O economista indiano Pavan Sukhdev largou em fevereiro uma bem-sucedida carreira como alto executivo no Deutsche Bank para se dedicar à missão de tornar a natureza visível aos olhos da economia – uma vez que ela ainda não é internalizada em cálculos econômicos como o do lucro das empresas e o do PIB.
Se o capital natural ganhar luz, empresas e governos não mais poderão ignorá-lo na hora de orçar custos e ganhos de seus investimentos, propõe Sukhdev. Ele esclarece, ainda, que valorar água, fauna, flora, solo e polinização não significa necessariamente fixar preços para os recursos naturais. É, sim – insiste –, uma maneira de explicitar a contribuição do capital natural para a economia de uma empresa, ou mesmo de um Estado.
Na entrevista concedida à Página22, em São Paulo, no final de maio, Sukhdev falou da guinada de 180 graus na sua trajetória profissional: de executivo mergulhado no mundo dos mercados à sua entrada em um seleto naipe de economistas influentes na discussão sobre uma nova economia, emissora de baixo carbono e harmônica com os limites ecossistêmicos.
Contribuiu decisivamente nesse movimento a sua filha Mahima, que, aos 7 anos de idade, na década de 1990, fez com que ele se tornasse um observador de pássaros e passasse a conceber a natureza bem além de seus contornos físicos.
Como um bem-sucedido alto executivo de um banco global como o Deutsche Bank envolveu-se com a área ambiental?
De fato, foi uma combinação. Sempre fui afeiçoado pela natureza. Como alguém que trabalhava na área financeira, pude notar esse dilema entre o valor da natureza e o fato de que isso não entrava em nosso pensamento. Finalmente, uma amiga perguntou-me em Cingapura muito tempo atrás, há uns 14 anos: “Você, que é banqueiro, conte-me por que algumas coisas valem dinheiro e outras não”. O que ela estava querendo mesmo era que eu explicasse a diferença entre valor e preço. Percebi que essa era uma questão profunda. Comecei a ler e a escrever sobre o assunto. Lembro que, em meus estudos de economia na universidade, havia lido sobre externalidades. Dei-me conta de que a questão levantada por minha amiga tinha a ver com externalidades. Isto é, sobre o fato de que, na ciência econômica, a natureza – que é tão valiosa e fornece bem-estar e serviços à economia e às pessoas diretamente – não é internalizada nos nossos cálculos. Não é parte do Produto Interno Bruto (PIB), não é parte dos lucros privados. Então, a natureza fica economicamente invisível a maior parte do tempo.
O senhor está dizendo que, no pensamento econômico neoclássico, os problemas ambientais são externalidades?
É como a questão tem sido apresentada. A comunidade também é uma externalidade nessa concepção mais convencional. Observe os valores que você absorve de sua família, amigos, comunidade, sua vila, seu bairro, de pessoas que trabalham com o senso de bem-estar. Observe quão bem você trabalha com as pessoas. Esse bem-estar é um grande ativo social, bastante produtivo, mas também não entra no retrato do PIB ou dos lucros de uma empresa. As lentes econômicas mais usadas – crescimento do PIB para os países e lucros para companhias – ignoram completamente os dois ativos mais importantes, que são o capital natural, no caso da natureza, e o capital social, no caso da comunidade, porque são considerados externalidades. Voltamos novamente ao problema da riqueza pública, visto que sociedade e valores comunitários e naturais fazem parte da riqueza pública, não pertencem a um indivíduo privadamente.
Qual era sua principal incumbência no Deutsche Bank quando começou a prestar mais atenção aos temas ambientais?
Iniciei minha carreira no Deutsche Bank, na Índia, em 1994. Comandava a divisão de mercados globais na subsidiária do banco. Mudei para Cingapura em 1998 e tornei-me o principal executivo de operações da divisão de mercados globais para a Ásia.
Qual era a missão da divisão de mercados globais?
Gerar lucro provendo os clientes com soluções de gestão de risco em moeda estrangeira, renda fixa e emissões de títulos, basicamente para financiar serviços e desenvolver aqueles mercados financeiros, como o mercado de capitais. Era parte da minha missão pessoal (no banco) desenvolver aqueles mercados.
Nada a ver com meio ambiente?
Nada, apenas os negócios convencionais. Meio ambiente não estava na moda. Era como um hobby para mim.
Parece que o senhor já era um observador de pássaros na década de 1990.
Na época, tornei-me observador somente por causa de minha filha mais velha. Minha pequena Mahima, que tinha uns 6 ou 7 anos de idade na época, apreciava muito sair para observar pássaros. Isso me tocava muito, e ela abriu meus olhos para a natureza.
