Somente o alcance de recursos financeiros adicionais demonstraria avanço real nas iniciativas de adaptação para além do que já se caracterizou como uma rotina de políticas públicas nacionais
É plausível afirmar que os investimentos em projetos de adaptação à mudança climática são ínfimos, dada a magnitude dos impactos que alguns eventos extremos, como furacões e elevação do nível dos oceanos, podem vir a provocar na economia. Entretanto, não mente quem diz que os recursos financeiros para conter os efeitos perversos do aquecimento global já estão por toda parte, ainda que não carreguem a etiqueta da adaptação. Em meio a essa aparente contradição que ainda permeia o tema do financiamento para a adaptação no Brasil – possível reflexo das incertezas típicas das novas agendas –, uma coisa é certa: se prevalecer a inação, o custo será alto e virá com juros.
Uma questão meramente conceitual ajuda a alimentar a contradição nessa seara das finanças para adaptação. Existe, inclusive, uma série de políticas públicas históricas contribuindo para projetos dessa natureza. É o caso do combate aos efeitos da seca no Nordeste, das medidas de prevenção de tragédias em regiões serranas e costeiras, do combate às enchentes em rios que cortam grandes cidades. Há também iniciativas como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, (Pronaf) e o Fundo Clima – que financia a juros reduzidos projetos de mitigação e adaptação à mudança climática –, ambos operados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Visto por esse ângulo, o País estaria atuante, uma vez que aloca investimentos que concorrem fortemente para a adaptação. No entanto, há também um entendimento de que a adaptação, stricto sensu, requer medidas profundas e estruturais, capazes de aumentar e fortalecer a resiliência de ecossistemas e das populações mais vulneráveis. Nesse caso, somente o aporte de recursos financeiros adicionais – dinheiro novo – demonstraria avanço real nas iniciativas de adaptação para além do que já se caracterizou como uma rotina de políticas públicas nacionais.
Para o coordenador do Programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF, Carlos Rittl, o Brasil ainda não acordou plenamente para a necessidade de investimentos em adaptação, apesar dos sustos provocados pela sequência de eventos extremos ao longo da última década – desde o “Catarina”, em 2004, o primeiro furacão registrado no Atlântico Sul, até as duas últimas secas na Região Amazônica [1]. Para Rittl, o Brasil ainda atua de maneira emergencial, “apagando incêndios”, e deixando de lado o aumento da resiliência. Os principais planos de desenvolvimento no País ainda seriam baseados em modelos tradicionais, que não incorporam a variável de mudança climática, seja do ponto de vista de redução de emissões, seja de adaptação.
[1] Primeira seca foi em 2005; a outra, a mais severa dos últimos 100 anos, em 2010
“Por enquanto, ainda não fizemos o básico, que é identificar nossas vulnerabilidades ambientais, sociais e econômicas no campo da mudança climática”, critica o dirigente da WWF. Rittl reconhece, no entanto, que o governo deu um passo importante, levando à sociedade civil os primeiros debates sobre a importância da adaptação. “Só isso já deverá ampliar a percepção de que apenas medidas de mitigação não serão suficientes para conter o ritmo e o alcance de impactos climáticos”, conclui.
VISÃO SISTÊMICA
De fato, a mitigação tem sido a tônica da preocupação sobre como lidar com a mudança do clima. Fábio Scarano, vice-presidente da Divisão Américas da Conservação Internacional (CI), explica que a adaptação ganhou mais e vidência na agenda climática global a partir de um estudo liderado pela pesquisadora americana Susan Solomon, publicado em 2009 na revista Proceedings of the National Academy of Sciences. O trabalho demonstrou que, se toda a emissão de CO2 decorrente de causas antrópicas cessasse, ainda assim o aquecimento global decorrente do acúmulo do gás na atmosfera prosseguiria pelos próximos 100 anos. O estudo marca uma mudança de paradigma: “Infelizmente, ultrapassamos o ponto em que mitigar seria suficiente para solucionar problemas climáticos futuros”, diz o ambientalista.
