Por Amália Safatle
Mais que a voz, o gravador registra o terrível ruído das ruas que invade as janelas da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, localizada em um pedaço da cidade de São Paulo esperançosamente chamado de Paraíso. Mas o secretário Eduardo Jorge Martins Alves Sobrinho [1] quer que o mundo escute: as cidades podem e devem fazer parte da governança global. “Nós queremos governar também” é a mensagem que as cidades vão levar para a Rio+20, aproveitando que a pauta da governança estará em evidência. Já sobre o assunto eleições municipais, Eduardo Jorge prefere calar-se: de antemão, avisa que não falará sobre a suposta candidatura pelo seu partido, o PV. Ao mesmo tempo, reconhece a gravidade dos problemas socioambientais que a megacidade enfrenta, da mobilidade à gestão de lixo, da habitação ao desrespeito às áreas de proteção ambiental.“Temos todos os defeitos e virtudes desse capitalismo que se implantou no Brasil.” Nesta entrevista concedida no fim de março, relata os desafios de transversalizar o meio ambiente nas demais secretarias e conta por que chama o secretário de Transportes de “meu herói”.
[1] Médico sanitarista, é Secretário do Verde e do Meio Ambiente do município de São Paulo, desde 2005. Nas gestões de Marta Suplicy e Luiza Erundina, secretariou as pastas da Saúde. Já foi deputado estadual e federal pelo PT
Como o município de São Paulo está se preparando para a Rio+20? Que tipo de oportunidades vê com a conferência?
São Paulo começou a se preparar com uma conferência grande que realizou aqui no ano passado, a da C-40, entidade voltada para o meio ambiente que reúne as 40 maiores cidades do mundo. Fazemos parte da executiva e organizamos o terceiro encontro mundial com mais de 1.500 participantes, sendo 600 de outros países, no qual se discutiu o protagonismo que as cidades têm de ter nesse assunto. O que o C-40 vai levar para a Rio+20 é a tese de que as cidades devem fazer parte da governança global, em particular da mudança climática.
Em segundo lugar, São Paulo está ajudando a organizar em Belo Horizonte o encontro mundial do Iclei, outra entidade da qual fazemos parte da executiva desde 2005, e que reúne 1.200 cidades do mundo inteiro – grandes, médias e pequenas. Em terceiro, estamos organizando um encontro grande aqui no Memorial da América Latina, para 3 mil a 4 mil pessoas, junto com a Câmara Municipal e com a cidade do Rio de Janeiro, para uma produção mais limpa. Além disso, a pedido da cidade do Rio, temos participado da organização do encontro paralelo de cidades que haverá durante a Rio+20. É obrigação de uma cidade nacional e mundial como São Paulo ajudar o Rio de Janeiro.
Quanto ao que a cidade vai fazer para que a Rio+20 seja um sucesso, é mostrar o que está fazendo. Essa é a questão mais importante, porque você tem que falar e fazer de forma coerente. São Paulo foi praticamente a primeira cidade do Brasil que resolveu, em 2005, tomar o aquecimento global como elemento de planejamento de todas as suas políticas e programas – e isso está ajudando as outras cidades do Brasil.
Vamos mostrar que as cidades, no mundo inteiro, podem e devem participar da governança nacional e mundial na questão do meio ambiente. Mas hoje não têm nenhum papel oficial, institucional. Não são reconhecidas nem pela ONU nem pelos governos nacionais como protagonistas importantes no combate à mudança do clima.
O que esses encontros todos, como o do C-40 e do Iclei, trazem em termos práticos?
São Paulo avançou muito de 2005 pra cá, porque nesses encontros as cidades debatem o que estão fazendo, trocam informações, ajudam umas às outras, levantam parcerias com fundações. O Banco Mundial abriu uma linha de financiamento pela primeira vez direcionada para cidades. Antes, sempre tinha de passar pelas bênçãos do governo nacional. Isso é resultado da articulação do C-40.
Qual é a importância política dessa articulação em nível local para tratar de temas globais?
Não existe hoje, principalmente em meio ambiente, tema que seja global somente, ou local somente. Não tem essa separação. Hoje, a pauta-mãe, que é o combate à mudança climática, é global e local ao mesmo tempo. O que existe é a exclusão das cidades da governança. Por isso, quando a ONU propõe que se discuta economia verde e governança, o C-40 e o Iclei dizem: “Nós queremos governar também. Queremos ter um papel tanto no nível regional como no mundial”.
Já existe alguma proposta nesse sentido?
Isso vai depender da própria estrutura de governança que será montada em nível mundial. Porque a pauta “governança” é o reconhecimento da ONU de que a governança mundial em relação ao meio ambiente é fraca, insuficiente. Precisa subir de patamar. A posição de São Paulo em relação a isso é que a governança mundial tem de colocar o meio ambiente no mesmo patamar da estrutura que cuida da segurança, da que cuida da economia e da que cuida do social. Coerentemente com o conceito de desenvolvimento sustentável, que possui os três pilares – social, econômico e ambiental –, está na hora de a ONU fazer o que ela prega. E aí agrego segurança, porque na ONU a comissão de segurança tem um poder tremendo, herdado ainda do pós-guerra, de 1945. Nessa estrutura que vai nascer – espero – é que as cidades vão se encaixar. Elas querem ter um diálogo direto.
Qual é a importância dessa governança? Sem os municípios, as ações não se implementam?
Os municípios têm uma vantagem em relação ao governo nacional na questão da urgência e da acessibilidade dos cidadãos, das associações, dos empresários, dos comerciantes em relação a esse nível de poder. A relação é muito mais direta da pessoa, da dona de casa, do sindicato, com o prefeito. Aqui, a pessoa bate na porta da prefeitura. Os problemas estão no colo do prefeito. Na Comunidade Europeia, fala-se no princípio da “subsidiariedade”, que quer dizer o seguinte: baseada em normas de governança democraticamente construídas de forma global, tudo o que puder ser feito em nível local deve ser feito, com a cor local, com a cultura local. Esse é um princípio extraordinário. Há uma discussão global, de algumas normas, mas a aplicação é feita no nível local, com o ritmo e com a importância que o local dá àquelas normas. Isso deveria ser levado em conta no nosso país.