Suponho que nesse tempo sua carreira no banco e seu interesse pela natureza caminhavam separadamente. O que o senhor fez para aproximar economia e meio ambiente na sua atividade profissional? Fez alguma especialização, mestrado ou doutorado?
Minha formação inicial foi em Finanças e Economia, bastante convencional, aprendendo sobre externalidades. Mais à frente, tornei-me membro do conselho diretor do Grupo de Ação Ambiental de Mumbai (Beag, na sigla em inglês). Seu líder faleceu recentemente (Shyam Chainani era um dos principais ativistas ambientais da Índia). Gradativamente, fui ficando pessoalmente interessado em economia ambiental e contabilidade verde, porque via a Índia, meu país, movendo-se na direção da China, que tentava fomentar empregos e um elevado crescimento no PIB. Pude perceber que isso criaria um enorme problema com a modificação de nossa ecologia com a perda de florestas e de água doce.
Quando o senhor esteve mais envolvido com o Beag?
De 1994 a 1998, quando estava na Índia. Era diretor do Beag (sem remuneração).
Qual era o objetivo desse grupo?
O papel da organização é prevenir e corrigir danos ambientais. A Índia possui algumas das melhores leis ambientais no mundo. Mas também tem um péssimo resultado no cumprimento delas.
Como no Brasil?
Sim, como no Brasil. (risos)
A entidade trabalha pela mitigação de impactos ambientais da indústria e do governo?
Danos ambientais da indústria e, especialmente, do governo. O Beag já levou o governo indiano à Justiça por quase 150 vezes. Ganhamos todas as ações, exceto uma conhecida como caso Mill Lands, em Mumbai.
Do que se trata?
O que aconteceu foi que havia 243 hectares disponíveis para um projeto de revitalização em Mumbai que pertenciam à World Cotton Mills. A lei que fora aprovada em Mumbai previa que um terço do terreno ficaria disponível para parques e jardins, um terço para habitações populares e um terço para o desenvolvimento comercial. Mumbai teria conseguido seu segundo pulmão verde. Entretanto, por causa da corrupção, alguém alterou a lei para ela declarar que a divisão em três partes de um terço somente valeria para o espaço não construído. Obviamente, a maior parte de uma área ocupada por moinhos é construída, não é aberta. Além de moinhos, sempre há casas e fábricas, por exemplo. A modificação na linguagem da lei foi efetuada por conta de corrupção e propina, em minha opinião. Enfrentamos essa manobra na Justiça. Na Alta Corte de Mumbai, nós vencemos, mas eu penso que a propina foi usada na Suprema Corte da Índia e nós perdemos lá.
Quando o senhor começou a integrar aspectos ambientais a suas atividades no Deutsche?
À medida que me tornava consciente dos impactos ambientais de meus clientes. Quando regressei à Índia, no final dos anos 1990, comecei a conversar com clientes (sobre efeitos ambientais adversos de suas operações). Alguns deles passaram a me chamar para falar em suas empresas não só sobre negócios convencionais, mas também a respeito do meio ambiente, porque eles se davam conta de que eu era bom nesse tema. Até o grupo Tata me chamou para falar de meio ambiente.
O senhor se refere à fabricante do Nano, o pequeno e poluente automóvel?
Meu problema com o Nano é que ele poderia ter um nível de emissões mais baixo. Hoje ele libera 120 gramas de CO2 para cada quilômetro rodado. Penso que poderiam ter feito isso um pouco melhor, e reduzido as emissões de CO2 para menos de 100 gramas.
Nesse momento, o senhor passa a incorporar a dimensão ambiental em seu trabalho no banco de maneira mais formal?
Isso não ocorria em bases tão formais. Meu principal trabalho ainda era no mercado financeiro. Mas já conversava com pessoas dos mercados ambientais e de carbono, ajudando-os a fechar negócios. Essas atividades (na área de economia ambiental) eram realizadas principalmente por meio da ONG que eu e alguns parceiros fundamos em 2003, na Índia, o Green India States Trust (Gist), como ocupação não remunerada e durante meu tempo extrabanco.
Como o senhor financia as ações de sua ONG?
