Acredite se quiser: o mundo desenvolvido atingiu o pico no uso do carro em 2004. É o que dizem os urbanistas Peter Newman (entrevistado na ed. 9 de Página 22) e Jeff Kenworthy. Newman é conhecido por ter cunhado, nos anos 80, a expressão “dependência do automóvel” para descrever o modelo americano de construir centros urbanos em torno do carro, espalhando subúrbios como se não houvesse amanhã. Parece que o amanhã finalmente chegou. Newman e Kenworthy consolidaram dados referentes a cidades em oito países e indicaram possíveis causas para o fenômeno.
A primeira indicação de que as pessoas passaram a usar menos o carro para se locomover veio de um estudo do Brookings Institution nos EUA. Datado de 2008, apontou que a média nacional para o uso do automóvel, medida em milhas viajadas, começou a se estabilizar em 2004 e caiu em 2007 pela primeira vez desde 1980. De acordo com Newman e Kenworthy, em 2010 foi possível observar declínios absolutos no uso do carro nos EUA.
O mesmo fenômeno foi observado nas grandes cidades da Austrália basicamente no mesmo período detectado pelo Brookings nos EUA. Por fim, um artigo publicado no final de 2010 por pesquisadores da Universidade de Stanford achou resultado semelhante ao analisar dados relativos ao transporte em oito países industrializados – além de EUA e Austrália, Canadá, Suécia, França, Alemanha, Reino Unido e Japão.
A premissa de que o uso do carro continuaria crescendo embasou as projeções para o consumo de energia e a emissões de gases de efeito estufa nos países industrializados de 1970 até o começo dos anos 2000. Agora, dizem os pesquisadores de Stanford, há evidências de que o número de proprietários de carros e de viagens tenha não só deixado de crescer como começado a declinar – boa notícia para os habitantes das cidades e para o meio ambiente em geral.
Segundo Newman e Kenworthy, há algumas razões para a reversão de tendência, mas a mais importante talvez seja o aumento no preço dos combustíveis a partir de 2007. “O impacto de barril de petróleo a $ 140 sobre o mercado imobiliário nos EUA levou à crise financeira global”, arriscam os autores. Segundo eles, os detentores de hipotecas sub-prime tiveram dificuldade em fazer seus pagamentos quando os preços dos combustíveis triplicaram.
Mesmo com a recessão global depois do estouro da bolha nos EUA, os preços do petróleo continuaram mais altos do que durante os 50 anos em que as cidades se expandiram graças ao uso do automóvel. E a maioria dos analistas, inclusive a Agência Internacional de Energia, admite que a era do petróleo barato chegou ao fim.
No mesmo período desde que o uso do carro se estabilizou, houve aumento na oferta de transporte público em cidades dos EUA e da Austrália. Contribuem também o envelhecimento da população nas cidades de países desenvolvidos – os mais velhos em geral preferem viver perto do centro e usar menos o carro – e o aumento de uma cultura urbanista entre os mais jovens. Por fim, Newman e Kenworthy notam que em geral os moradores das cidades têm tolerância para passar até uma hora no trânsito ao ir de casa para o trabalho e vice-versa. “Uma cidade do automóvel baseada em uma velocidade média de 50 km/h pode se espalhar por 50 km até que o tempo médio de viagem se torne inaceitável pela maioria das pessoas”, escrevem.
Newman acredita que esse limite esteja sendo atingido também nas metrópoles dos países em desenvolvimento. “Nas grandes cidades da China e da Índia, o trânsito é tão caótico que as pessoas mal podem se mover”, diz. Podemos, sem medo, acrescentar São Paulo a essa lista.
Newman é um grande entusiasta do metrô de superfície para solucionar o problema do transporte urbano e cita que 82 cidades chinesas e 14 indianas estão construindo metrôs. Mas há outras alternativas. A
Cidade do México comemorou em fevereiro o primeiro aniversário do Ecobici, seu programa de compartilhamento de bicicletas, e na cidade chinesa de Hangzhou o programa de bikesharing almeja oferecer 175 mil bicicletas até 2020. Isso sem falar no sucesso do sistema de ônibus rápido, modelo que nasceu em Curitiba, e se espalha em todos os continentes. “Não é que o carro esteja desaparecendo”, diz Newman. “ Mas há um fim para a dependência do carro que começamos a construir ao final da Segunda Guerra Mundial”.