A Coca-Cola optou pelo litígio e acabou com quase um país inteiro contra si. No cerne da questão, a reciclagem. O país, a Austrália.
Na última segunda-feira, a empresa saiu vitoriosa em um processo contra o governo do Northern Territory, território federal australiano, e seu esquema de cash-for-containers, ou depósito-e-reembolso sobre vasilhames.
Em vigor em vários países e no estado de South Australia, o sistema de depósito-e-reembolso visa aumentar as taxas de reciclagem de latas de alumínio, garrafas PET e outros contêineres usados pela indústria de bebidas. Funciona assim: o valor do depósito é adicionado ao produto e pode-se obter o reembolso ao retornar o contêiner depois de consumir o produto.
O sistema visa incentivar determinado comportamento – a reciclagem – via um instrumento de mercado. Ironicamente, as grandes corporações, pilares do sistema de mercado, rejeitam o esquema, que dizem ser “injusto” com o consumidor. A Coca Cola e outras empresas sugerem que os governos aumentem a quantidade de latas de lixo separadas – um para reciclagem outro para lixo comum – nas áreas públicas.
Muitos australianos discordam da Coca Cola. Tanto que milhares aderiram à campanha Out of Order que, desde a decisão da Justiça sobre a o esquema do Northern Territory, tem colado avisos de “fora de funcionamento” em máquinas de venda automática de bebidas ao redor do país.
A campanha questiona corporações que se dizem socialmente responsáveis e pressiona para que assumam parte da responsabilidade pelos rejeitos gerados pelo consumo de seus produtos. “Você pode influenciar a Coca Cola”, dizem os organizadores. “Não compre seus produtos até que a empresa seja ética e responsável”.
A Out of Order é uma de várias campanhas ligadas ao cash-for-containers, política que conta com o apoio da grande maioria dos australianos, mas que há décadas não consegue sair do papel em vários estados do país graças ao lobby corporativo.
Após a decisão da Justiça, o Greenpeace levantou dinheiro junto a pessoas físicas para publicar, nos jornais de maior circulação na Austrália, um anúncio mostrando o cadáver de um pássaro repleto de plástico.
A página da Coca Cola Australia no Facebook foi inundada de comentários de cidadãos revoltados com a postura da empresa.
Em um programa veiculado em 2011 pela rádio pública australiana, um representante da empresa disse que o cash-for-containers, além de transformar consumidores em catadores, é um “esquema caro para alcançar um resultado ambiental limitado”.
Em South Australia, entretanto, o esquema resultou no retorno de 80 a 85% de todos os contêineres em circulação e gerou oportunidades de negócios, uma cultura de reciclagem e empregos. Iniciado na década de 70, é o único em vigor na Austrália atualmente.
A Coca Cola obteve a vitória na Justiça ao apelar para uma lei que determina que se um produto é considerado legal para venda em um estado, deve ter o mesmo tratamento em outros estados. O esquema de South Australia opera sob uma exceção da lei. Após a decisão, o Partido Verde prometeu apresentar projeto ao Parlamento para que o esquema de cash-for-containers seja adotado nacionalmente.
Diante da revolta dos consumidores, a associação das empresas do setor de bebidas anunciou investimentos de A$ 5 milhões em cinco anos para melhorar os centros de reciclagem de cidades do Northern Territory.
A Coca Cola conseguiu rejeitar o custo de colaborar com as autoridades e os cidadãos do Northern Territory. Agora provavelmente vai descobrir o quanto essa rejeição custará à reputação da empresa.