Para isso, uma reivindicação básica é que os municípios precisam ter mais recursos para trabalhar com meio ambiente. Porque o Sisnama (Sistema Nacional do Meio Ambiente) hoje não prevê nenhuma estrutura efetiva de apoio de recursos federais – que concentra a maior parte dos recursos arrecadados no Brasil – para ampliar sua estrutura local de fiscalização de licenciamento, de reação a desastres climáticos. Então Brasília tem que sentar e discutir com as cidades. As cidades são a linha de frente. São a vanguarda no enfrentamento da crise climática e na implantação do desenvolvimento sustentável – mas têm que ter recursos.
Brasília tem que repassar recursos pra gente, como é feito com o Sistema Único de Saúde (SUS). Os recursos são federais, estaduais e municipais, mas quem carrega, toca, conserta o piano são as secretarias municipais de saúde. E hoje com qual fonte de recurso que uma secretaria municipal de meio ambiente do Recife, de Porto Alegre, de Catolé do Rocha conta? Isso quando existe secretaria municipal de meio ambiente. Como Brasília não pode dar conta do Amapá ao Rio Grande do Sul, o Sisnama fica capenga, fica caolho, não sabe o que acontece no interior dos municípios.
Ao mesmo tempo que São Paulo se mostra como vanguarda capaz de liderar mudanças – como na questão das emissões –, a cidade vive um agravamento de problemas relacionados à mobilidade urbana, à gestão de resíduos e reciclagem de lixo, aumento das tarifas de ônibus, falta de moradia, necessidade de buscar água mais longe etc. A cidade está ficando mais insustentável?
Você coloca os problemas que realmente existem em uma cidade nacional e em uma cidade que será a mais importante do Hemisfério Sul nas próximas décadas. Isso vai se confirmar: será a mais dinâmica, a mais articulada. Essa cidade-país de 11 milhões de habitantes, que seria o 39º país em PIB, tem problemas gigantescos. Sim, claro, porque São Paulo foi o cérebro, o coração, o pulmão da implantação do capitalismo no Brasil. Tudo o que aconteceu para o bem e para o mal nessa implantação tem a ver com a liderança daqui. Portanto, temos todos os defeitos e virtudes desse capitalismo que se implantou no Brasil. Um marco importante foi o Juscelino (Kubitschek), que prometeu fazer 50 anos em 5. E fez. Fez escolhas em 5 anos que influenciaram os 50 anos seguintes. Escolheu um desenvolvimento dependente do petróleo. E estamos colhendo isso, para o bem e para o mal.
Hoje há uma consciência do desenvolvimento sustentável no século XXI que não existia no século XX, nem no capitalismo americano nem no socialismo soviético, irmãos siameses no desprezo ao meio ambiente – e o Brasil não foi exceção, pois estava metido nessa Guerra Fria. Agora que há essa consciência – recentíssima, formalmente lançada na Rio 92 –, São Paulo tem que se repensar, redirecionar essa economia e ainda corrigir todos os erros do século XX. Não é pouca coisa. O importante é começar. Daí o marco que foi este governo iniciado em 2005, por meio de duas decisões, com o objetivo de colocar São Paulo como liderança no desenvolvimento sustentável e no combate ao aquecimento global.
Uma delas é que o desenvolvimento sustentável passa a atravessar o planejamento e as políticas públicas de maneira geral. A orientação do prefeito é que os outros secretários ouçam isso. Você sabe que o regime político brasileiro é um presidencialismo semi-imperial – em Brasília, nos governos de estado e nos municipais. Eles têm um poder desmedido. Só o parlamentarismo vai curar esse desvio messiânico e despolitizador, mas isso é outra história. Então, tem um peso fundamental o fato de o prefeito eleito democraticamente falar aos secretários de Transporte, de Saúde, de Educação, de Obras: “Ouçam o que o meio ambiente vai dizer a vocês e readaptem seus programas e seus projetos”.
Isso aconteceu mesmo?
A partir de 2005. A segunda decisão foi que reconhecer que o aquecimento global é verdade e é a questão mais grave que ameaça a humanidade. Lembre que em 2005 isso não era óbvio. O presidente Bush dizia que isso era mentira e o primeiro-ministro do Partido Comunista chinês fazia ouvidos moucos. Estive em janeiro de 2005, logo após a posse, no encontro do conselho do fundo climático nacional. Cinco ministros na mesa, Palácio do Planalto, plateia de 60 a 70 pessoas. Qual era o discurso? “Essa história de crise climática é problema do Anexo 1 (composto pelos países desenvolvidos). Eles que criaram o problema, eles que se virem.” Os mais entusiasmados chegavam a dizer que isso era mais uma nova invenção do imperialismo para prejudicar nosso desenvolvimento, agora que o Brasil se preparava para acelerar.
Ainda se ouve esse discurso por aí…
Esse discurso, que é de um nacionalismo reacionário, chauvinista, tacanho, era feito dentro do Palácio do Planalto com cinco ministros e nenhum ministro desmentia. Eu fiquei chocado! Voltei aqui, discutimos muito isso na prefeitura: o que a gente vai fazer? Brasília, dormindo em berço esplêndido… ou até de forma agressiva, querendo incentivar o uso de petróleo, tocar fogo nas florestas, era isso que estavam querendo dizer. O que São Paulo vai fazer? Vai fazer o seu dever de casa. Vai assumir seu papel local, nacional e mundial. Que isso sirva de exemplo para outras cidades, estados e até para Brasília. Aí vem a sua pergunta: claro que São Paulo tem tantos problemas, é a herança do capitalismo e dos 50 anos do JK. Também temos problemas de desrespeito às APPs (áreas de proteção permanente). De Blumenau ao Recife, isso foi desprezado solenemente em todo o País. Para as cidades, o Código Florestal nunca existiu e é por isso que os desastres climáticos batem fundo nas cidades, matam as pessoas.
Imagino que essa transversalidade de que o senhor fala não seja nada suave. Como faz para a pauta do meio ambiente entrar de fato nas demais secretarias?