Fábio Scarano é também um dos autores do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês) e tem centrado no seu capítulo a adaptação baseada em ecossistemas. Esse conceito propõe o uso de serviços ambientais e de valores do próprio ecossistema de modo a aumentar a resistência à mudança climática e também a tornar populações humanas mais resilientes a esses efeitos. Em sua opinião, o reduzido interesse ou mesmo o desconhecimento do setor de negócios sobre o tema da adaptação devem-se a uma associação intuitiva do termo ao alto custo dos investimentos em infraestrutura para lidar com impactos incertos quanto ao momento de suas ocorrências. Um exemplo disso seria a construção de diques para conter a elevação do nível do mar, como já se dá na Holanda.
A perspectiva da adaptação baseada em ecossistemas é que a “infraestrutura ecológica” – florestas, água, alimentos – é essencial para o bem-estar das pessoas. Assim, adaptação seria sinônimo de desenvolvimento sustentável, em que bem-estar humano e conservação da natureza são interligados e dão-se simultaneamente.
A ciência já demonstrou, por exemplo, que os manguezais funcionam similarmente a um dique: ambos impedem o avanço dos oceanos sobre a costa. Sem contar que os mangues fornecem abrigo e alimento à fauna marinha, sendo assim base para a economia da pesca. “O tamanho dessa economia somado aos custos da construção de um dique dão uma ideia do componente econômico do valor de um manguezal”, explica Scarano.
Em parte, essa lógica propõe que, se uma comunidade consegue tirar sustento de um ecossistema sem destruí-lo, talvez mereça ser remunerada pelo serviço ambiental que o meio conservado presta à sociedade. Resumindo, conservar o capital natural e em paralelo gerar melhorias na qualidade de vida é investir em adaptação.
MODELO REATIVO
Enquanto nos países desenvolvidos muitas empresas já começaram a modelar um perfil mais proativo perante os impactos a que estão sujeitas, na América Latina esse movimento está incipiente. Com exceção do setor agrícola – um dos mais antenados quanto aos impactos do clima –, “a maioria das empresas da região encontra-se em estágio inicial de avaliação de risco e ainda não foram capazes de quantificar os impactos setoriais”. A avaliação é do coordenador associado do pro- grama de adaptação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), Emerson Resende, que, no entanto, ressalva: “Em termos gerais, as empresas nos países desenvolvidos também estão atrasadas quanto ao entendimento da magnitude dos impactos, ao desenvolvimento de estratégias para reduzir riscos, ao aumento da resiliência e à busca de oportunidades de negócios” (ver “Empresas em ação”).
Ele coloca os setores de transporte, energia e turismo entre os mais vulneráveis aos desafios da mudança climática na América Latina . “Esses setores estão sujeitos a longas interrupções de seus negócios, em razão das variações drásticas do regime de chuvas, das enchentes e de períodos prolongados de estiagem.”
Para enfrentar os desafios climáticos, a UNFCCC recomenda às empresas que sigam um esquema estratégico de adaptação, a começar por uma profunda avaliação dos riscos financeiros existentes entre o negócio e os possíveis efeitos da mudança climática. Sugere ainda que desenvolvam e instaurem planos de ação para administrar esses riscos e procurem identificar novas oportunidades no mercado.
Também é importante compartilhar e discutir suas estratégias com investidores, analistas e outros públicos de interesse para o plano (stakeholders). E o mais fundamental: para o sucesso das estratégias corporativas, as empresas devem considerar resultados financeiros de longo prazo. “Os líderes empresariais precisam superar a tendência a negócios com retorno de curto prazo”, aconselha Resende.
Uma nova ferramenta elaborada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pela Bloomberg New Energy Finance, consultoria internacional na área de energia renovável e mercado de carbono, confirma a tese de que os países latino-americanos estão perdendo a corrida do enfrentamento da mudança do clima. O “climascópio” mediu a capacidade de 26 países da América Latina e do Caribe de atrair investimentos em economia verde e o resultado é pouco animador. A região conseguiu aportar no ano passado menos de 5% dos investimentos mundiais no setor, estimados em US$ 280 bilhões. Embora no topo da lista do “climascópio”, o Brasil obteve pontuação apenas mediana: 2,6 em uma classificação de zero a 5. Grosso modo, o desempenho sinaliza ao País um longo caminho a trilhar em adaptação.
