Só pode ser ironia adjetivar de feliz o período mais insuportável do ano. E ainda desejar isso a quem se gosta.
Nada contra o Natal em si, festa religiosa que eu curtia muito quando criança, em férias, no interior de Goiás. Incrível ficar acordada até tão tarde, em noite estrelada, esperando a missa do galo acabar para depois me esbaldar na ceia, brincar com os primos e abraçar minha avó. Nada de muitos presentes. Uma boneca e pronto. Aquela boneca seria amada pelo ano seguinte inteiro ou até bem mais. Cada coisa com um valor muito especial, único.
Nada parecido com a insanidade que há tempos veio usurpar essa felicidade tão singela. O arsenal é extenso. Neve artificial, confraternização na “firma”, cumprimentos falsos, festinhas sem-graça, congestionamentos mega, obrigação de dar presentes, lojas lotadas, decorações breguérrimas por todos os lados, propaganda ostensiva e o desespero para que esse aumento de atividade no comércio alivie as contas de uma economia arrasada pela crise global. Ainda que às custas do bolso do consumidor iludido, que terá de se virar para saldar as dívidas quando janeiro chegar.
E tudo isso quando as pessoas já estão “à tampa” de tanto trabalhar o ano todo, com acúmulo de tensões e cansaço. Pergunto: a maioria das pessoas realmente quer isso? Ou entra na onda porque todo mundo age assim? Virou obrigação ou mesmo algo automático, que se segue por inércia? Ditada por quem? Desta vez não é a Igreja a responsável, mas sim a ditadura do consumo pelo consumo. Nada a ver com “Natal” e muito menos com “feliz”.
Difícil escolher o que é o pior de tudo aqui elencado. Arrisco dizer que seja a decoração natalina. É o que mais ofende. A estética é a maneira de comunicar, por meio da emoção, a ética. Toda estética revela uma ética. E essa estética do Natal é muito, muito brega. Em outras palavras, falsa. Quer mostrar uma coisa que não é de fato. É fake, é artificial, é pró-forma. Talvez por isso ofenda tanto, pois vai na contramão do que se espera para um período desse tipo, muito mais introspectivo, contemplativo e reflexivo.
Mas bom que haja alguma luz, e não luzinhas piscantes. Presa em um congestionamento naquela rua absolutamente irreal de São Paulo, que ostenta lojas com carros de luxo amarrados com laços vermelhos gigantes – a Rua Colômbia – pude ler uma frase escrita à mão em uma lixeira amarrada a um poste: “Jogue aqui sua futilidade”. Isso sim é ironia das boas, intervenção precisa naquele ambiente.
Bem mais adiante, presa em mais engarrafamento, em meio ao mar de carros e caminhões, deu para ler no parachoque uma outra frase, esta bem menos lúcida: “Deus quer que seja assim”.
Não, tenho certeza que ele não quer. A gente é que se rendeu. Mas está na hora de engrossar um movimento.
Abaixo essa ditadura.
*Post originalmente publicado no Terra Magazine