Vamos pegar o caso do transporte, que é o principal vilão do aquecimento global. O bandido aqui é o secretário de Transportes, vamos dizer assim. De acordo com nosso inventário, 24% das emissões vêm do manejo do lixo e 75% vêm do uso da energia, do qual 90% é petróleo, ou seja, transporte. Ele herda a imprevidência e ignorância do passado, mas essa cruz está com ele. Você então chega no secretário de Transportes, que tem que administrar 15 mil ônibus e uma frota de 4 milhões de veículos privados e diz: “Vai mudar tudo, ordem do prefeito, porque agora é combate ao aquecimento global”. Arrisca o secretário te botar pra fora da sala. Com razão, porque o coitado está lá, com o povo todo cobrando para conseguir andar pela cidade e a imprensa falando mal dele todo dia.
Então, qual tem sido a tática do secretário de Transportes em relação à frota pública? Não vou nem falar dessa doença que é o automóvel privado e as motos, que são uma coisa criminosa, matando jovens. Os ônibus são 100% movidos a diesel, subsidiado para ajudar a indústria petrolífera, e exportando o custo para o sistema público de saúde pagar nos prontos-socorros, nas clínicas.
Externalizando.
É um termo econômico que parece uma coisa asséptica, né? Mas tem um resultado muito concreto: morre gente e fica gente doente, sofrendo, com o sistema respiratório, o circulatório. E isso não conta no preço do petróleo. Não tem preço perder uma pessoa na família porque a Petrobras empurra o diesel sujo nos ônibus brasileiros. Aqui em São Paulo precisou mudar três vezes o secretário, até que o atual, Marcelo Branco, reconhecesse que a pauta ambiental está em pé de igualdade com a questão da eficiência no transporte.
Os anteriores saíram por quê?
Porque, mesmo com a orientação do prefeito, não conseguiram mover essa estrutura opressiva brutal. Foi preciso nesses sete anos chegar no terceiro, para acumular experiência. Porque o secretário sozinho não governa, tem toda aquela massa de engenheiros, que se acham os melhores da América do Sul, todos formados na escola antiga, do diesel e do automóvel. Mas agora, aonde eu vou, em palestras do mundo inteiro, o secretário, de vilão, virou o mocinho. Eu digo a ele: “Marcelo Branco, você é meu herói!” Porque recebeu um raio quando estava andando no caminho de Damasco e se converteu (risos), passou de algoz a pregador do meio ambiente, assim como o apóstolo São Paulo.
E o que ele fez pra virar herói?
Ponto um: a decisão do prefeito, que ele está implementando, de acelerar o ritmo de implantação do metrô. O governo estadual realmente acelerou, e a Prefeitura está ajudando. Ponto dois: começar a mudar a matriz de energia dos ônibus. O Branco está provando que isso é possível: hoje ele comanda cinco ou seis experiências de saída do diesel. Ele está recuperando e retomando a frota de ônibus elétrico. A frota tinha 550 trólebus, era uma das maiores do mundo, mas o governo anterior vendeu a preço de banana.
Por quê?
Por causa do lobby do diesel, no Brasil inteiro. Qual é a cidade do Brasil que não resistiu a esse lobby e jogou fora a preço de banana seus trólebus maravilhosos, praticamente indestrutíveis? Acabou. Lobby da Petrobras. De dois anos pra cá, o Branco retomou a manutenção das fiações, que estavam há dez anos na mão da Eletropaulo, com manutenção zero. Claro que, com a fiação toda partida, o trólebus parava, o pessoal reclamava: “Olha a lata-velha, atrapalhando o trânsito”. De 550 trólebus, foram vendidos 350, a R$ 3 mil a R$ 4 mil, para virar sucata, e já tinha um edital para fevereiro de 2005 para vender os outros 200. Portanto, São Paulo ia seguir o rumo das outras cidades e ficar com zero, ia fazer o leilão. Foi preciso dizer que, se fizesse o leilão, o secretário de Meio Ambiente ia lá se agarrar na roda do trólebus. E esses 200 sobreviventes vieram se arrastando esses anos todos sem manutenção, até que, agora, a Secretaria de Transportes recuperou a fiação e começou a comprar trólebus novos, comprou 20 novos.
Veja que o Brasil foi um grande produtor de trólebus e vendia para outros países, e toda a fabricação foi desativada por esse lobby.
Os 200 já estão andando?
Sim, os velhinhos estão rodando, como disse, são indestrutíveis. E acabo de vir de uma reunião do planejamento e mandei um email apaixonado, porque o vi o trólebus novo, o novo! Um desses 20, é uma máquina maravilhosa, deslumbrante, moderníssima, é o campeão mundial de limpeza, tanto local como global. Na Europa, já estão na 3a ou 4a geração de trólebus. A posição do Branco, corretíssima, é o trólebus voltar para o corredor, como era na gestão Mario Covas. Além disso, o Branco começou a ter a primeira frota de ônibus de etanol do Brasil. O Brasil tem um programa muito importante, liderado pelo governo federal, orientado pelo Procon, em relação à frota privada, para usar etanol. Mas você não acha muito estranho que justamente na frota mais importante, que é a do transporte público, o Brasil tem zero ônibus a etanol? Enquanto a Suécia importa nosso etanol para mover 80% da frota de Estocolmo? De novo, por causa do lobby da Petrobrás.
Mas a Petrobrás também oferece etanol.
Sim, ela foi obrigada a entrar nesse jogo. O xodó da Petrobras é petróleo, ainda mais com o pré-sal. O etanol é o Patinho Feio lá. Então São Paulo fez um convênio com a Suécia, com a USP, com a Unica, e a gente está com os 60 primeiros ônibus a etanol do Brasil rodando desde o ano passado. É uma frota ainda pequena, mas vamos aumentar. Vão abrir caminho para outros. Outro ponto: o Branco está expandindo o uso de biodiesel para 20%. O biodiesel é tido como um ovo de Colombo, mas o que não se diz é que a proporção é de 5% para 95% de diesel sujo. O percentual seguro no mix, para que não leve a outras emissões prejudiciais, hoje é 20%. Então estamos com 1.400 ônibus há um ano rodando a 20%. Aumentei quatro vezes. E mais outro ponto: a cidade de São Paulo começou uma experiência com uma empresa americana para usar o diesel da cana, que é em tudo semelhante ao diesel de petróleo. O motor aceita o diesel da cana como se fosse o outro. A grande vantagem disso é que não preciso mudar nada. O ônibus a etanol precisa ser adaptado; o elétrico requer uma máquina diferente; e o a hidrogênio, os híbridos, são outros tipos, e requerem investimento maior. Se essa experiência quase revolucionária der certo, eu ponho no antigo. Então preciso dar escala de produção a essa experiência que São Paulo vem fazendo há um ano, com muito bom resultado. A eficiência energética dela é perfeita. E, com a redução do preço pelo ganho de escala, você vai ter uma contribuição a mais.