Gustavo Pimentel, diretor da Sitawi, organização que atua com financiamento de projetos sociais, visualiza duas opções para fomentar negócios em adaptação. Ele afirma que tradicionais financiadores, como bancos e fundos de pensão, preferem apresentar projetos rentáveis aos seus clientes e dificilmente serão proativos. Ou seja, não é boa receita esperar que eles próprios estruturem modelos de negócios em conformidade com projetos de adaptação. “A não ser que haja incentivos de políticas públicas”, adianta.
A outra possibilidade vislumbrada por Pimentel é tentar atrair grandes empresas privadas a partir da lógica filantrópica do Investimento Social Privado. De qualquer modo, os investimentos seriam irrisórios, dada a capacidade limitada do setor privado no papel de doador. “Se o poder público criasse um mecanismo de renúncia fiscal que atendesse aos projetos de adaptação, talvez houvesse alguma possibilidade nesse nicho”, arrisca Pimentel.
Mas há uma chance de que 2013 seja o ano da virada da agenda da adaptação no Brasil. A previsão é de Paula Bennati, gerente-executiva de meio ambiente e sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Embora afirme que a indústria brasileira ainda esteja engatinhando nesse quesito, ela crê que o fato de o IPCC começar a publicar o seu 5o relatório [2] será importante para o debate sobre adaptação, pois o documento virá com grande contribuição de pesquisadores e cientistas brasileiros ao tema. Outro evento relevante, previsto para setembro, também com dados sobre o estágio brasileiro em adaptação, será o lançamento da publicação do Primeiro Relatório de Avaliação Nacional (RAN1), do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC).
[2] A previsão é de que os dados mais esperados, do Grupo de Trabalho 2, do IPCC, cujo tema é “Impactos, adaptação e vulnerabilidade”, somente sejam publicados em março de 2014.
O RISCO DA INAÇÃO
O Brasil possui alguns bons exemplos para adaptação, entre eles o Fundo Amazônia e o Fundo Clima, mas que têm enfrentado problemas. O primeiro, conforme artigo publicado no portal do jornal britânico The Guardian em abril, é considerado um modelo interessante para países que buscam arranjos institucionais de modo a receber recursos das nações patrocinadoras de causas ambientais.
Chamou atenção o fato de doadores como Noruega e Alemanha repassarem recursos diretamente para o Ministério do Meio Ambiente (MMA) para financiar projetos do Fundo Amazônia, sem a necessidade de atravessar a burocracia de grandes instituições internacionais, como o Banco Mundial. Mas tem havido atrasos na aprovação de projetos no Brasil. Com isso, de um compromisso total de R$ 1,29 bilhão, apenas 11,4% foram aplicados, informa o jornal O Estado de S. Paulo.
Enquanto isso, o Fundo Clima acaba de sofrer uma debacle com a aprovação pelo Congresso Nacional em março da nova lei dos royalties do petróleo. Sua principal fonte de recursos provém da participação especial do petróleo. Na opinião de Paula Bennatti, parece remota a possibilidade de o Fundo Clima recuperá-la.
Segundo a gerente da CNI, a Petrobras cogita fazer contribuições ao programa, mas isso ainda não foi ratificado. Para se ter ideia do peso que o dinheiro dos royalties tinha para o Fundo Clima, dos quase R$ 29 milhões previstos para 2013, R$ 20,9 milhões serão provenientes da participação especial do petróleo. “Já é possível prever que o orçamento do fundo será muito menor em 2014”, alerta. O Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds) traz notícias mais esperançosas, não só sobre o futuro do Fundo Clima, mas também a respeito de possíveis adequações de financiamentos bancários para obras de adaptação.
