Os dinamarqueses não pegam leve, já mostravam os cineastas do movimento Dogma, filmando na crueza de luz, som e imagens. Dessa vez o jornalista Frank Poulsen constrói um documentário para mostrar que nosso vício em telefones celulares embute o financiamento da guerra e do trabalho escravo no Congo. Poulsen vai até o leste do país atrás de minas no meio da selva, desce em uma delas com a ajuda de uma criança trabalhadora, vê miséria, corrupção e grupos armados – sem desligar a câmera. Nos últimos 15 anos, conflitos na região já mataram mais de 5 milhões de pessoas e mais de 300 mil mulheres foram estupradas, segundo as organizações humanitárias.
Obsessivo, o diretor vai ao menos quatro vezes à sede da Nokia tirar satisfação como consumidor e cineasta em busca de respostas para o que viu na África. As justificativas da empresa só não são risíveis porque inconcebíveis: questões estratégicas de mercado impedem a Nokia, a maior fabricante mundial dos aparelhos, de divulgar os nomes de seus fornecedores de forma que o consumidor possa dormir tranquilo porque ali dentro não tem mineral extraído no Congo. E Poulsen saca sua melhor pergunta: então vocês encaram esta questão por razões econômicas enquanto pessoas morrem e mulheres são estupradas naquele país?
A aparição da ONU é patética. Os responsáveis pelo escritório dos boinas azuis na região aconselham o cineasta a não se dirigir até os locais de conflitos e minas e descrevem a região como uma imensa plantação de brócolis com alguns clarões, onde estão as minas. O que se apreende ao final dos 80 minutos de Celular Manchado de Sangue é o completo abandono da África por seus próprios dirigentes, pela comunidade internacional representada pelas Nações Unidas e por nosso completo apego ao consumo, tecnologia e à linguagem corporativo-diplomática que não aponta caminhos, ou melhor, diz nada. Terminada a sessão na Sala Crisantempo, a plateia imediatamente liga seus telefones celulares.