Porque em nenhum lugar do mundo haverá uma única matriz para substituir o petróleo, é preciso ter várias experiências. O prazo que temos – porque o nosso governo vai acabar, graças a Deus, oito anos já é muito tempo governando – é a meta que está na primeira lei climática aprovada no Brasil, em junho de 2009. Essa lei nossa é muito clara: temos que sair do diesel em 2018. Toda essa movimentação é para deixar uma herança ao governo que vem aí em 2013, mostrando que existe vida inteligente na engenharia brasileira.
Então dou esses exemplos só nessa área mais difícil, que é a da mitigação nos transportes. Poderia falar do lixo, da inspeção veicular, do urbanismo. O conceito da cidade compacta fomos nós que trouxemos ao Brasil, ocupar o centro em vez de crescer nos mananciais, nas APPs. Isso tudo é mitigação. Mas tem também o lado B: a adaptação, de que ninguém nunca fala. Nesses encontros internacionais, o Hemisfério Norte, que tem uma capacidade maior de resposta, não fala em adaptação. Quem tem que botar a boca no trombone somos nós, que moramos ao longo do Equador, porque para nós a mudança climática já chegou.
De todas as ações de adaptação em São Paulo, como plantio de 200 mil árvores por ano, criação de parques, o programa de parques lineares etc., a mais importante é o mapeamento das áreas de risco, com reurbanização de favelas e redirecionamento para habitação segura. Só em barrancos e topos de morro temos 100 mil famílias mapeadas. É um trabalho comandado pela Secretaria de Habitação.
Como fazer para que esses avanços todos na área de mitigação e adaptação não se percam com a mudança de governo, assim como aconteceu com os trólebus no passado?
Em primeiro lugar, o nível de consciência da opinião pública local, nacional e mundial é muito diferente da de dez anos atrás. Não é ainda o nível de cobrança suficiente, porque a mudança tem que ser muito maior. A gravidade do problema do aquecimento global ainda não bateu fundo na opinião pública, nem nos governantes. É muito mais grave do que a presidenta Dilma, a dona Maria de Guaianazes e o Eike Batista sabem. Mas, mesmo assim, o nível de consciência da Dilma, da dona Maria e do Eike Batista é muito maior do que antes.
Em segundo, é que São Paulo tem uma lei climática, com metas e cobranças estipuladas para os próximos anos.
Mas que a cidade pode vir a não cumprir, não é?
Mas o desgaste político que se pagaria por abandonar essa estratégia seria altíssimo. Imagine São Paulo desertar do seu protagonismo no combate à crise climática. Não ter mais o que apresentar nos encontros mundiais e da ONU. Seja qual for o prefeito que vai entrar em 2013, vai manter isso. O que pode é aumentar ou diminuir o ritmo. O que pode aumentar? Eu sou defensor explícito da necessidade de restringir mais o uso do automóvel e da moto. Hoje, e não daqui a cinco anos.
Seria algo como o pedágio urbano?
Sim, o principal instrumento que se provou eficiente em Estocolmo, Cingapura e Londres, para citar só três exemplos, é o pedágio urbano para automóveis e motos. O transporte individual tem de pagar mais para usar a cidade.
Aqui o custo político disso impede que seja implementado?
O custo político depende do debate democrático. O problema é que ninguém quer debater. Eu tenho de ter a coragem e a chance de explicar por que isso é importante e necessário. Se eu convencer, mostrar a gravidade da crise climática, se eu mostrar a eficácia desse instrumento hoje, para melhorar tanto a saúde pública como a saúde do planeta, tenho confiança de que o povo vai apoiar. O problema é que os políticos não querem nem conversar. “Ah, vamos esperar ter uma rede de metrô de 300 quilômetros antes!”
Mas nem nesta gestão (Gilberto) Kassab, não é, secretário?
Sim, todos os candidatos! Na eleição anterior tínhamos Marta Suplicy, Kassab, (Geraldo) Alckmin e (Paulo) Maluf. Os quatro candidatos principais, que receberam 95% dos votos, prometeram ao povo que não iam fazer pedágio. Então, neste governo não tem mesmo que fazer. Porque o povo votou maciçamente contra o pedágio. Seria um ditador, um autocrata, se implantasse pedágio neste governo. O que quero é começar a discutir esse assunto para os próximos governos.
Com isso o senhor quer dizer que a mudança sempre tem que partir da população, e não dos governos?
Tem que começar pelo diálogo, pelo debate com a população. Tem que mostrar a realidade a ela. Que a crise é muito mais grave e quem vai pagar mais é o povo pobre. Quando você implanta o pedágio, de cara diminui 15% do tráfego de motos e automóveis. Na hora! Mostrando que tinha jeito de se adaptar. Hoje, o transporte individual impede os ônibus de exercer todo o seu potencial. Esses 15 mil ônibus que tenho, com o alivio de 15% a menos, vão transportar muito mais gente sem nem precisar investir em aumento de frota! E, com o pedágio, ainda terei dinheiro extra para implantar corredores de verdade, para o metrô, para comprar trólebus. E por que não aumentar o orçamento para fazer isso agora? Porque esse dinheiro está direcionado à educação e à saúde, não tem como tirar de lá para pôr em transporte. O dinheiro extra tem de vir do usuário de automóvel e da moto.
Todas essas discussões ambientais devem ter uma força maior nas eleições municipais deste ano?
Não posso avaliar, porque nenhum dos pré-candidatos apresentou proposta nenhuma sobre nada.
Não apresentaram, mas existe uma tendência de que apresentem?
