Por Amália Safatle
Há uma face pouco conhecida do ex-presidente da República Fernando Afonso Collor de Mello: a ambientalista. Com a experiência de quem recebeu a Eco 92, a maior conferência das Nações Unidas já realizada na História, o senador não apenas tece duras críticas ao documento-base da Rio+20 – o Rascunho Zero –, como denuncia uma inversão de valores. Em sua opinião, a Conferência deveria, antes de qualquer coisa, iniciar um processo de revisão dos modelos econômicos que aí estão, colocar a questão climática em evidência e definir com clareza o que é economia verde. Sem essa definição, diz ele, corre-se o risco de esta expressão virar um novo nome para protecionismo comercial, com efeitos bastante prejudiciais sobre os países emergentes.
Para Collor, falta uma orquestração capaz de reunir os líderes mundiais em torno do desenvolvimento sustentável. A seu ver, somente com estratégias de convencimento e constrangimento é que se conseguirá arregimentar os chefes de Estado top de linha, hoje mais ocupados com a crise econômica ou eleições. Nesta entrevista, ele conta por que o tema Rio+20 não “pegou” entre os ministros – tornando vital a pressão da sociedade civil. Afirma que basta uma decisão política do governo para acabar com o desmatamento e, na questão do Código Florestal, o que falta é articulação política. Questionado sobre corrupção, Collor diz que esta põe por terra qualquer esforço na direção da sustentabilidade.
A Rio 92 foi a conferência que reuniu o maior número de chefes de estado na História (108). A que o senhor credita essa façanha?
A Rio 92, na realidade Eco 92, é considerada pelas Nações Unidas como a maior, a mais bem-sucedida e a melhor conferência planetária até hoje realizada. E realmente foi. Não somente pela qualidade daqueles que atenderam ao chamamento da conferência, como pelos seus resultados. Era muito importante na época, para nós, que os países estivessem representados em seu mais alto nível, por chefes de Estado de governo. Isso foi alcança- do, está naquela foto ali (aponta para quadro na parede de seu gabinete), e ainda faltam alguns presidentes que naquela hora já tinham viajado. A gente mede o sucesso de uma conferência por esses dois pontos: a presença qualificada e o resultado prático que ali foi discutido. O que dali saiu foi algo que ninguém poderia imaginar que seria alcançado, sobretudo com a participação dos EUA. Tivemos a Convenção da Biodiversidade, a Agenda 21, que serviu depois de base para as Metas do Milênio, tivemos o acordo do clima, de florestas, enfim, uma miríade de acordos e tratados que infelizmente não foram cumpridos como gostaríamos, por parte dos países signatários.
Para trazer todo esse pessoal pra cá, foi preciso um exercício grande de convencimento e de constrangimento. Eu me lembro que o presidente George Bush sênior não viria. E aí combinamos, o comandante (Jacques) Cousteau e eu, de irmos a Washington. A conferência já tinha sido iniciada, e nós íamos na companhia de outras pessoas interessadas no tema. Decidimos ir direto à Casa Branca. Chamei o corpo diplomático, na época o ministro das Relações Exteriores era o Celso Lafer, e comuniquei: “Olha, hoje à noite estamos indo a Washington, mandem preparar o avião, porque o Bush tem que vir”. Aí me perguntaram: “Como é que o senhor vai, assim?” “Vou assim: descemos lá, pegamos um táxi até a Casa Branca, tocamos a campainha e queremos ver se é possível ser recebidos pelo presidente.” Bush pediu 24 horas, e aí veio (ao Brasil). Além da diplomacia, que fez um trabalho muito bom, eu destaquei todas as academias de ciência do mundo para falarem com os presidentes, por intermédio dos seus colegas respeitados de cada país. E foi assim que conseguimos a China. Foi ao Goldemberg que eu pedi que fosse à China.
O professor José Goldemberg?
Sim, e ele foi recebido pelo primeiro-ministro.
Ou seja, é necessário fazer um trabalho de articulação, de costura?
Sim, de convencimento e de constrangimento – como no caso do Bush.
E para a Rio+20, temos quantas confirmações?