O coordenador técnico da Câmara Temática de Energia e Mudança do Clima da entidade, Fernando Malta, informa sobre uma agenda de conversações com o setor bancário no sentido de que se reduzam as taxas de juro e a burocracia do acesso aos financiamentos para obras de adaptação à mudança climática. “Algumas obras de adaptação, por exemplo, podem inicialmente obrigar a empresa a interromper suas operações, o que significa que, além de arcar com o custo das obras e de novos equipamentos, ela também terá de prever o prejuízo de paralisar suas atividades por alguns dias”, observa Malta. Nesse caso, o investimento pode até pagar-se a longo prazo, mas o desembolso da empresa a curto prazo será maior e daí a necessidade de carência mais dilatada.
Segundo Malta, uma pauta sobre as formas de revitalizar o Fundo Clima poderá entrar nessa agenda de conversação, da qual também participa o Instituto Ethos. Um bom argumento para que os agentes de políticas públicas e o setor privado compartilhem essa busca por mecanismos econômico-financeiros para enfrentar os desafios da adaptação à mudança climática pode ser encontrado no estudo Economia da Mudança do Clima no Brasil: Custos e Oportunidades [3].
[3] O trabalho foi editado e coordenado pelo economista ambiental do Banco Mundial Sergio Margulis e pela economista da Coppe/UFRJ Carolina Dubeux e contou com a participação de dezenas de pesquisadores
A partir de uma perspectiva macroeconômica, os pesquisadores fizeram simulações do comportamento futuro da economia brasileira, no período entre 2010 e 2050, e concluíram que, conforme o cenário usado como referência, as perdas provocadas pelo impacto da mudança climática poderão variar entre R$ 719 bilhões e R$ 3,6 trilhões, a valor presente, com uma taxa de desconto de 1% ao ano.
“Isso equivale a jogar fora pelo menos um ano inteiro de crescimento econômico nos próximos 40 anos”, revela o estudo. Do ponto de vista social, o custo da inação será o aprofundamento das desigualdades de renda da população, principalmente nas regiões Norte e Nordeste do País, que serão as mais afetadas, em razão de sua maior vulnerabilidade.
(Colaboraram Clarice Couto e Lydia Minhoto)
[:en]Somente o alcance de recursos financeiros adicionais demonstraria avanço real nas iniciativas de adaptação para além do que já se caracterizou como uma rotina de políticas públicas nacionais
É plausível afirmar que os investimentos em projetos de adaptação à mudança climática são ínfimos, dada a magnitude dos impactos que alguns eventos extremos, como furacões e elevação do nível dos oceanos, podem vir a provocar na economia. Entretanto, não mente quem diz que os recursos financeiros para conter os efeitos perversos do aquecimento global já estão por toda parte, ainda que não carreguem a etiqueta da adaptação. Em meio a essa aparente contradição que ainda permeia o tema do financiamento para a adaptação no Brasil – possível reflexo das incertezas típicas das novas agendas –, uma coisa é certa: se prevalecer a inação, o custo será alto e virá com juros.
Uma questão meramente conceitual ajuda a alimentar a contradição nessa seara das finanças para adaptação. Existe, inclusive, uma série de políticas públicas históricas contribuindo para projetos dessa natureza. É o caso do combate aos efeitos da seca no Nordeste, das medidas de prevenção de tragédias em regiões serranas e costeiras, do combate às enchentes em rios que cortam grandes cidades. Há também iniciativas como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, (Pronaf) e o Fundo Clima – que financia a juros reduzidos projetos de mitigação e adaptação à mudança climática –, ambos operados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Visto por esse ângulo, o País estaria atuante, uma vez que aloca investimentos que concorrem fortemente para a adaptação. No entanto, há também um entendimento de que a adaptação, stricto sensu, requer medidas profundas e estruturais, capazes de aumentar e fortalecer a resiliência de ecossistemas e das populações mais vulneráveis. Nesse caso, somente o aporte de recursos financeiros adicionais – dinheiro novo – demonstraria avanço real nas iniciativas de adaptação para além do que já se caracterizou como uma rotina de políticas públicas nacionais.