Se não tivesse um bom desempenho no Deutsche, não haveria dinheiro para investir na ONG. A maior parte dos recursos da ONG vinha do bônus anual que o banco me pagava. Deixei o banco em fevereiro e, desde abril, assumi o posto de principal executivo da consultoria Gist Advisory, fundada em 2008 pelo mesmo grupo que criou a ONG Gist. A consultoria doará 50% de seus lucros a entidades de pesquisa, inclusive à Gist, que faz um trabalho muito bom em contabilidade verde. Seu trabalho foi reconhecido pela Comissão Europeia e a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Quando a Comissão Europeia lançou, em 2008, a ideia do Teeb (sigla em inglês para A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade), eles me chamaram para coordenar o projeto por recomendação de Amartya Sen.
Há conexões entre suas ideias e o pensamento de Amartya Sen?
Um pouco, admiro Amartya, que encontrei recentemente em Estocolmo. Ele estava lá para um encontro de laureados com o Nobel e me perguntou sobre o que acontecera com a iniciativa da Comissão Europeia. Contei a ele que a pesquisa tinha ido muito bem e se tornado uma iniciativa das Nações Unidas, com a publicação de nosso relatório no ano passado.
O senhor continuou trabalhando para o banco enquanto atuava na produção do estudo do Teeb?
No início de 2008, na primeira fase do estudo, ainda trabalhava para o banco. Foi uma atividade paralela. Mas consegui uma licença não remunerada entre julho de 2008 e o final de 2010 para me concentrar na preparação dos relatórios do Teeb e da economia verde do Pnuma. Nesse período, fiquei lotado no Pnuma como assessor especial e diretor da Iniciativa de Economia Verde.
Com esse acúmulo de conhecimento e de atividades em contabilidade verde, o senhor conseguiu convencer seus chefes a implantar uma divisão para lidar com finanças ambientais no banco?
Um pouco. Como geralmente ocorre nos bancos, o Deutsche é organizado por produto, não por área de negócio. Há divisões para participações acionárias, gestão de ativos, mercados emergentes, e assim por diante. É muito difícil reorganizar tudo e criar uma divisão de meio ambiente, que é um tema que cruza todas as áreas. Pode haver aspectos ambientais a serem observados em quase todos os ângulos dos negócios. O que aconteceu no Deutsche Bank, e isso estava indo bem, foi a criação de áreas ambientais dentro de cada divisão. E isso se tornou interessante por levar a um nível diferente de consciência na direção do banco.
Algumas vezes essa ideia de tema transversal é muito bonita no discurso, mas de operacionalização muito difícil. Se não há um departamento ou uma área para lidar com aspectos ambientais do negócio, as divisões especializadas não podem ficar perdidas às vezes para tratar de assuntos ecológicos?
Em algumas vezes elas realmente podem se perder, mas o que ocorre mais frequentemente é que a abordagem ambiental fica compartimentalizada quando conduzida separadamente pelos departamentos de um banco. A análise ambiental será desenvolvida pela área de participações ou de fusões e aquisições ou qualquer que seja a divisão. A mesma ideia às vezes é desenvolvida para um grupo de florestas, tendo já sido feita pelo grupo de carbono para um projeto de Redd+ (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação, incluindo conservação e gestão sustentável da floresta).
Como essas abordagens alimentam as diferentes divisões da instituição com conhecimento e treinamento em meio ambiente? Não há um enfoque integrado para o banco como um todo?
É por isso que é desafiante. Podem-se fazer bons negócios em termos de comércio de carbono, negócios florestais ou na área de cimento. Mas é muito difícil otimizar esse conhecimento pela cadeia, porque você necessita de um domínio muito amplo de conhecimentos. Não se trata de domínio estreito, como nos casos das indústrias de cimento e aço ou em funções específicas como as da tecnologia da informação ou dos bancos.
É possível superar o problema da compartimentalização do conhecimento ambiental em um banco?
Creio que nos bancos ocorrem situações em que se criam polos de conhecimento, tais como o de microfinanças, que se parece muitíssimo com um tipo de atividade típica de uma ONG. Mas meio ambiente tem a ver com a riqueza pública. Dessa forma, penso que o melhor lugar para criar uma divisão ambiental é em um banco do setor público ou de desenvolvimento. Meio ambiente e desenvolvimento são dois lados da mesma moeda. O que está no meio ambiente, sobretudo o capital natural, é a riqueza dos pobres. Os pobres não possuem conta em banco, mas têm a natureza, que proporciona nutrientes, água doce, solo fértil, lavouras, florestas, pescado nos rios e no mar, tudo isso gratuitamente. Capital natural e riqueza pública são ideias muito próximas, relacionadas. Muito do capital natural é de fato riqueza pública. Se você tenta pensar em que tipo de banco deveria observar essa dimensão, que deveria ter uma divisão de serviços ambientais, esse banco seria uma instituição do setor público.