Eu não tenho esses números, quem dispõe deles é o Itamaraty (o Itamaraty não divulgou confirmações alegando questão de segurança. Informa apenas que 80 delegações solicitaram hospedagem, até o fechamento desta edição). Eu vi duas desculpas que não me pareceram muito plausíveis. A primeira delas, fruto da ignorância do primeiro-ministro britânico, dizendo que um primeiro-ministro britânico não visita mais de uma vez um mesmo país no espaço de um ano. Fosse assim, ele não poderia ir a Nova York mais de uma vez por ano, ou a qualquer cúpula que lá se realize. Além disso, aqui é conferência das Nações Unidas, o Brasil é apenas o anfitrião. O espaço é todo ele gerido pelas Nações Unidas. Ele acabou mandando um vice. Eu citei isso em um pronunciamento que fiz.
Tampouco podemos aceitar as desculpas de eleições, como é caso americano, para justificar a não vinda do presidente. Eu disse a seu embaixador que é importante a vinda por vários aspectos, entre os quais ele ter sido eleito com o apoio maciço das gerações a que chamamos de futuras, a quem estaremos legando nosso planeta. Se ele estiver em Kansas City, fazendo um comício, um meeting, alguém vai perguntar: “O que o senhor está fazendo aqui em Kansas, quando se realiza no Rio de Janeiro uma conferência que vai tratar, em última análise, da salvação da vida no planeta? Queremos saber que planeta vamos herdar de vocês”.
Ao mesmo tempo que existe uma maior conscientização sobre o desenvolvimento sustentável, falta uma visão sistêmica por parte dos chefes de estado? Ou seja, eles estariam com os olhos voltados para apenas uma das pontas da crise, que é a econômica, quando na verdade a gente vive uma crise global?
A grande realidade é a seguinte: não há, por parte da comunidade internacional oficial, nenhum desejo mais forte, nenhuma vontade de participar da Conferência Rio+20. Estão tentando encontrar desculpas as mais variadas para eles não estarem presentes. Mandam o ministro do Meio Ambiente e tal. Naturalmente, as decisões tomadas com a assinatura de ministros não tem o mesmo peso que a de um chefe de Estado ou de governo. Então esperamos que a pressão da sociedade civil engajada sirva de instrumento para que eles compareçam.
Por que não há esse engajamento no alto nível de representação?
Eu já ouvi nos meses passados declarações como: “Nós já avançamos o que podíamos nesse tema, agora essa crise econômica está nos deixando numa condição muito frágil. Acho que talvez seja o momento de rever o que foi acordado no Rio (na Rio 92), porque as metas não foram alcançadas, então seria melhor trazer o que foi acertado no Rio à realidade presente”.
Aí eu lembrei o princípio do não-retrocesso. Eu me peguei muito nisso. Nós temos de estabelecer um ponto primeiro, para a realização desta conferência, que é o estabelecimento do princípio do não retrocesso, que impede que tratados, convenções e acordos que digam respeito à sobrevivência humana no planeta sofram qualquer tipo de modificação para retroceder. Além disso, o conceito de economia verde é muito amplo, até hoje não vi uma definição clara do que seja economia verde.
Então, a questão da Rio+20 peca no seu início, porque sua agenda foi imposta pelas Nações Unidas, diferentemente de 92, em que a agenda das Nações Unidas foi discutida amplamente e nós, do governo brasileiro, tivemos mais autonomia para elaborar a agenda – que foi muito ampla, mas com resultados muito bons. Desta feita, as Nações Unidas impuseram uma agenda para tratar de economia verde e governança global. O acréscimo de inclusão social e erradicação da pobreza já foi uma ação da diplomacia brasileira. Mas, muito bem, o que se conceitua exatamente economia verde? Nós temos de ter uma definição clara antes de iniciar a reunião!
E a sua definição qual é?
A minha visão é completamente diferente, vai em outro sentido. Se não a definirmos com clareza, a economia verde poderá ser o novo nome que será dado ao protecionismo comercial. Porque os países maiores, grandes importadores, podem dar preferência ou não a um país porque usa uma determinada folha…
Funcionando como barreira não-tarifária.
Se deixar isso frouxo e estabelecer uma governança global – com upgrading do Pnuma se tornando uma agência, e não mais um programa –, essa governança global é que se tornaria o árbitro para dizer o que é economia verde ou não. Qualquer problema para dirimir uma dúvida seria essa governança global que resolveria. E isso, para os países em desenvolvimento, é uma tragédia.