Para o coordenador do Programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF, Carlos Rittl, o Brasil ainda não acordou plenamente para a necessidade de investimentos em adaptação, apesar dos sustos provocados pela sequência de eventos extremos ao longo da última década – desde o “Catarina”, em 2004, o primeiro furacão registrado no Atlântico Sul, até as duas últimas secas na Região Amazônica [1]. Para Rittl, o Brasil ainda atua de maneira emergencial, “apagando incêndios”, e deixando de lado o aumento da resiliência. Os principais planos de desenvolvimento no País ainda seriam baseados em modelos tradicionais, que não incorporam a variável de mudança climática, seja do ponto de vista de redução de emissões, seja de adaptação.
[1] Primeira seca foi em 2005; a outra, a mais severa dos últimos 100 anos, em 2010
“Por enquanto, ainda não fizemos o básico, que é identificar nossas vulnerabilidades ambientais, sociais e econômicas no campo da mudança climática”, critica o dirigente da WWF. Rittl reconhece, no entanto, que o governo deu um passo importante, levando à sociedade civil os primeiros debates sobre a importância da adaptação. “Só isso já deverá ampliar a percepção de que apenas medidas de mitigação não serão suficientes para conter o ritmo e o alcance de impactos climáticos”, conclui.
VISÃO SISTÊMICA
De fato, a mitigação tem sido a tônica da preocupação sobre como lidar com a mudança do clima. Fábio Scarano, vice-presidente da Divisão Américas da Conservação Internacional (CI), explica que a adaptação ganhou mais e vidência na agenda climática global a partir de um estudo liderado pela pesquisadora americana Susan Solomon, publicado em 2009 na revista Proceedings of the National Academy of Sciences. O trabalho demonstrou que, se toda a emissão de CO2 decorrente de causas antrópicas cessasse, ainda assim o aquecimento global decorrente do acúmulo do gás na atmosfera prosseguiria pelos próximos 100 anos. O estudo marca uma mudança de paradigma: “Infelizmente, ultrapassamos o ponto em que mitigar seria suficiente para solucionar problemas climáticos futuros”, diz o ambientalista.
Fábio Scarano é também um dos autores do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês) e tem centrado no seu capítulo a adaptação baseada em ecossistemas. Esse conceito propõe o uso de serviços ambientais e de valores do próprio ecossistema de modo a aumentar a resistência à mudança climática e também a tornar populações humanas mais resilientes a esses efeitos. Em sua opinião, o reduzido interesse ou mesmo o desconhecimento do setor de negócios sobre o tema da adaptação devem-se a uma associação intuitiva do termo ao alto custo dos investimentos em infraestrutura para lidar com impactos incertos quanto ao momento de suas ocorrências. Um exemplo disso seria a construção de diques para conter a elevação do nível do mar, como já se dá na Holanda.
A perspectiva da adaptação baseada em ecossistemas é que a “infraestrutura ecológica” – florestas, água, alimentos – é essencial para o bem-estar das pessoas. Assim, adaptação seria sinônimo de desenvolvimento sustentável, em que bem-estar humano e conservação da natureza são interligados e dão-se simultaneamente.
A ciência já demonstrou, por exemplo, que os manguezais funcionam similarmente a um dique: ambos impedem o avanço dos oceanos sobre a costa. Sem contar que os mangues fornecem abrigo e alimento à fauna marinha, sendo assim base para a economia da pesca. “O tamanho dessa economia somado aos custos da construção de um dique dão uma ideia do componente econômico do valor de um manguezal”, explica Scarano.
Em parte, essa lógica propõe que, se uma comunidade consegue tirar sustento de um ecossistema sem destruí-lo, talvez mereça ser remunerada pelo serviço ambiental que o meio conservado presta à sociedade. Resumindo, conservar o capital natural e em paralelo gerar melhorias na qualidade de vida é investir em adaptação.
