Em sua apresentação no evento de abertura das atividades da Plataforma Empresas pelo Clima (EPC) na semana passada, o assessor extraordinário do Ministério do Meio Ambiente para a Rio+20 Fernando Lyrio comentou sobre as possibilidades de uma nova estrutura de governança internacional para negociações multilaterais em temas ambientais emergir a partir dos resultados da conferência de junho. Principalmente depois do fracasso da Conferência do Clima de Copenhague em 2009, a fragilidade da arquitetura multilateral atual das negociações sobre meio ambiente e desenvolvimento ficou latente, e uma das expectativas para a Rio+20 é exatamente repensar o modelo de negociação para temas de sustentabilidade.
No entanto, a poucos meses da conferência no Rio de Janeiro, ainda não existem propostas definidas sobre este assunto. Alguns países europeus e africanos defendem a transformação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) em uma agência ou uma organização especializada, com mais autonomia e recursos – aos moldes da FAO e da OMS. O PNUMA, criado após a Conferência sobre o Meio Ambiente Humano de Estocolmo, em 1972, é apenas um programa, com apenas 58 países-membros e que sobrevive através de contribuições voluntárias. Suas resoluções dependem de aprovação da Assembleia Geral das Nações Unidas, o que esvazia a capacidade política da entidade.
Remetendo o posicionamento político do Brasil em favor de uma reforma do sistema-ONU, o governo brasileiro também concorda com um rearranjo do modelo de governança ambiental internacional e com a necessidade de fortalecer o PNUMA. Para o governo, seria interessante uma nova instância de governança qualificada e hierarquicamente elevada. Lyrio, em entrevista para o Valor Econômico (24/8/2011), apontou um possível caminho, através da reformulação do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC, sigla em inglês), que serviria como um instrumento multilateral de coordenação e discussão de assuntos relacionados a desenvolvimento sustentável.
O posicionamento brasileiro em relação a este tema reflete o esforço do país em colocar a Rio+20 e não apenas como uma reunião sobre meio ambiente, mas também sobre desenvolvimento. Como Lyrio ressaltou na abertura dos trabalhos da EPC deste ano, o objetivo do governo brasileiro é diversificar os atores envolvidos nas discussões sobre temas de meio ambiente e sustentabilidade, trazendo setores da sociedade, da economia e do próprio governo que antes não participavam do debate político. No entanto, muitos especialistas e negociadores criticaram as propostas do governo brasileiro para as discussões da conferência, apontando uma “timidez” do anfitrião e a falta de ambição das metas ambientais estabelecidas pelo documento brasileiro.
A “timidez” do governo brasileiro também é questionada quanto aos esforços do país na construção de uma matriz energética mais limpa. Em face às iniciativas do governo chinês, que recentemente divulgou sua pretensão de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 30% até 2015, a matriz energética brasileira tem seguido o caminho contrário, tornando-se cada vez mais suja do ponto de vista de suas emissões. Ou seja, as credenciais ambientais do Brasil têm sido questionadas nos fóruns internacionais de negociação, o que pode comprometer o papel de anfitrião do país na Rio+20.
No fundo, é possível enxergar a tensão tradicional entre os objetivos ambientais e os objetivos econômicos que é pano de fundo de quase todas as negociações internacionais de temas ambientais e de sustentabilidade. A visão brasileira sobre meio ambiente e desenvolvimento poderia contribuir para a construção de um projeto de desenvolvimento sustentável, mas frequentemente vemos a agenda desenvolvimentista se sobrepor à ambiental nas negociações internacionais sobre meio ambiente. E a ideia brasileira para uma nova governança ambiental é institucionalmente interessante, mas mantém as restrições políticas que temas ambientais enfrentam atualmente no âmbito do PNUMA. Aliada à ambiguidade política brasileira nas discussões sobre sustentabilidade – proativo nas negociações internacionais e retrógrado na política doméstica – dificilmente o país conseguirá reunir apoio suficiente para que esta proposta seja discutida de forma objetiva durante a Rio+20. Pelas palavras da Ministra Izabella Teixeira em sua entrevista para o Valor Econômico nesta semana e de Fernando Lyrio em suas diversas entrevistas e na semana passada na FGV, talvez isto nem seja um objetivo importante para o país na conferência, o que é uma pena. A Rio+20 é o momento perfeito para se rediscutir a governança internacional em meio ambiente, depois de uma década de paralisia diplomática nas negociações multilaterais. Infelizmente, pela falta de clareza de seus principais participantes, não é possível vislumbrar alguma resolução prática durante a conferência, por mais que a Ministra Teixeira insista que a Rio+20 será uma reunião “política”.
Bruno Toledo