United Nations Conference on Sustainable Development: então o pessoal fala em desenvolvimento sustentável. Muito bem, como é que podemos iniciar uma discussão sobre desenvolvimento sustentável sem incluir na pauta a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas? Vamos desconhecer que as águas dos oceanos estão subindo 2 milímetros por ano? Que as calotas não estão derretendo? Que os corais estão se perdendo? Que as espécies estão sendo dizimadas porque seu hábitat já não é o mesmo? E fora o nosso dia a dia. Temos de tratar dessa questão primeiramente, até porque todos esses fundos que foram criados para financiar programas de ajuda aos países que queiram diminuir suas emanações, todos esses recursos vêm de um modelo econômico que nós também temos de mudar.
Os modelos econômicos implantados no mundo, seja o modelo do chamado capitalismo selvagem, seja o do socialismo de Estado mais extremado, nenhum desses modelos deu certo. Todos eles contribuíram, em proporção maior ou menor, para a situação de calamidade e pré-cataclismo que estamos vivendo. Isso precisa ser revisto. Há uma contradição: como podemos aceitar esses fundos que estão sendo custeados para o clima se eles provêm de um modelo que é o causador disso tudo? Então, a discussão do desenvolvimento sustentável precisa ser antecedida pela discussão de modelo econômico.
E isso não daria tempo em três meses (até o início da Rio+20).
Mas isso é um processo…
Que não está sendo nem iniciado, certo?
De alguma forma, precisa se iniciado. O que tenho falado vai nesse sentido e nessa direção. O Zero Draft (Rascunho Zero) das Nações Unidas, aquilo é uma coletânea de exaltações absolutamente inócuas.
Ia perguntar justamente sobre isso: por que o senhor qualificou o Zero Draft de pífio?
Zero Draft: garbage. Lixo, não serve para nada. Espero que, pelo fato de ser zero, passe de draft para original. Até o dia 28 deste mês de março, o Itamaraty estará recebendo contribuições para uma colaboração brasileira para as premissas dos temas que serão tratados na Rio+20. A gente espera que seja uma coisa mais palpável.
Enquanto isso acontece, na semana passada o presidente de um país do Pacífico Sul, um grupo de ilhas chamado Kiribati, estava enviando para a Assembleia de seu país uma solicitação de autorização para investir US$ 9,6 milhões na compra de um pedaço de terra nas Ilhas Fiji, porque Kiribati vai desaparecer e ele quer transportar a sua população de 100 mil habitantes para lá. O ex-presidente das Maldivas participou no ano passado de uma conversa em que o rei Carlos Gustavo, da Suécia, realizada dentro de um navio quebra gelo a caminho do Ártico, para a qual foram convidados cientistas, alguns chefes de Estado e também o ex-presidente das Maldivas, que lá pelas tantas disse: “Tá ótimo, a reunião está muito boa, mas o que tenho a dizer é o seguinte: enquanto os senhores estão aqui discutindo, meu país está afundando”. O ponto culminante das Maldivas tem cerca de 2 metros e 40. Como vamos falar de desenvolvimento sustentável sem antes saber como reduzir o dano irreversível? Porque, quando falo em mitigar, é daqui para a frente. Porque o estrago já feito é irreversível. É segurar…
…e adaptar-se à mudança.
Hoje (21 de março), o vice-primeiro-ministro da China estava aqui, e eu disse que seria muito importante que o primeiro-ministro viesse. Ele respondeu que o primeiro-ministro virá. É uma grande notícia. Agora, eles estão vindo porque têm muito o que apresentar. A China é um país que em 1992 tinha 85% de sua matriz energética baseada no carvão, imagina a poluição que aquilo causava. A China construiu aquela enorme hidrelétrica, maior que Itaipu, a de Três Gargantas, e começou a mudar, fez muita ferrovia, construíram em três anos 4 mil quilômetros de trens de alta velocidade. Instalaram 700 mil torres de captação de vento para energia eólica. A China tem o que mostrar, diferentemente dos EUA, que são bem mais lentos. Nos EUA, há uma tecnoburocracia, um establishment que reage muito a tudo isso – embora tenham feito ações pontuais.