MODELO REATIVO
Enquanto nos países desenvolvidos muitas empresas já começaram a modelar um perfil mais proativo perante os impactos a que estão sujeitas, na América Latina esse movimento está incipiente. Com exceção do setor agrícola – um dos mais antenados quanto aos impactos do clima –, “a maioria das empresas da região encontra-se em estágio inicial de avaliação de risco e ainda não foram capazes de quantificar os impactos setoriais”. A avaliação é do coordenador associado do pro- grama de adaptação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), Emerson Resende, que, no entanto, ressalva: “Em termos gerais, as empresas nos países desenvolvidos também estão atrasadas quanto ao entendimento da magnitude dos impactos, ao desenvolvimento de estratégias para reduzir riscos, ao aumento da resiliência e à busca de oportunidades de negócios” (ver “Empresas em ação”).
Ele coloca os setores de transporte, energia e turismo entre os mais vulneráveis aos desafios da mudança climática na América Latina . “Esses setores estão sujeitos a longas interrupções de seus negócios, em razão das variações drásticas do regime de chuvas, das enchentes e de períodos prolongados de estiagem.”
Para enfrentar os desafios climáticos, a UNFCCC recomenda às empresas que sigam um esquema estratégico de adaptação, a começar por uma profunda avaliação dos riscos financeiros existentes entre o negócio e os possíveis efeitos da mudança climática. Sugere ainda que desenvolvam e instaurem planos de ação para administrar esses riscos e procurem identificar novas oportunidades no mercado.
Também é importante compartilhar e discutir suas estratégias com investidores, analistas e outros públicos de interesse para o plano (stakeholders). E o mais fundamental: para o sucesso das estratégias corporativas, as empresas devem considerar resultados financeiros de longo prazo. “Os líderes empresariais precisam superar a tendência a negócios com retorno de curto prazo”, aconselha Resende.
Uma nova ferramenta elaborada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pela Bloomberg New Energy Finance, consultoria internacional na área de energia renovável e mercado de carbono, confirma a tese de que os países latino-americanos estão perdendo a corrida do enfrentamento da mudança do clima. O “climascópio” mediu a capacidade de 26 países da América Latina e do Caribe de atrair investimentos em economia verde e o resultado é pouco animador. A região conseguiu aportar no ano passado menos de 5% dos investimentos mundiais no setor, estimados em US$ 280 bilhões. Embora no topo da lista do “climascópio”, o Brasil obteve pontuação apenas mediana: 2,6 em uma classificação de zero a 5. Grosso modo, o desempenho sinaliza ao País um longo caminho a trilhar em adaptação.
Gustavo Pimentel, diretor da Sitawi, organização que atua com financiamento de projetos sociais, visualiza duas opções para fomentar negócios em adaptação. Ele afirma que tradicionais financiadores, como bancos e fundos de pensão, preferem apresentar projetos rentáveis aos seus clientes e dificilmente serão proativos. Ou seja, não é boa receita esperar que eles próprios estruturem modelos de negócios em conformidade com projetos de adaptação. “A não ser que haja incentivos de políticas públicas”, adianta.
A outra possibilidade vislumbrada por Pimentel é tentar atrair grandes empresas privadas a partir da lógica filantrópica do Investimento Social Privado. De qualquer modo, os investimentos seriam irrisórios, dada a capacidade limitada do setor privado no papel de doador. “Se o poder público criasse um mecanismo de renúncia fiscal que atendesse aos projetos de adaptação, talvez houvesse alguma possibilidade nesse nicho”, arrisca Pimentel.
Mas há uma chance de que 2013 seja o ano da virada da agenda da adaptação no Brasil. A previsão é de Paula Bennati, gerente-executiva de meio ambiente e sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Embora afirme que a indústria brasileira ainda esteja engatinhando nesse quesito, ela crê que o fato de o IPCC começar a publicar o seu 5o relatório [2] será importante para o debate sobre adaptação, pois o documento virá com grande contribuição de pesquisadores e cientistas brasileiros ao tema. Outro evento relevante, previsto para setembro, também com dados sobre o estágio brasileiro em adaptação, será o lançamento da publicação do Primeiro Relatório de Avaliação Nacional (RAN1), do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC).
[2] A previsão é de que os dados mais esperados, do Grupo de Trabalho 2, do IPCC, cujo tema é “Impactos, adaptação e vulnerabilidade”, somente sejam publicados em março de 2014.