Por que o senhor enfatiza o setor público quando menciona essa divisão de serviços ambientais?
Meu ponto é que precisamos ver qual é a classe subjacente desse ativo. Nesse caso, a classe subjacente é o ativo ambiental, a riqueza pública. Para realmente focar na riqueza pública em uma instituição financeira, precisa ser um banco do setor público. Infelizmente, os bancos são privados em sua maioria. Pouquíssimos negócios privados estão atentos ao meio ambiente, exceto em seus próprios contextos. Você encontrará uma companhia de cimento tentando melhorar impactos nos recursos hídricos para reduzir custos. Achará uma empresa que tenta diminuir sua pegada de carbono, porque deseja provar que é ambientalmente correta e, portanto, conquistar uma nova linhagem de consumidores.
Por que é tão difícil tornar os bancos transparentes quando tratamos de temas socioambientais? Frequentemente pedimos aos bancos para detalhar como analisam projetos enquadrados nos Princípios do Equador (PE). A resposta é sempre a mesma, de que não podem publicar tais informações em razão da cláusula de confidencialidade nos seus contratos com as empresas. (Os PE preveem padrões mínimos para a avaliação pelos bancos de riscos socioambientais em grandes projetos industriais e de infraestrutura)
Penso que a confidencialidade é parte do negócio do banco. Não se pode evitar isso. O que pode ser feito é questionar se o capital do banco está comprometido com projetos socialmente danosos. É possível questionar como acionista, como governo, ou apenas como cidadão. Se há prejuízos sociais, então alguém é responsável por isso no banco ou numa empresa e deveria explicar por que está causando tal impacto. Essa cobrança precisa ser praticada. É por isso que é importante termos cidadãos e ONGs fortes.
O que acha da ideia de estabelecer uma pegada ecológica máxima para cada habitante do planeta? Caso a pessoa ultrapassasse a pegada, teria de pagar um imposto ambiental, por exemplo. Se não utilizasse a pegada completa, poderia receber alguma compensação.
A questão é que neste exato momento eu e você já estamos pagando um imposto sobre nossa vida e a vida das crianças. Porém, o beneficiário do imposto é alguma outra pessoa. Talvez a pessoa que dirige uma Ferrari, que emite muito gás carbônico. Ou a pessoa que compra aparelhos complicados que liberam uma quantidade grande de carbono e consomem muita água.
Como estamos pagando por isso?
Observe a quantidade de subsídios no mundo. Para favorecer a venda de combustíveis fósseis, gastam-se US$ 650 bilhões em subsídios anualmente. Dos US$ 650 bilhões, US$ 550 bilhões são para reduzir os preços e US$ 100 bilhões para apoiar a produção. De onde você pensa que vem esse dinheiro? Dos impostos que eu e você pagamos. Já estamos sendo tributados pela indústria do petróleo. Há, ainda, US$ 275 bilhões em subsídios anuais para a agricultura. Essa cifra é da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação). O primeiro número é da AIE (Agência Internacional de Energia). E a pesca oceânica também é subsidiada. Aproximadamente um terço do valor global de US$ 85 bilhões gerados pela pesca anualmente é subsídio. Por que conceder tantos subsídios à pesca, à agricultura, aos combustíveis fósseis? Combustíveis fósseis não são como a Madre Teresa de Calcutá, como uma pequena entidade de caridade na Índia. Não são necessários subsídios para manter vivas companhias de petróleo e carvão.
Para cortar subsídios, parece haver dois desafios: mudar estilos de vida e fazer acordos internacionais.
Por que mudar estilos de vida? Apenas pague-se o preço correto pelo petróleo. Se uma pessoa dirige uma Ferrari, por que eu e você temos de pagar os custos dessa opção? Eu não entendo isso.
Como chegar a esse novo sistema de preços, sem subsídios aos combustíveis fósseis e à agricultura?
É muito simples. Primeiramente, devem ser tornadas públicas as fontes dos subsídios. Isso significa revelar o que se paga de tributos para bancar os subsídios.
Boa parte dos subsídios é concedida pelos países desenvolvidos, que respondem pela maior parte das emissões históricas de gases de efeito estufa. Veja os Estados Unidos, onde o presidente Barack Obama sofreu muito tentando aprovar a Lei de Clima no Congresso para estimular investimentos em energia renovável. Como mudar esse quadro? Parece uma tarefa muito difícil.