Por isso, é preciso uma grande orquestração. Não vejo a Rio+20 como uma arena em que estarão adversários um apontando o dedo pro outro, você é culpado disso, daquilo. Vejo como um atrium onde estejam reunidas as lideranças mundiais e elas estejam trocando informações, ideias, procurando saber o que cada um pode fazer em seu país. Enfim, juntar esses exercícios em um vetor de decisão de vontade política e começar a trabalhar em cima disso.
O que se tem visto hoje parece ser apenas um esverdeamento de processos, e não uma mudança efetiva.
Quando a gente fala em mudar, seja o que for, por exemplo, mudar essa mesa daqui pra lá, de início vou dizer: “Não, não quero”. Isso desde o exemplo mais tosco até uma mudança de hábitos que passa por uma política pública de transporte urbano eficiente, ambientalmente saudável. Essa cultura da civilização sobre rodas tem que deixar de existir, essa questão de carros e mais carros – se bem que o Brasil deu uma contribuição efetiva com a questão do etanol.
Efetiva, mas o transporte de carga é baseado em diesel… Nossa matriz energética, em termos de transporte, é um desastre.
Mas foi uma contribuição efetiva o etanol, que participa de 50% da frota de veículos. Em relação à carga, ela tem que ser levada por trem. É algo desse tipo que tem de ser repensado. Eu vejo a conferência como um local para isso.
Qual o papel da nossa chefe de estado nessa orquestração, ainda mais sendo o Brasil o anfitrião, e visto como uma potência ambiental?
É decisivo. A participação direta, ativa e incansável dela é algo fundamental para o sucesso da conferência. E me parece que isso está acontecendo. Até porque, depois desse Zero Draft, precisamos elevar nosso nível de ambições, entendeu? Ficar só nessa discussão de economia verde e governança global não vai levar a coisa nenhuma. Não se pode continuar com esse nível de desperdício. Essa questão, por exemplo, que está aqui (pega exemplar de Página22), o fim da sacola plástica, eu vejo ainda na televisão as pessoas comentando que levam o saco para casa e agora vão ter de pagar etc. Elas não sabem o estrago que faz um saco plástico desse. Isso é uma barbaridade. Recentemente fui com minhas filhas à Disney. Aí você vê o padrão de consumo dessas pessoas.
É enlouquecedor.
É uma coisa louca. Eles vêm com umas bandejas com uns sanduíches enormes, umas batatas fritas deste tamanho, mais Coca-Cola, depois jogam tudo aquilo no lixo, junto com a comida, é uma sofreguidão!
De modo que, de novo, o sucesso da conferência será medido pelo número de chefes de Estado e quantos deles são top de linha: EUA, Reino Unido, Alemanha, França, Índia, China, Rússia, Canadá, países escandinavos. Se vierem, um ponto terá sido atendido. Em segundo lugar, como está a agenda e o que será discutido? E, dessa discussão, o que resultou de termos concretos para a gente salvar a vida no planeta?
E internamente, senador? A gente não ouve a maioria dos ministros no Brasil falando sobre Rio+20.
Parece que é um assunto em segredo de Estado.
O que acontece? Por que não “pegou” entre os ministros?
Porque não deve estar havendo interesse de que isso “pegue”.
Como assim?
As pessoas não comentam porque não querem discutir temas incômodos.
É um boicote?
É. Por isso confio muito na participação da sociedade planetária. A sociedade civil puxando isso. Pressionando. Porque essa não é uma visão catastrofista, e, sim, realista. Estamos caminhando celeremente a um cataclismo que vai deixar o planeta inabitável.
De onde veio o seu interesse por esse assunto?
A Rio+20 nasceu de um requerimento meu, que apresentei aqui no Senado em 2007, para que o Brasil sediasse a conferência Rio+20. O pessoal fala que é 20 anos depois da de 92, mas eu estava falando de 20 anos adiante. Mas serve também: uma reunião realizada 20 anos depois, para lançar uma visão 20 anos adiante. Outra razão foi porque em 2012 o Protocolo de Kyoto perderia a sua vigência, e pela necessidade de substituí-lo por um mecanismo mais avançado, mais ousado. A vigência seria perdida agora (na Conferência das Partes), em Durban, se não fossem os esforços da delegação brasileira, do embaixador Luiz Alberto Figueiredo e da ministra Izabella Teixeira, que, na última hora, conseguiram dar uma sobrevida a Kyoto. Senão, hoje não teríamos nenhum marco regulatório que balizasse as ações.
