A menos de um mês do início da cobrança do imposto sobre o carbono aprovado no ano passado, a Austrália comemorou dias atrás 20 anos de uma decisão que, assim como espera-se que o imposto venha a fazer, transformou o país.
Em 3 de junho de 1992, a Suprema Corte australiana decidiu em favor de Eddie Mabo, um nativo das Ilhas do Estreito de Torres que ousou recorrer à Justiça quando descobriu não ser o proprietário das terras onde seus antepassados viveram por milênios. A decisão reverteu um dos aspectos mais negros da história australiana, a desapropriação dos primeiros habitantes do continente, e revolucionou as relações sociais. Mas não sem antes causar um terremoto político, recheado de previsões de colapso econômico.
A aposta de ambientalistas e economistas ecológicos é de que o imposto sobre o carbono também cause uma revolução – dessa vez nas relações econômicas –, criando uma experiência que poderá incentivar outros países a dar um preço para o carbono. Mas assim como no caso Mabo, o novo imposto gera histeria e acusações de que levará ao “armageddon econômico”.
Eddie Mabo cresceu acreditando que era dono das terras ocupadas por gerações de antepassados. O contato com pesquisadores da universidade onde trabalhava como jardineiro o levou a descobrir que o homem branco, ao desembarcar na Austrália no século XVII, decretou o continente terra nullius, ou desabitado. Perante a lei que se estabeleceu na colônia, os aborígines foram destituídos de suas terras.
Mabo decidiu levar a questão à Justiça e o caso se arrastou por 10 anos. Ele morreu cinco meses antes da sentença da Suprema Corte, mas a decisão ficou conhecida com o seu nome. Ao reverter o conceito de terra nullius, os juízes instituíram a noção de título nativo, garantindo os direitos de grupos aborígines capazes de provar sua conexão com a terra por meio de costumes e tradições.
O que se seguiu foi uma batalha política para regulamentar a decisão da corte, com forte oposição ao conceito de título nativo por parte dos estados e dos setores de mineração e agropecuária. Tim Fischer, líder do Partido Nacional – então na oposição ao primeiro-ministro trabalhista Paul Keating – levantou a voz em nome dos que viam no reconhecimento dos direitos dos povos tradicionais uma ameaça ao status quo. “O caso Mabo tem a capacidade de colocar um freio nos investimentos na Austrália, de quebrar a economia australiana, de desintegrar a Austrália”. A maioria dos australianos se declarava contra a instituição do título nativo.
Vinte anos depois, a Austrália continua sendo um só país, e sua economia atualmente é a mais forte dentre os países desenvolvidos. Desde a decisão da Corte, 140 casos foram bem sucedidos em estabelecer o título da terra para populações tradicionais – centenas ainda estão em análise – e 17% do território australiano está sob título nativo. A legislação que resultou do caso Mabo tem falhas – não permite, por exemplo, que as populações vetem o estabelecimento de atividades econômicas em suas terras –, mas hoje a relação com comunidades aborígines é business as usual para mineradores, agricultores ou qualquer empreendimento que venha a se estabelecer em terras sob título nativo.
A três semanas do início da cobrança do imposto sobre o carbono – em 1o de julho –, uma pesquisa indicou que 63% dos australianos são contrários à introdução de um preço fixo para o carbono. E os políticos não perdem a chance de antever o caos. Tony Abbott, líder da oposição ao governo trabalhista de Julia Gillard, disse que a indústria do carvão vai morrer e previu a destruição de municípios mineradores e de milhares de empregos assim que o imposto entre em vigor. “Vai doer a partir do primeiro dia, e à medida em que o tempo passar, vai ficar pior, pior e pior”, disse, comparando a nova taxa ao abraço de uma serpente constritora.
Enquanto a verborragia rola solta, algumas empresas dizem reconhecer que o assunto veio para ficar. Vai ser interessante acompanhar, nos anos que virão, o que o imposto sobre o carbono realmente trará para a economia australiana.