Competição entre condomínios agita moradores com uma atraente campanha de economia de água
Sempre existe gente espiando a vida do vizinho. Só que algumas pessoas na cidade de São Paulo estão, agora, mais interessadas em saber o tempo que ele
leva para fazer a barba do que se está de namorada nova. Pelo menos é assim para os participantes da “Disputa de Condomínios” que premiará o conjunto residencial que economizar a maior quantidade de água durante junho e julho.
A competição, fruto de parceria entre a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e a agência Sagarana Comunicação, começou entre 15 condomínios no bairro de Moema, na Zona Sul paulistana. No total, serão três mil pessoas imbuídas da tarefa de fechar as torneiras. Há expectativa de ampliar a iniciativa para outros bairros em breve.
O objetivo da campanha é promover a reeducação de velhos hábitos de consumo de água, sem que isso pareça uma obrigação ou imposição. Criar uma competição foi uma saída criativa para fugir do discurso simplista “feche a torneira para escovar os dentes”, que todos já ouviram ao menos uma vez na vida. “Um jogo envolvendo vizinhos que às vezes nem se conhecem cria expectativa e um clima de competição saudável. E vai impactar de forma positiva para todos. Quem não gosta de jogar e ganhar?”, diz Guilherme Stella, sócio-diretor da Sagarana.
Unir todo o condomínio é importante, principalmente naqueles em que a conta de água é coletiva. Quem mora sozinho paga o mesmo valor que uma casa de cinco pessoas na maioria dos prédios hoje de São Paulo. “As pessoas não percebem o valor da água, tanto em termos econômicos quanto de consumo. Isso gera a sensação de que, se só você economizar, será em vão”, explica Marcelo Morgado, assessor de meio ambiente da presidência da Sabesp.
Para alcançar esse nível de mobilização, a primeira etapa da gincana reúne todos os “jogadores” – de moradores a funcionários – em uma série de palestras. Cada um recebe também uma cartilha com informações e dicas direcionadas a cada tipo de rotina. Para os zeladores, por exemplo, é explicado como detectar vazamentos nas tubulações. As cartilhas podem ser baixada em no site da Sabesp.
Trabalhadores domésticos são incentivados a usar a água da máquina de lavar roupas na limpeza do chão. Essas lavadoras trazem praticidade para a vida, mas são um exemplo do alto consumo de água. Uma máquina com capacidade de 5 quilos precisa de 135 litros de água por lavagem. Se for usada todos os dias, são quase mil litros no fim de uma semana. Nesse caso, a dica é lotar ao máximo a máquina e tentar usá-la três vezes por semana.
Durante os meses de junho e julho será feita a medição do consumo para comparação com os valores do mesmo período em 2011. A leitura será per capita, para ser justo para todos. O condomínio vencedor vai ganhar a instalação de kits com torneiras, chuveiros e descargas com tecnologias que reduzem em até 50% a necessidade de consumo de água. Os organizadores da competição acreditam que essa será uma forma estimular ainda mais o uso racional da água, além de premiar a “equipe” que compreendeu o valor do recurso hídrico.
A campanha não quer promover a economia da água simplesmente, mas, sim, a racionalização do consumo de forma consciente. “Ao ouvir que deve economizar, o consumidor entende como algo negativo, de privação. E usar menos água não significa abrir mão dos hábitos de higiene”, diz Stella.
Colocar na disputa três mil pessoas em uma cidade com mais de 11 milhões de habitantes é uma gota nos reservatórios urbanos, mas tem efeito significativo: 85% da água consumida na Região Metropolitana de São Paulo é de uso doméstico. E cada cidadão empenhado em combater o desperdício representa um ganho que faz a diferença quando somados os esforços.
Uma pessoa que troca o tempo debaixo do chuveiro de 15 para 5 minutos deixa de gastar 160 litros de água por banho. Em um ano, são 120 mil litros a menos, que representam uma redução na conta em R$ 167. Se isso for feito por 50 mil pessoas em uma cidade de 100 mil habitantes ao longo de um ano, a água economizada seria suficiente para abastecer a cidade toda por sete meses.
Apesar do senso comum de que o Brasil é um país abundante em recursos hídricos, a média de água disponível na Região Metropolitana de São Paulo é de 200 metros cúbicos por ano para cada habitante, o equivalente a 20 caminhões-pipa. É menor do que o recomendado pela ONU, de 2.500 metros cúbicos, ou 250 caminhões-pipas. “É preciso acabar com a cultura de água sobrando, de limpar calçada com a água da mangueira, por exemplo. Nos países desenvolvidos, só se limpa a calçada com a vassoura e não jogando água. Isso, aliás, é um problema para os bueiros, que entopem”, diz Morgado.
Hoje, 55% da água que abastece a cidade vêm do Sistema Cantareira, no interior do Estado, ao norte da região metropolitana. Isso requer uma logística de transporte e distribuição complexa e cara. O uso racional da água é importante para que a viagem do recurso, os gastos energéticos e os custos financeiros não tenham sido em vão.