Vamos esperar mais um pouco.[:en]
Mais que a voz, o gravador registra o terrível ruído das ruas que invade as janelas da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, localizada em um pedaço da cidade de São Paulo esperançosamente chamado de Paraíso. Mas o secretário Eduardo Jorge Martins Alves Sobrinho [1] quer que o mundo escute: as cidades podem e devem fazer parte da governança global. “Nós queremos governar também” é a mensagem que as cidades vão levar para a Rio+20, aproveitando que a pauta da governança estará em evidência. Já sobre o assunto eleições municipais, Eduardo Jorge prefere calar-se: de antemão, avisa que não falará sobre a suposta candidatura pelo seu partido, o PV. Ao mesmo tempo, reconhece a gravidade dos problemas socioambientais que a megacidade enfrenta, da mobilidade à gestão de lixo, da habitação ao desrespeito às áreas de proteção ambiental.“Temos todos os defeitos e virtudes desse capitalismo que se implantou no Brasil.” Nesta entrevista concedida no fim de março, relata os desafios de transversalizar o meio ambiente nas demais secretarias e conta por que chama o secretário de Transportes de “meu herói”.
[1] Médico sanitarista, é Secretário do Verde e do Meio Ambiente do município de São Paulo, desde 2005. Nas gestões de Marta Suplicy e Luiza Erundina, secretariou as pastas da Saúde. Já foi deputado estadual e federal pelo PT
Como o município de São Paulo está se preparando para a Rio+20? Que tipo de oportunidades vê com a conferência?
São Paulo começou a se preparar com uma conferência grande que realizou aqui no ano passado, a da C-40, entidade voltada para o meio ambiente que reúne as 40 maiores cidades do mundo. Fazemos parte da executiva e organizamos o terceiro encontro mundial com mais de 1.500 participantes, sendo 600 de outros países, no qual se discutiu o protagonismo que as cidades têm de ter nesse assunto. O que o C-40 vai levar para a Rio+20 é a tese de que as cidades devem fazer parte da governança global, em particular da mudança climática.
Em segundo lugar, São Paulo está ajudando a organizar em Belo Horizonte o encontro mundial do Iclei, outra entidade da qual fazemos parte da executiva desde 2005, e que reúne 1.200 cidades do mundo inteiro – grandes, médias e pequenas. Em terceiro, estamos organizando um encontro grande aqui no Memorial da América Latina, para 3 mil a 4 mil pessoas, junto com a Câmara Municipal e com a cidade do Rio de Janeiro, para uma produção mais limpa. Além disso, a pedido da cidade do Rio, temos participado da organização do encontro paralelo de cidades que haverá durante a Rio+20. É obrigação de uma cidade nacional e mundial como São Paulo ajudar o Rio de Janeiro.
Quanto ao que a cidade vai fazer para que a Rio+20 seja um sucesso, é mostrar o que está fazendo. Essa é a questão mais importante, porque você tem que falar e fazer de forma coerente. São Paulo foi praticamente a primeira cidade do Brasil que resolveu, em 2005, tomar o aquecimento global como elemento de planejamento de todas as suas políticas e programas – e isso está ajudando as outras cidades do Brasil.
Vamos mostrar que as cidades, no mundo inteiro, podem e devem participar da governança nacional e mundial na questão do meio ambiente. Mas hoje não têm nenhum papel oficial, institucional. Não são reconhecidas nem pela ONU nem pelos governos nacionais como protagonistas importantes no combate à mudança do clima.
O que esses encontros todos, como o do C-40 e do Iclei, trazem em termos práticos?
São Paulo avançou muito de 2005 pra cá, porque nesses encontros as cidades debatem o que estão fazendo, trocam informações, ajudam umas às outras, levantam parcerias com fundações. O Banco Mundial abriu uma linha de financiamento pela primeira vez direcionada para cidades. Antes, sempre tinha de passar pelas bênçãos do governo nacional. Isso é resultado da articulação do C-40.
Qual é a importância política dessa articulação em nível local para tratar de temas globais?
Não existe hoje, principalmente em meio ambiente, tema que seja global somente, ou local somente. Não tem essa separação. Hoje, a pauta-mãe, que é o combate à mudança climática, é global e local ao mesmo tempo. O que existe é a exclusão das cidades da governança. Por isso, quando a ONU propõe que se discuta economia verde e governança, o C-40 e o Iclei dizem: “Nós queremos governar também. Queremos ter um papel tanto no nível regional como no mundial”.
Já existe alguma proposta nesse sentido?
Isso vai depender da própria estrutura de governança que será montada em nível mundial. Porque a pauta “governança” é o reconhecimento da ONU de que a governança mundial em relação ao meio ambiente é fraca, insuficiente. Precisa subir de patamar. A posição de São Paulo em relação a isso é que a governança mundial tem de colocar o meio ambiente no mesmo patamar da estrutura que cuida da segurança, da que cuida da economia e da que cuida do social. Coerentemente com o conceito de desenvolvimento sustentável, que possui os três pilares – social, econômico e ambiental –, está na hora de a ONU fazer o que ela prega. E aí agrego segurança, porque na ONU a comissão de segurança tem um poder tremendo, herdado ainda do pós-guerra, de 1945. Nessa estrutura que vai nascer – espero – é que as cidades vão se encaixar. Elas querem ter um diálogo direto.
Qual é a importância dessa governança? Sem os municípios, as ações não se implementam?
Os municípios têm uma vantagem em relação ao governo nacional na questão da urgência e da acessibilidade dos cidadãos, das associações, dos empresários, dos comerciantes em relação a esse nível de poder. A relação é muito mais direta da pessoa, da dona de casa, do sindicato, com o prefeito. Aqui, a pessoa bate na porta da prefeitura. Os problemas estão no colo do prefeito. Na Comunidade Europeia, fala-se no princípio da “subsidiariedade”, que quer dizer o seguinte: baseada em normas de governança democraticamente construídas de forma global, tudo o que puder ser feito em nível local deve ser feito, com a cor local, com a cultura local. Esse é um princípio extraordinário. Há uma discussão global, de algumas normas, mas a aplicação é feita no nível local, com o ritmo e com a importância que o local dá àquelas normas. Isso deveria ser levado em conta no nosso país.