Certamente é complicada. Os interesses financeiros das grandes corporações são um dos principais obstáculos. Elas não querem ver seus lucros declinarem. Querem que os subsídios sejam altos. Obviamente, as grandes corporações estão entre os maiores apoiadores de campanhas eleitorais. Isso acontece em todos os lugares, nos Estados Unidos, na Índia, no Brasil. Portanto, os partidos políticos dependem das corporações para financiar suas campanhas. Além disso, seus eleitores também lhes pedem medidas para gerar empregos que façam o PIB crescer, para financiar o déficit fiscal.
A maioria dos países apresenta déficit fiscal e ele é financiado com os impostos pagos pelas corporações. Essa é a razão do forte nexo entre corporações e governos. A única saída para quebrar esse nexo é a população dizer aos políticos que seu papel não é apenas beneficiar as corporações. O trabalho deles é também apoiar os cidadãos. E os cidadãos querem um ambiente limpo, que os tributos sejam investidos na saúde pública. O dinheiro público deveria ser gasto na riqueza pública, e não nos subsídios ao petróleo. Essa riqueza compreende o capital natural, a infraestrutura ecológica, rodovias, ferrovias, pontes, educação, saúde.
Em que medida os relatórios Teeb e Rumo à Economia Verde, do Pnuma, ambos coordenados pelo senhor, podem contribuir para uma mudança nesse sistema de preços, tributos e subsídios que favorecem setores da economia do carbono?
O componente mais importante da riqueza pública é o capital natural. Hoje, contudo, a maioria dos governos o ignora, porque é economicamente invisível. É por essa razão que o capital natural não está no coração das políticas públicas. Se ele fosse visível, seria parte de qualquer política, seja ela a tributária, seja ela a destinada à construção de estradas e pontes, com objetivo de gerar emprego. Algo importante para o Teeb é como tornar a natureza visível por meio de cálculos, valorações, pelo diálogo com os formuladores de políticas e empresas. Se a tornarmos visível, os governos não mais poderão ignorá-la.
Há formadores de opinião influentes na área de sustentabilidade no Brasil que manifestam preocupação com uma suposta monetarização da natureza quando os questionamos sobre novos estudos que tentam calcular o valor dos recursos naturais. Qual sua opinião sobre isso?
Parte dessa preocupação existe por causa da escola neoclássica de economia e de setores vinculados ao chamado Consenso de Washington de duas décadas atrás (conjunto de reformas liberalizantes destinadas a tirar os países em desenvolvimento da crise por meio da privatização e da liberalização do comércio internacional). O Teeb desacreditou esse ultrapassado pensamento colonialista. Como você bem sabe, e o Teeb diz claramente, ele não tem um argumento reducionista. O relatório não possui enfoque baseado na ideia de custo e benefício para a proteção do planeta.
Ao contrário, o estudo vê a “valoração” como uma instituição humana, que pode ser efetuada nos níveis religioso ou espiritual, social, econômico, ou englobar todos esses aspectos. Não é nosso argumento igualar valor a preço. Na verdade, é bem o oposto. Nunca nos cansamos de esclarecer que os bens e serviços públicos têm imenso valor, mas não preço. Os mercados precificam produtos e serviços privados – não bens e serviços públicos. Isso explica por que eles não recebem o tratamento merecido nas contas da sociedade, tais como a poupança nacional e o PIB. E essa invisibilidade econômica de fato reduz o argumento a favor da conservação, porque usos extrativos, contrários aos usos da conservação, sempre possuem preço, são da esfera privada. O Teeb argumenta que algumas coisas podem ser valoradas sem ser medidas, algumas podem ser medidas sem ser monetarizadas. Outras, ainda, podem ser monetarizadas, mas não mercantilizadas. Menos coisas, ainda, podem ser mercantilizadas.
Fui a um seminário do Instituto Ethos sobre economia verde no final de fevereiro, realizado poucos dias após a publicação do relatório do Pnuma sobre o mesmo assunto, e ouvi algumas críticas à suposta ênfase na ideia de crescimento e timidez do estudo quanto a questionar os estilos de vida nas sociedades afluentes. O senhor vê sentido nessas críticas?
O relatório trata mais do lado da produção do que do consumo. Mas não é apenas sobre crescimento. É errado pensar assim. Digo isso categoricamente porque eu o escrevi. Todos esses países ricos, que se localizam na Europa e na América do Norte, terão de se mexer para serem sustentáveis. Isso significa que sua pegada ecológica terá de declinar com redução no consumo per capita ou no seu impacto ambiental. Essas são coisas que os economistas precisam começar a pensar, em vez de seguirem cegamente o PIB.