E quanto à Rio 92?
Eu sempre me interessei muito por essa questão ambiental, seja pelo meu pai, seja pela educação que recebi. Eu tinha 9 anos quando meu pai me chamou e disse: “Eu comprei um sítio, queria que você fosse lá comigo”. Um sítio perto de Itaipava, na Região Serrana do Rio. Chegamos lá o motorista, ele e eu. Havia um enorme viveiro, com diâmetro talvez maior que o desta sala. O viveiro estava cheio de pássaros, eram passarinhos, papagaios, araras. Ele me chamou para entrar. Aí eu falei: “Pai, o senhor deixou a porta aberta”. Ele respondeu: “É para deixar aberta, vamos pôr os passarinhos pra voar!” Eu me lembro dessa imagem dele, feliz de ver os passarinhos saindo. Ele chegou para o caseiro e falou: “Agora quero que coloque isso abaixo, semana que vem não quero mais ver isso aqui”. Ele sempre fazia muita questão da água, da energia, me alertando. Interessante. “Fernando, não desperdice.” Até a alimentação: “Não coloque nada no prato além do que vai comer”. Então tudo isso tinha a ver com vida saudável, bem-estar e uma vida harmonizada com a natureza.
Da mesma forma, minha mãe e minha avó tinham a questão da disciplina, da limpeza, de não desperdiçar, de fazer tudo com a menor utilização de sabão. Eu me lembro que a minha mãe não gostava de sabão em pó porque dizia que tinha muita coisa química. Às vezes eu via a lavadeira reclamando que tinha de lavar com sabão de coco porque a dona Leda não queria o outro. Quebrar um galho de árvore ou escrever com canivete (no tronco), isso nem pensar! Colher uma flor do jardim dava uma confusão inominável…
Enfim, todo mundo tem de se juntar – não tem agora os Brics, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul? –, quem sabe esses Brics não possam se reunir na conferência, e tirar um plano que sirva de case para o restante do mundo, de um modelo que seja sustentável? Dizem que temos de discutir os três pilares: o ambiental, o econômico e o social. Mas no momento em que o pilar ambiental está inteiramente erodido, e todos dependem dele, como você vai discutir os outros dois?
Até porque os outros dois se inserem no ambiental.
Claro. Aí que vem a questão do modelo, ter um novo modelo econômico, ou, melhor dizendo, de desenvolvimento, de prosperidade, de progresso, o nome que se queira dar. A partir daí, verificar como evitar essa progressão das mudanças climáticas. Aí, sim, isso atingido, vamos fazer inclusão social. Não adianta querermos incluir socialmente uma população sem isso… podemos até incluí-las socialmente, como aqui no Brasil foi feito. Trinta milhões de pessoas ascenderam ao nível de consumo, têm seu liquidificador, seu carrinho. Mas ao mesmo tempo não têm saneamento básico, fornecimento de água potável garantido, energia eficiente, escolas, posto de saúde. Essa coisa de medir o PIB somente pela questão econômica é errada. O Butão mede a felicidade. O bem-estar da população deve ser considerado.
Qual é o seu papel, a sua função na Rio+20?
Eu sou membro da Comissão Nacional para a Rio+20. Dessa comissão fazem parte 100 a 150 pessoas. Eu sou um dos integrantes, só.
E o objetivo da comissão qual é?
O objetivo é oferecer sugestões da sociedade civil, do governo e do mundo acadêmico e empresarial, para elaborar uma proposta brasileira a ser encaminhada às Nações Unidas. Aí, você vê, serão nove temas para serem discutidos em três dias: segurança alimentar e nutricional; desenvolvimento sustentável para o combate à pobreza; desenvolvimento sustentável como resposta às crises econômicas e financeiras; economia do desenvolvimento sustentável; padrões sustentáveis de produção e consumo; cidades sustentáveis e inovação; desemprego, trabalho decente e migrações; energia sustentável para todos; água e oceanos.