Para isso, uma reivindicação básica é que os municípios precisam ter mais recursos para trabalhar com meio ambiente. Porque o Sisnama (Sistema Nacional do Meio Ambiente) hoje não prevê nenhuma estrutura efetiva de apoio de recursos federais – que concentra a maior parte dos recursos arrecadados no Brasil – para ampliar sua estrutura local de fiscalização de licenciamento, de reação a desastres climáticos. Então Brasília tem que sentar e discutir com as cidades. As cidades são a linha de frente. São a vanguarda no enfrentamento da crise climática e na implantação do desenvolvimento sustentável – mas têm que ter recursos.
Brasília tem que repassar recursos pra gente, como é feito com o Sistema Único de Saúde (SUS). Os recursos são federais, estaduais e municipais, mas quem carrega, toca, conserta o piano são as secretarias municipais de saúde. E hoje com qual fonte de recurso que uma secretaria municipal de meio ambiente do Recife, de Porto Alegre, de Catolé do Rocha conta? Isso quando existe secretaria municipal de meio ambiente. Como Brasília não pode dar conta do Amapá ao Rio Grande do Sul, o Sisnama fica capenga, fica caolho, não sabe o que acontece no interior dos municípios.
Ao mesmo tempo que São Paulo se mostra como vanguarda capaz de liderar mudanças – como na questão das emissões –, a cidade vive um agravamento de problemas relacionados à mobilidade urbana, à gestão de resíduos e reciclagem de lixo, aumento das tarifas de ônibus, falta de moradia, necessidade de buscar água mais longe etc. A cidade está ficando mais insustentável?
Você coloca os problemas que realmente existem em uma cidade nacional e em uma cidade que será a mais importante do Hemisfério Sul nas próximas décadas. Isso vai se confirmar: será a mais dinâmica, a mais articulada. Essa cidade-país de 11 milhões de habitantes, que seria o 39º país em PIB, tem problemas gigantescos. Sim, claro, porque São Paulo foi o cérebro, o coração, o pulmão da implantação do capitalismo no Brasil. Tudo o que aconteceu para o bem e para o mal nessa implantação tem a ver com a liderança daqui. Portanto, temos todos os defeitos e virtudes desse capitalismo que se implantou no Brasil. Um marco importante foi o Juscelino (Kubitschek), que prometeu fazer 50 anos em 5. E fez. Fez escolhas em 5 anos que influenciaram os 50 anos seguintes. Escolheu um desenvolvimento dependente do petróleo. E estamos colhendo isso, para o bem e para o mal.
Hoje há uma consciência do desenvolvimento sustentável no século XXI que não existia no século XX, nem no capitalismo americano nem no socialismo soviético, irmãos siameses no desprezo ao meio ambiente – e o Brasil não foi exceção, pois estava metido nessa Guerra Fria. Agora que há essa consciência – recentíssima, formalmente lançada na Rio 92 –, São Paulo tem que se repensar, redirecionar essa economia e ainda corrigir todos os erros do século XX. Não é pouca coisa. O importante é começar. Daí o marco que foi este governo iniciado em 2005, por meio de duas decisões, com o objetivo de colocar São Paulo como liderança no desenvolvimento sustentável e no combate ao aquecimento global.
Uma delas é que o desenvolvimento sustentável passa a atravessar o planejamento e as políticas públicas de maneira geral. A orientação do prefeito é que os outros secretários ouçam isso. Você sabe que o regime político brasileiro é um presidencialismo semi-imperial – em Brasília, nos governos de estado e nos municipais. Eles têm um poder desmedido. Só o parlamentarismo vai curar esse desvio messiânico e despolitizador, mas isso é outra história. Então, tem um peso fundamental o fato de o prefeito eleito democraticamente falar aos secretários de Transporte, de Saúde, de Educação, de Obras: “Ouçam o que o meio ambiente vai dizer a vocês e readaptem seus programas e seus projetos”.
Isso aconteceu mesmo?
A partir de 2005. A segunda decisão foi que reconhecer que o aquecimento global é verdade e é a questão mais grave que ameaça a humanidade. Lembre que em 2005 isso não era óbvio. O presidente Bush dizia que isso era mentira e o primeiro-ministro do Partido Comunista chinês fazia ouvidos moucos. Estive em janeiro de 2005, logo após a posse, no encontro do conselho do fundo climático nacional. Cinco ministros na mesa, Palácio do Planalto, plateia de 60 a 70 pessoas. Qual era o discurso? “Essa história de crise climática é problema do Anexo 1 (composto pelos países desenvolvidos). Eles que criaram o problema, eles que se virem.” Os mais entusiasmados chegavam a dizer que isso era mais uma nova invenção do imperialismo para prejudicar nosso desenvolvimento, agora que o Brasil se preparava para acelerar.
Ainda se ouve esse discurso por aí…
Esse discurso, que é de um nacionalismo reacionário, chauvinista, tacanho, era feito dentro do Palácio do Planalto com cinco ministros e nenhum ministro desmentia. Eu fiquei chocado! Voltei aqui, discutimos muito isso na prefeitura: o que a gente vai fazer? Brasília, dormindo em berço esplêndido… ou até de forma agressiva, querendo incentivar o uso de petróleo, tocar fogo nas florestas, era isso que estavam querendo dizer. O que São Paulo vai fazer? Vai fazer o seu dever de casa. Vai assumir seu papel local, nacional e mundial. Que isso sirva de exemplo para outras cidades, estados e até para Brasília. Aí vem a sua pergunta: claro que São Paulo tem tantos problemas, é a herança do capitalismo e dos 50 anos do JK. Também temos problemas de desrespeito às APPs (áreas de proteção permanente). De Blumenau ao Recife, isso foi desprezado solenemente em todo o País. Para as cidades, o Código Florestal nunca existiu e é por isso que os desastres climáticos batem fundo nas cidades, matam as pessoas.
Imagino que essa transversalidade de que o senhor fala não seja nada suave. Como faz para a pauta do meio ambiente entrar de fato nas demais secretarias?
