Programa Bolsa Verde inova ao unir combate à miséria com conservação ambiental, mas depende de ações estruturantes para atingir o objetivo principal de retirar 73 mil famílias da extrema pobreza
A medida que o conhecimento sobre a Floresta Amazônica aumenta, cresce a certeza de que é imprescindível conservá-la. Por muito tempo foi chamada de pulmão do mundo e era imaginada como a selva que deveria ser mantida intocada. Pouco se falava ou se refletia sobre como viviam os moradores daquela área. Com o avanço do desmatamento, veio também uma maior clareza sobre a situação enfrentada pelos mais de 24 milhões de habitantes da floresta.
Na Amazônia, segundo os critérios oficiais, cerca de 2,65 mihões de pessoas vivem na extrema pobreza, o que representa aproximadamente 11% da população da região. Com o reconhecimento dos direitos sociais e econômicos dos moradores da floresta, criou-se também a consciência de tê-los como parceiros na conservação do bioma amazônico.
Em setembro, o governo federal lançou o Programa de Apoio à Conservação Ambiental, o Bolsa Verde, que integra o Programa Brasil Sem Miséria e pagará R$ 300 por trimestre a 73 mil famílias em situação de pobreza extrema – com renda per capita inferior a R$ 70. Para garantir a manutenção dos pagamentos, as famílias deverão prestar serviços de conservação, como proteger a floresta contra desmatamento e fazer manejo correto do solo. Ancorado no Ministério do Meio Ambiente (MMA), o programa conta com a cooperação dos ministérios do Desenvolvimento Agrário (MDA) e do Desenvolvimento Social (MDS).
Para prestar os serviços, as famílias terão de aderir ao programa, por meio da assinatura de termo de adesão, no qual serão especificadas as atividades de conservação a serem desenvolvidas. A fiscalização da execução do trabalho será realizada via satélite e por visitas de técnicos do MMA.
A intenção é preservar uma área de 145 milhões de hectares de florestas públicas que se distribuem por Florestas Nacionais, reservas extrativistas ou de desenvolvimento sustentável, e projetos de assentamento vinculados ao extrativismo ou à exploração sus- tentável da floresta.
Apesar de o termo “bolsa” indicar ajuda assistencial, o Bolsa Verde não se enquadra em um programa de transferência de renda tradicional, como o Bolsa Família, mas inaugura entre os programas ambientais do MMA o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA).
Fernando Veiga, gerente de fundos de água para a América Latina da ONG TNC, observa que o governo brasileiro começou a reconhecer a importância dos serviços prestados pelas populações da Região Amazônica para a conservação da floresta. ”É um serviço comprado por toda a sociedade brasileira, porque sabemos que a floresta garante estabilidade de chuva e regularidade de água para a agricultura no Sul do País e tem efeitos sobre o clima da Região Sudeste e da Centro-oeste”, explica Veiga.
O gerente da TNC defende que o Bolsa Verde evolua para um programa nacional de PSA e que não esteja atrelado apenas a uma estratégia de redução da miséria. Ele afirma que os serviços são muito importantes para que famílias e comunidades recebam o pagamento por apenas dois anos, como propõe a medida provisória que criou o Programa. “É fundamental atribuir a esse programa uma visão de longo prazo e conectá-lo a políticas permanentes, porque a floresta sempre terá que ser defendida, mesmo quando as famílias pararem de receber o benefício por terem deixado a extrema pobreza”, comenta Veiga.
Mais ainda: os R$ 300 trimestrais que as famílias receberão será um valor adicional ao que já é pago pelo Bolsa Família. Marcio Astrini, coordenador da campanha do Greenpeace para a Amazônia, define como louvável o programa que une a experiência do Bolsa Família, de levar o dinheiro direto ao beneficiado e criar condicionalidades, com uma preocupação com o meio ambiente. Entretanto, ele classifica o programa de conservação como um tímido começo, perto dos problemas que existem na região, como a melhoria dos assentamentos de reforma agrária. Para Astrini, falta o governo oferecer assistência financeira e técnica aos assentados.
Astrini adverte que, para o Bolsa Verde dar certo, é fundamental que o governo se responsabilize pelos assentamentos existentes na Amazônia, para que seja criada estrutura de locomoção, escola, atendimento médico e hospitais. Do contrário, o próprio Estado induzirá ao desmatamento. “Quando o governo assenta a família e a deixa à própria sorte, o madeireiro faz papel de Estado: constrói a escola, o posto de saúde, abre estradas e traz até telefone para aquela população. E qual é o pagamento que a população dá para o madeireiro? A extração da madeira”, explica Astrini.
Segundo o coordenador do Greenpeace, quando isso acontece, pouco há para se fazer. A remuneração pelos serviços ambientais, cerca de R$ 100 por mês, não consegue competir com os valores pagos pelos madeireiros pela extração ilegal de madeira. Há casos em que a madeira de uma árvore vale mais de R$ 150 para o morador.