É muita coisa.
Ça va sans dire (não precisa nem dizer).
Com que tipo de experiência acumulada na Rio 92 o senhor pode contribuir?
Muito pouco, porque se eu estivesse em uma posição de coordenação do evento… mas hoje estou do outro lado do balcão. A única coisa que posso fazer é arregimentar as pessoas lá fora, aqui dentro, os jovens.
O senhor falou em não retrocesso. Na sua opinião, o que não é admissível em termos de retrocesso ambiental por parte do Brasil? A mudança no Código Florestal não é um exemplo disso?
O melhor projeto para um governo é aquele que tenha o apoio do Congresso. Você pode ter um projeto fantástico, mas, se não for viabilizado pela casa do Legislativo, não vale nada. O Código Florestal tem problemas? Tem. Tem pontos preocupantes que nós esperamos que venham a ser vetados pela presidenta.
O senhor votou a favor ou contra a mudança no Código?
Votei contra no Senado (o substitutivo foi aprovado por 59 votos a 7). E agora, na Câmara, o pessoal me pergunta o que acho da luta ambientalistas vs. ruralistas. Esta é uma visão equivocada: quem está brigando na Câmara não são eles. O embate é apenas uma cortina de fumaça. Essa é a forma pela qual estão vendendo o porquê de não colocarem em votação o Código. O que está em jogo, e necessitando ali para resolver a questão do Código, é uma articulação política. Só. Tão simples como isso. Se não for votado até a Rio+20, aí, sim, há possibilidade de haver um tremendo retrocesso, de ser transfigurado.
O Brasil tem muito a demonstrar, mas temos de trabalhar mais, reduzir ainda mais essas queimadas na Amazônia. E, para acabar com isso, depende de decisão política do governo, que, com instrumentos, coloca lá o pessoal aparelhado, vigilância. Isso é uma coisa relativamente fácil se comparado com o esforço que tem de fazer um país como os EUA, que, para reduzir a emanação de carbono em 0,2% ao ano, tem de fazer um esforço descomunal, pois é a locomotiva do mundo, não pode parar, não pode parar, não pode parar… Esse é o grande contrassenso do PIB. As bombas que foram jogadas no Iraque, na Líbia…
…fazem aumentar o PIB.
Por isso, o que vejo na Rio+20 são todos trocando informações, cientes do seguinte: “Estamos aqui encapsulados, o que vamos fazer para nos salvar?”
E como é que traz essa constatação para o nível efetivo da implementação política?
Com liderança. Com líderes que tomem a frente. Vanguarda. Não podemos ficar nesse ramerrão. Os líderes são importantes, porque eles é que assumem o compromisso político.
E isso se coaduna com a política? Esses assuntos trazem dividendos políticos, em termos de fortalecimento das lideranças?
Depende, quem defende ideias como essas não tem muita simpatia por parte dos ruralistas. E não se trata aí de tirar dividendos políticos em uma questão tão grave.
Mas política não é necessariamente ruim, falo em fortalecimento político para se conseguir atingir bons objetivos.
Digo que não pode haver uma motivação político-eleitoreira na defesa desses temas. Claro que tudo é política. Tem que se pensar na elaboração de políticas públicas que venham a atender essa urgência-urgentíssima que são os efeitos que estão causando sobre o planeta as mudanças climáticas que estamos sentindo no nosso dia a dia. Esse é o primeiro passo. Aí tem que rediscutir o modelo, que já está dando provas sobejas de que é insustentável.
A corrupção é apontada como o grande mal do Brasil. O senhor não acha que ela põe por terra qualquer esforço na linha da sustentabilidade?
A corrupção não somente mina todos os esforços da sustentabilidade, mas antes disso – por exemplo, nós vimos na saúde (nas últimas denúncias sobre licitações no Rio) – ela afeta o presente. As pessoas estão morrendo pela corrupção que há no sistema de saúde pública no País. É algo inaceitável. Isso atinge o cidadão de chofre.
Queria finalizar com uma pergunta que me interessa até mais como cidadã. Do que o senhor mais se arrependeu e mais se orgulhou no seu mandato como Presidente da República?
Ah, não, isso está fora da questão ambiental. Isso está fora.