Vamos pegar o caso do transporte, que é o principal vilão do aquecimento global. O bandido aqui é o secretário de Transportes, vamos dizer assim. De acordo com nosso inventário, 24% das emissões vêm do manejo do lixo e 75% vêm do uso da energia, do qual 90% é petróleo, ou seja, transporte. Ele herda a imprevidência e ignorância do passado, mas essa cruz está com ele. Você então chega no secretário de Transportes, que tem que administrar 15 mil ônibus e uma frota de 4 milhões de veículos privados e diz: “Vai mudar tudo, ordem do prefeito, porque agora é combate ao aquecimento global”. Arrisca o secretário te botar pra fora da sala. Com razão, porque o coitado está lá, com o povo todo cobrando para conseguir andar pela cidade e a imprensa falando mal dele todo dia.
Então, qual tem sido a tática do secretário de Transportes em relação à frota pública? Não vou nem falar dessa doença que é o automóvel privado e as motos, que são uma coisa criminosa, matando jovens. Os ônibus são 100% movidos a diesel, subsidiado para ajudar a indústria petrolífera, e exportando o custo para o sistema público de saúde pagar nos prontos-socorros, nas clínicas.
Externalizando.
É um termo econômico que parece uma coisa asséptica, né? Mas tem um resultado muito concreto: morre gente e fica gente doente, sofrendo, com o sistema respiratório, o circulatório. E isso não conta no preço do petróleo. Não tem preço perder uma pessoa na família porque a Petrobras empurra o diesel sujo nos ônibus brasileiros. Aqui em São Paulo precisou mudar três vezes o secretário, até que o atual, Marcelo Branco, reconhecesse que a pauta ambiental está em pé de igualdade com a questão da eficiência no transporte.
Os anteriores saíram por quê?
Porque, mesmo com a orientação do prefeito, não conseguiram mover essa estrutura opressiva brutal. Foi preciso nesses sete anos chegar no terceiro, para acumular experiência. Porque o secretário sozinho não governa, tem toda aquela massa de engenheiros, que se acham os melhores da América do Sul, todos formados na escola antiga, do diesel e do automóvel. Mas agora, aonde eu vou, em palestras do mundo inteiro, o secretário, de vilão, virou o mocinho. Eu digo a ele: “Marcelo Branco, você é meu herói!” Porque recebeu um raio quando estava andando no caminho de Damasco e se converteu (risos), passou de algoz a pregador do meio ambiente, assim como o apóstolo São Paulo.
E o que ele fez pra virar herói?
Ponto um: a decisão do prefeito, que ele está implementando, de acelerar o ritmo de implantação do metrô. O governo estadual realmente acelerou, e a Prefeitura está ajudando. Ponto dois: começar a mudar a matriz de energia dos ônibus. O Branco está provando que isso é possível: hoje ele comanda cinco ou seis experiências de saída do diesel. Ele está recuperando e retomando a frota de ônibus elétrico. A frota tinha 550 trólebus, era uma das maiores do mundo, mas o governo anterior vendeu a preço de banana.
Por quê?
Por causa do lobby do diesel, no Brasil inteiro. Qual é a cidade do Brasil que não resistiu a esse lobby e jogou fora a preço de banana seus trólebus maravilhosos, praticamente indestrutíveis? Acabou. Lobby da Petrobras. De dois anos pra cá, o Branco retomou a manutenção das fiações, que estavam há dez anos na mão da Eletropaulo, com manutenção zero. Claro que, com a fiação toda partida, o trólebus parava, o pessoal reclamava: “Olha a lata-velha, atrapalhando o trânsito”. De 550 trólebus, foram vendidos 350, a R$ 3 mil a R$ 4 mil, para virar sucata, e já tinha um edital para fevereiro de 2005 para vender os outros 200. Portanto, São Paulo ia seguir o rumo das outras cidades e ficar com zero, ia fazer o leilão. Foi preciso dizer que, se fizesse o leilão, o secretário de Meio Ambiente ia lá se agarrar na roda do trólebus. E esses 200 sobreviventes vieram se arrastando esses anos todos sem manutenção, até que, agora, a Secretaria de Transportes recuperou a fiação e começou a comprar trólebus novos, comprou 20 novos.
Veja que o Brasil foi um grande produtor de trólebus e vendia para outros países, e toda a fabricação foi desativada por esse lobby.
Os 200 já estão andando?
Sim, os velhinhos estão rodando, como disse, são indestrutíveis. E acabo de vir de uma reunião do planejamento e mandei um email apaixonado, porque o vi o trólebus novo, o novo! Um desses 20, é uma máquina maravilhosa, deslumbrante, moderníssima, é o campeão mundial de limpeza, tanto local como global. Na Europa, já estão na 3a ou 4a geração de trólebus. A posição do Branco, corretíssima, é o trólebus voltar para o corredor, como era na gestão Mario Covas. Além disso, o Branco começou a ter a primeira frota de ônibus de etanol do Brasil. O Brasil tem um programa muito importante, liderado pelo governo federal, orientado pelo Procon, em relação à frota privada, para usar etanol. Mas você não acha muito estranho que justamente na frota mais importante, que é a do transporte público, o Brasil tem zero ônibus a etanol? Enquanto a Suécia importa nosso etanol para mover 80% da frota de Estocolmo? De novo, por causa do lobby da Petrobrás.
Mas a Petrobrás também oferece etanol.
Sim, ela foi obrigada a entrar nesse jogo. O xodó da Petrobras é petróleo, ainda mais com o pré-sal. O etanol é o Patinho Feio lá. Então São Paulo fez um convênio com a Suécia, com a USP, com a Unica, e a gente está com os 60 primeiros ônibus a etanol do Brasil rodando desde o ano passado. É uma frota ainda pequena, mas vamos aumentar. Vão abrir caminho para outros. Outro ponto: o Branco está expandindo o uso de biodiesel para 20%. O biodiesel é tido como um ovo de Colombo, mas o que não se diz é que a proporção é de 5% para 95% de diesel sujo. O percentual seguro no mix, para que não leve a outras emissões prejudiciais, hoje é 20%. Então estamos com 1.400 ônibus há um ano rodando a 20%. Aumentei quatro vezes. E mais outro ponto: a cidade de São Paulo começou uma experiência com uma empresa americana para usar o diesel da cana, que é em tudo semelhante ao diesel de petróleo. O motor aceita o diesel da cana como se fosse o outro. A grande vantagem disso é que não preciso mudar nada. O ônibus a etanol precisa ser adaptado; o elétrico requer uma máquina diferente; e o a hidrogênio, os híbridos, são outros tipos, e requerem investimento maior. Se essa experiência quase revolucionária der certo, eu ponho no antigo. Então preciso dar escala de produção a essa experiência que São Paulo vem fazendo há um ano, com muito bom resultado. A eficiência energética dela é perfeita. E, com a redução do preço pelo ganho de escala, você vai ter uma contribuição a mais.