Por isso, torna-se indispensável que, mais que o pagamento consolide-se um processo de educação ambiental, de disponibili- dade de recursos para a safra e de tecnologia para a criação de uma economia local que dê condições para o produtor viver, fazendo o melhor uso possível da floresta.
A educação e a consciência ambiental são necessárias também para que o produtor aprenda a fazer o manejo da madeira, a extrair e criar cooperativa com outros pequenos produtores, manejar o pasto para criar o gado de forma mais eficiente e, assim, gerar mais renda sem que seja necessário vender madeira.
Diferentemente de Fernando Veiga, da TNC, o coordenador do Greenpeace defende que o Bolsa Verde seja transitório. “Se os problemas citados não forem resolvidos, vamos transformar a floresta em refém do programa social do governo. Porque é um caminho sem volta. Você recebe o beneficio para preservar. E se vier um governo que retira o Bolsa Verde? E se faltar dinheiro? Aí, o País se descompromete de preservar, e o próprio governo passa a mensagem de que não está preocupado com aquela área”, argumenta Astrini.
CRIAÇÃO DE DEMANDA
Os critérios oficiais de classificação de renda não consideram o modo de vida que é próprio da floresta, nem as atividades desempenhadas pelos moradores, tampouco o conhecimento tradicional das famílias sobre a biodiversidade local. A questão que permanece é se é correto afirmar que uma família que realiza atividades de subsistência, como plantio de policulturas, extrativismo e pesca, é miserável.
O diretor da organização Amigos da Terra Brasil, Fernando Campos Costa, critica a prática de classificar uma família como pobre e dar bolsas. “É preciso alternativas reais, estruturantes e de longo prazo, como a Soberania Alimentar, alicerçadas não em programas de bolsas (dinheiro), mas em políticas públicas de consolidação dos direitos já conquistados na Constituição, como alimentação, moradia, saúde, educação, e nas medidas que viabilizem esses direitos, tais como reforma agrária, apoio integral do Estado à produção de alimentos saudáveis e agroecológicos, a criação de sistemas de armazenamento, distribuição e comércio solidário, assegurando demanda.”
A criação de demanda para que os agricultores consigam vender sua produção está contemplada no Bolsa Verde, que busca parceria com estados e municípios da Região Amazônica para que comprem os produtos dos bolsistas e os forneçam na merenda escolar.
CONSCIÊNCIA LIBERTADORA
Além da garantia da venda, o programa pretende desenvolver ações de capacitação ambiental, social, educacional, técnica e profissional aos beneficiados pelo Bolsa Verde. Para Virgilio Viana, superintendente da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), as ações complementares ao pagamento são necessárias para conquistar a confiança de quem vive na floresta. Em 2008, a FAS desenvolveu em parceria com o governo do Estado do Amazonas o Bolsa Floresta, que remunera moradores de unidades de conservação e os qualifica para desempenharem ações agroextrativas com menor impacto na floresta.
Viana acredita que programas de governos, ONGs, Igreja e universidades têm causado frustração dentro da floresta. “Temos de usar esses programas efetivos para criar um novo imaginário, que vá contra a desesperança que leva à emigração, e fazer as pessoas perceberem que o programa quer manter a floresta em pé, investir no trabalho dos produtores e tornar a vida na floresta mais rentável, por meio da geração de renda e da redução da pobreza”.
A experiência do Bolsa Floresta mostra que esse processo de educação, conscientização e engajamento com as questões ambientais são importantes para o sucesso do programa, já que o morador e produtor passa a entender as interligações do ecossistema. “Ele tem que saber que, se desmatar, seca o igarapé e não tem como pescar, ou muda o regime de chuvas que cai no Rio Grande do Sul e afeta as lavouras naquela região”, justifica Astrini.
Condições para a geração de renda, educação e presença do Estado é um conjunto de ações capazes de quebrar o ciclo de desmatamento da Amazônia – que leva municípios do boom econômico ao colapso social, ambiental e econômico, em um período de aproximadamente 15 anos. (mais sobre boom-colapso na entrevista “A Amazônia que pesa no bolso”, com Adalberto Veríssimo)
Quando a mata ainda está fechada, os madeireiros levam primeiro as árvores mais nobres, com maior valor de mercado. Em um segundo momento, retiram madeira com valor de mercado intermediário e, na fase final, leva-se o resto. Fica a terra nua, que é transformada em pasto, o que completa o ciclo da destruição da floresta.
Em menos de duas décadas, as madeireiras se mudam para outras regiões da floresta e a pecuária entra em declínio, porque o solo sofre um processo de degradação e não consegue mais alimen- tar o gado. Nesse período o município entra em colapso. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) capta o empobrecimento da população local e desaba, e a população volta a sofrer com a pobreza depois que o desmatamento completa seu ciclo.
Esta é uma prova de que o desmatamento a médio e longo prazo não é rentável para quem vive na floresta. E que ações estru- turantes, como a criação de uma economia para o produtor local, acompanhadas de políticas públicas adequadas de conservação podem começar a mudar uma realidade perversa.