas do crime com a ajuda dele, com o aconselhamento dele. Eu falo com o governador, o presidente do Santander, o presidente da Natura e o Elias Maluco.
E por que acha que isso acontece com o senhor?
Porque lutei muito pra desenvolver uma marca que é diferenciada. Tenho uma produtora de TV que produz hoje cinco programas de televisão diferentes.
Tudo bem, essa é a marca AfroReggae, que leva pessoas que estão no poder a se interessarem por você. Mas o senhor diz que gosta do Elias Maluco. Para quem está de fora, pode parecer estranho. Mas eu conheci ele muito antes (do crime). Aqui tenho ex-milicianos, gente do Comando Vermelho, do Terceiro Comando. São grupos inimigos que aqui trabalham juntos e para tirar gente do crime. Os que comandam o crime lá fora continuam inimigos, mas aqui dentro não temos esse negócio de grupo A ou C. Agora, se eu fizesse isso há 15 anos, eu seria preso.
Mas o senhor não teme por isso, não tem medo?
Sou muito transparente. Quando subi o Alemão para negociar a rendição dos traficantes, sei que meu antifã-clube cresceu, mas o meu fã-clube aumentou em uns 10 milhões.
Por que fez aquilo?
Eu estava aqui, um dos chefes do Comando Vermelho me telefonou, eu achei que precisava ir.
Mas por que eles te respeitam?
Porque eu sou um cara maneiro (sic), entendo, reclamo. Eu brigo muito com os caras dentro do crime. O cara mais procurado do Rio me mandou um e-mail ontem, está me esperando, porque quer se entregar. Ele quer um aconselhamento, se deve se entregar ou não. Eu já disse que deve, mas ele quer ir comigo e quer ter garantias. Garantias que eu não posso dar.
Por que alguns traficantes querem se entregar?
Acho que ficam de saco cheio (sic). Eu já entrevistei vários traficantes que disseram que o maior sonho deles é levar os filhos na escola. Eu moro do lado da escola dos meus filhos e nunca os levei à escola, eu não dou valor. Tem coisas que a gente não valoriza, porque é fácil, e eles valorizam muito. Eu já entrevistei grandes traficantes famosos no meu programa Conexões Urbanas (exibido no canal Multishow). Se alguém for lá no presídio comigo, vai ficar assustado com a receptividade que eu vou ter, vão achar que estou envolvido com os caras, que eu sou bandido também.
O senhor não tem medo de ser alvo de uma queima de arquivo, por exemplo?
Arquivo de quê, se eu não sei nada? Não sei que horas a droga chega, quem vende arma, não me interessa saber isso. Outro dia uma coluna de jornal publicou que eu ando com segurança. Aqui no AfroReggae tem uns negões enormes. Eles me veem com eles e dizem que estou com segurança. Só porque o cara é preto, bonito, grande, é segurança? Eu não tenho receio, mas se porventura um dia você souber que eu fui assassinado, ninguém vai ficar assustado, porque o que eu faço é pra acontecer isso mesmo. Se alguém me disser que te mataram, eu vou ficar assustado, mas se um cara como eu, fazendo o que eu faço, morrer assassinado, é normal. Não é anormal eu aparecer morto, o anormal é eu continuar vivo. Eu não sei nada, mas, dentro do que eu faço, geralmente você morre. Eu não faço esquema, não faço acordo.
A diferença de mim pra muita gente é que eu não estudei, só tenho Ensino Fundamental. Quando você não tem formação nem informação, não sabe o risco que está correndo. Quando você não tem nada a perder, já é um derrotado por natureza, você perder mais uma vez não faz diferença. Eu sei o que é derrota, perdi meus amigos, parte da adolescência, só fiz uma coisa na minha vida que deu certo, que é o AfroReggae.
Deve ser difícil tirar gente do tráfico, porque supostamente há uma certa facilidade nessa atividade em relação ao mercado de trabalho formal, lícito. Ou não?
Hoje tirar uma pessoa do tráfico é fácil. Houve uma época em que era muito difícil, hoje não. Porque há todo um glamour em torno da marca AfroReggae, em torno do que a gente faz. Eu tenho aqui, por exemplo, pessoas que foram muito altas nas suas hierarquias no crime. Um dos caras que trabalharam com a gente até março do ano passado era sócio do Marcinho VP no Complexo do Alemão, era patrão, hoje trabalha aqui com empregabilidade, que é um projeto que encaminha pessoas de favelas e egressos do sistema penal para trabalhar em empresas.
Agora, para essas pessoas se integrarem à sociedade, elas dependem muito daqui, não é? Porque lá fora deve ser muito difícil.
Cada vez mais esse assunto está em moda, gera interesse na sociedade, na imprensa, nas rodas de discussão. Até porque tem uma coisa muito boa que aconteceu: quando a violência veio para o asfalto, as pessoas tiveram realmente que se preocupar. Porque, enquanto os pretinhos estavam se matando nas favelas, ninguém se importava.
Hoje existem guetos urbanos, formados pelos ricos. A questão do gueto ficou muito forte na época da Segunda Guerra Mundial, com o nazismo, e depois cresceu nas periferias do mundo inteiro, especialmente nos Estados Unidos, na África e na América Latina, muito por causa da questão racial. Hoje, quem está no gueto é quem tem dinheiro, que vive murado, cercado.
O que o senhor gosta de fazer no Rio?
Gosto de correr. E, como fui taxista, tenho o hábito de pegar o carro e andar a esmo pela cidade. Eu trabalho muito e meu trabalho me dá prazer. É um lazer pra mim. Tirar alguém do crime me dá prazer. Eu já acordo trabalhando. Não vejo o que faço como trabalho, mas como minha vida. Eu gosto do Rio, mas adoro também ficar em São Paulo, Nova York, ou na Índia. Eu sou urbano, mas, quando eu fico no mato, depois de umas 12, 14 horas, começo a me adaptar. Quando fico sem telefone e internet em algum lugar, no começo dói, mas depois acostumo. Adoro internet e uso desde 1995, 1996. Recebo de 800 a 1.200 emails por dia.
Quem são seus ídolos, suas referências?
Eu não diria que tenho ídolos. Mas admiro Che Guevara como pessoa, Winston Churchill como mediador, tenho uma grande afinidade com Nelson Mandela, o João Jorge, fundador do Olodum, o (poeta) Waly Salomão me influenciou muito. Tenho admiração pelo senhor Roberto Marinho – que fundou a TV Globo com 60 anos –, também tenho admiração pelo Zico.