Porque em nenhum lugar do mundo haverá uma única matriz para substituir o petróleo, é preciso ter várias experiências. O prazo que temos – porque o nosso governo vai acabar, graças a Deus, oito anos já é muito tempo governando – é a meta que está na primeira lei climática aprovada no Brasil, em junho de 2009. Essa lei nossa é muito clara: temos que sair do diesel em 2018. Toda essa movimentação é para deixar uma herança ao governo que vem aí em 2013, mostrando que existe vida inteligente na engenharia brasileira.
Então dou esses exemplos só nessa área mais difícil, que é a da mitigação nos transportes. Poderia falar do lixo, da inspeção veicular, do urbanismo. O conceito da cidade compacta fomos nós que trouxemos ao Brasil, ocupar o centro em vez de crescer nos mananciais, nas APPs. Isso tudo é mitigação. Mas tem também o lado B: a adaptação, de que ninguém nunca fala. Nesses encontros internacionais, o Hemisfério Norte, que tem uma capacidade maior de resposta, não fala em adaptação. Quem tem que botar a boca no trombone somos nós, que moramos ao longo do Equador, porque para nós a mudança climática já chegou.
De todas as ações de adaptação em São Paulo, como plantio de 200 mil árvores por ano, criação de parques, o programa de parques lineares etc., a mais importante é o mapeamento das áreas de risco, com reurbanização de favelas e redirecionamento para habitação segura. Só em barrancos e topos de morro temos 100 mil famílias mapeadas. É um trabalho comandado pela Secretaria de Habitação.
Como fazer para que esses avanços todos na área de mitigação e adaptação não se percam com a mudança de governo, assim como aconteceu com os trólebus no passado?
Em primeiro lugar, o nível de consciência da opinião pública local, nacional e mundial é muito diferente da de dez anos atrás. Não é ainda o nível de cobrança suficiente, porque a mudança tem que ser muito maior. A gravidade do problema do aquecimento global ainda não bateu fundo na opinião pública, nem nos governantes. É muito mais grave do que a presidenta Dilma, a dona Maria de Guaianazes e o Eike Batista sabem. Mas, mesmo assim, o nível de consciência da Dilma, da dona Maria e do Eike Batista é muito maior do que antes.
Em segundo, é que São Paulo tem uma lei climática, com metas e cobranças estipuladas para os próximos anos.
Mas que a cidade pode vir a não cumprir, não é?
Mas o desgaste político que se pagaria por abandonar essa estratégia seria altíssimo. Imagine São Paulo desertar do seu protagonismo no combate à crise climática. Não ter mais o que apresentar nos encontros mundiais e da ONU. Seja qual for o prefeito que vai entrar em 2013, vai manter isso. O que pode é aumentar ou diminuir o ritmo. O que pode aumentar? Eu sou defensor explícito da necessidade de restringir mais o uso do automóvel e da moto. Hoje, e não daqui a cinco anos.
Seria algo como o pedágio urbano?
Sim, o principal instrumento que se provou eficiente em Estocolmo, Cingapura e Londres, para citar só três exemplos, é o pedágio urbano para automóveis e motos. O transporte individual tem de pagar mais para usar a cidade.
Aqui o custo político disso impede que seja implementado?
O custo político depende do debate democrático. O problema é que ninguém quer debater. Eu tenho de ter a coragem e a chance de explicar por que isso é importante e necessário. Se eu convencer, mostrar a gravidade da crise climática, se eu mostrar a eficácia desse instrumento hoje, para melhorar tanto a saúde pública como a saúde do planeta, tenho confiança de que o povo vai apoiar. O problema é que os políticos não querem nem conversar. “Ah, vamos esperar ter uma rede de metrô de 300 quilômetros antes!”
Mas nem nesta gestão (Gilberto) Kassab, não é, secretário?
Sim, todos os candidatos! Na eleição anterior tínhamos Marta Suplicy, Kassab, (Geraldo) Alckmin e (Paulo) Maluf. Os quatro candidatos principais, que receberam 95% dos votos, prometeram ao povo que não iam fazer pedágio. Então, neste governo não tem mesmo que fazer. Porque o povo votou maciçamente contra o pedágio. Seria um ditador, um autocrata, se implantasse pedágio neste governo. O que quero é começar a discutir esse assunto para os próximos governos.
Com isso o senhor quer dizer que a mudança sempre tem que partir da população, e não dos governos?
Tem que começar pelo diálogo, pelo debate com a população. Tem que mostrar a realidade a ela. Que a crise é muito mais grave e quem vai pagar mais é o povo pobre. Quando você implanta o pedágio, de cara diminui 15% do tráfego de motos e automóveis. Na hora! Mostrando que tinha jeito de se adaptar. Hoje, o transporte individual impede os ônibus de exercer todo o seu potencial. Esses 15 mil ônibus que tenho, com o alivio de 15% a menos, vão transportar muito mais gente sem nem precisar investir em aumento de frota! E, com o pedágio, ainda terei dinheiro extra para implantar corredores de verdade, para o metrô, para comprar trólebus. E por que não aumentar o orçamento para fazer isso agora? Porque esse dinheiro está direcionado à educação e à saúde, não tem como tirar de lá para pôr em transporte. O dinheiro extra tem de vir do usuário de automóvel e da moto.
Todas essas discussões ambientais devem ter uma força maior nas eleições municipais deste ano?
Não posso avaliar, porque nenhum dos pré-candidatos apresentou proposta nenhuma sobre nada.
Não apresentaram, mas existe uma tendência de que apresentem?
Vamos esperar mais um pouco.