O RISCO DA INAÇÃO
O Brasil possui alguns bons exemplos para adaptação, entre eles o Fundo Amazônia e o Fundo Clima, mas que têm enfrentado problemas. O primeiro, conforme artigo publicado no portal do jornal britânico The Guardian em abril, é considerado um modelo interessante para países que buscam arranjos institucionais de modo a receber recursos das nações patrocinadoras de causas ambientais.
Chamou atenção o fato de doadores como Noruega e Alemanha repassarem recursos diretamente para o Ministério do Meio Ambiente (MMA) para financiar projetos do Fundo Amazônia, sem a necessidade de atravessar a burocracia de grandes instituições internacionais, como o Banco Mundial. Mas tem havido atrasos na aprovação de projetos no Brasil. Com isso, de um compromisso total de R$ 1,29 bilhão, apenas 11,4% foram aplicados, informa o jornal O Estado de S. Paulo.
Enquanto isso, o Fundo Clima acaba de sofrer uma debacle com a aprovação pelo Congresso Nacional em março da nova lei dos royalties do petróleo. Sua principal fonte de recursos provém da participação especial do petróleo. Na opinião de Paula Bennatti, parece remota a possibilidade de o Fundo Clima recuperá-la.
Segundo a gerente da CNI, a Petrobras cogita fazer contribuições ao programa, mas isso ainda não foi ratificado. Para se ter ideia do peso que o dinheiro dos royalties tinha para o Fundo Clima, dos quase R$ 29 milhões previstos para 2013, R$ 20,9 milhões serão provenientes da participação especial do petróleo. “Já é possível prever que o orçamento do fundo será muito menor em 2014”, alerta. O Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds) traz notícias mais esperançosas, não só sobre o futuro do Fundo Clima, mas também a respeito de possíveis adequações de financiamentos bancários para obras de adaptação.
O coordenador técnico da Câmara Temática de Energia e Mudança do Clima da entidade, Fernando Malta, informa sobre uma agenda de conversações com o setor bancário no sentido de que se reduzam as taxas de juro e a burocracia do acesso aos financiamentos para obras de adaptação à mudança climática. “Algumas obras de adaptação, por exemplo, podem inicialmente obrigar a empresa a interromper suas operações, o que significa que, além de arcar com o custo das obras e de novos equipamentos, ela também terá de prever o prejuízo de paralisar suas atividades por alguns dias”, observa Malta. Nesse caso, o investimento pode até pagar-se a longo prazo, mas o desembolso da empresa a curto prazo será maior e daí a necessidade de carência mais dilatada.
Segundo Malta, uma pauta sobre as formas de revitalizar o Fundo Clima poderá entrar nessa agenda de conversação, da qual também participa o Instituto Ethos. Um bom argumento para que os agentes de políticas públicas e o setor privado compartilhem essa busca por mecanismos econômico-financeiros para enfrentar os desafios da adaptação à mudança climática pode ser encontrado no estudo Economia da Mudança do Clima no Brasil: Custos e Oportunidades [3].
[3] O trabalho foi editado e coordenado pelo economista ambiental do Banco Mundial Sergio Margulis e pela economista da Coppe/UFRJ Carolina Dubeux e contou com a participação de dezenas de pesquisadores
A partir de uma perspectiva macroeconômica, os pesquisadores fizeram simulações do comportamento futuro da economia brasileira, no período entre 2010 e 2050, e concluíram que, conforme o cenário usado como referência, as perdas provocadas pelo impacto da mudança climática poderão variar entre R$ 719 bilhões e R$ 3,6 trilhões, a valor presente, com uma taxa de desconto de 1% ao ano.
“Isso equivale a jogar fora pelo menos um ano inteiro de crescimento econômico nos próximos 40 anos”, revela o estudo. Do ponto de vista social, o custo da inação será o aprofundamento das desigualdades de renda da população, principalmente nas regiões Norte e Nordeste do País, que serão as mais afetadas, em razão de sua maior vulnerabilidade.
(Colaboraram Clarice Couto e Lydia Minhoto)