O caminho para uma lei à altura da realidade inclui estímulo à economia criativa e participação popular nos processos de confecção do arcabouço legal
Estamos participando, nas últimas duas décadas, de uma modificação radical nas estruturas que, durante séculos, tiveram como atribuição manter a exclusividade sobre o acesso ao saber, ao resultado das manifestações artísticas e ao conhecimento. A emergência das novas tecnologias digitais, a convergência, o excesso de informação disponível na web, o colaborativismo em todas as suas vertentes e a implosão do circuito emissor-receptor formam o cenário em que essa mudança se opera.
É um mundo em que o formador de opinião não se encontra especialmente nas mídias tradicionais, em que o artista não está mais confinado nas escolas de arte e nos aparelhos culturais da elite, e em que um indivíduo pode publicar suas ideias com um clique. Mais do que isso, é um mundo onde os bens simbólicos podem ser compartilhados, trocados, expostos e modificados por meio da tecnologia. Justamente por sabermos que as novas formas de produção intelectual e compartilhamento de obras têm de ter limites, precisamos de respostas à altura dos acontecimentos.
Neste cenário, a questão dos direitos autorais desponta como uma das preocupações centrais de acadêmicos, legisladores e do público em geral. Desde o início da popularização da internet, no meado dos anos 1990, o tema “direitos autorais” [1] divide opiniões e, sobretudo, provoca muita polêmica entre autores e entidades de classe, entre defensores da chamada “cultura livre” e adeptos da manutenção do atual sistema de direitos. É consenso entre os especialistas que ele não consegue mais atender a uma realidade transformada pelos meios digitais.
[1]No Brasil, o tempode validade do Direito do Autor é de 70 anos após a morte do titular dos direitos
Não por acaso, diversos países, incluindo o Brasil, vêm tentando adaptar suas leis de direito autoral às novas condições que imperam em um mundo regido pela tecnologia digital, no qual os consumidores ativamente disseminam ideias e reinventam obras.
O BRASIL NA LANTERNA
Em recente ranking promovido pela ONG Consumers International, o Brasil aparece entre os cinco países com as piores leis de propriedade intelectual[2] do globo. Nossa Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) resulta de um processo evolutivo fundado na proteção do autor, obedecendo a acordos mundiais sobre a matéria, entre os quais destaca-se a Convenção de Berna [3], de 1886.
[2] Concepção ampla que inclui os conceitos de propriedade industrial (marcas, patentes) e de direitos autorais e conexos.
[3] Estabeleceu o reconhecimento do direito de autor entre nações soberanas. Antes da sua adoção, era comum que as nações se recusassem a reconhecer os direitos de autor de trabalhos de estrangeiros. A Convenção foi revista em Paris (1896) e Berlim (1908), completada em Berna (1914), revista em Roma (1928), Bruxelas (1948), Estocolmo (1967) e Paris (1971)
Após meses de consulta pública e muita discussão no Brasil, um anteprojeto de reformulação da Lei nº 9.610/98 foi encaminhado pelo Ministério da Cultura à Casa Civil em 2011. O MinC diz que não se pronuncia sobre o tema enquanto o projeto não sair da Casa Civil. A matéria, que começou a ser discutida na época em que o compositor Gilberto Gil era o titular do ministério, foi debatida pela sociedade durante a gestão de Juca Ferreira, mas o processo tem sido repleto de sobressaltos, uma vez que há inúmeros interesses em jogo. O anteprojeto que resultou da consulta pública aumenta a lista de limitações e exceções à proteção do direito do autor.
A lei brasileira é tida como restritiva, justamente porque há poucas exceções aos direitos do autor. Além disso, a versão enviada pelo ministério institui a chamada cláusula geral, que faz com que as limitações e exceções não sejam interpretadas restritivamente, no sentido de só existirem aquelas previstas na lei, mas provê um mecanismo com o qual se consiga certa exibilidade para um julgamento caso a caso, com o objetivo de encontrar um equilíbrio entre, de um lado, os direitos do autor e, de outro, o direito à informação e o acesso à cultura do público em geral.
Já a legislação americana é bem cotada no ranking da Consumers International por causa do fair use (uso legítimo), uma doutrina que foi criada pelos tribunais nos EUA e incorporada à lei e que prevê que determinados usos da obra, mesmo sem a autorização do titular, são legítimos.
Mônica Guise, professora da disciplina Propriedade Intelectual da Escola de Direito da FGV em São Paulo e Coordenadora do Grupo de Ensino e Pesquisa em Inovação da mesma instituição, dá o seguinte exemplo: suponha que você esteja filmando um documentário em que entrevista um transeunte e o telefone dele toca. Mas o toque do celular dele é o último sucesso da Beyoncé. Em tese, teria de pedir autorização para a editora da artista. Na prática, constituiria fair use, pois não fere o mercado potencial da cantora: supõe-se que ninguém vai deixar de comprar o CD da Beyoncé se escutar, durante 2 segundos, o ringtone com seu sucesso em um documentário.
Pela lei brasileira vigente, atividades muito comuns na chamada geração Y são consideradas infrações à lei – por exemplo, copiar músicas de um CD para um aparelho portátil tipo iPod ou MP5, ou subir um videoclipe de sua banda preferida no YouTube. A proibição se estende a iniciativas tais como reproduzir o conteúdo integral de um livro com edição esgotada há anos. Caso queira fotocopiar um livro, o cidadão até pode, desde que seja para uso pessoal e o trecho não seja muito “grande”. Mas, segundo Mônica, a lei não dene o que seria um trecho razoável para reprodução. Isso dificulta a vida de alunos e professores, principalmente nas universidades.
A própria Mônica foi impedida, em uma instituição onde leciona, de fotocopiar uma obra de sua autoria para ceder aos alunos. Pois os direitos não são dela, são da editora. Os estabelecimentos de ensino, por sua vez, não têm poder de regulação da lei para dizer o que é um trecho grande ou não (o que, supõe-se, deve variar de acordo com o tamanho da obra). Eles podem até criar alguns critérios, que depois também podem ser questionados perante juíz
Em resumo: existe insegurança jurídica mesmo com a lei em vigor. E, com a utilização de obras alheias em alta na web, é consenso a necessidade de buscar novos mecanismos para dar segurança jurídica tanto para quem utiliza quanto para quem disponibiliza tais obras.
Um bom exemplo de iniciativa na área acadêmica e educacional é o portal e-unicamp, lançado em abril deste ano, para disponibilizar de materiais criados pelos próprios professores. Todo o conteúdo é licenciado pelo Creative Commons[4] e o público tem livre acesso.
[4]Criado por Lawrence Lessig, professor da Universidade de Stanford, nos EUA, foi lançado em 2001. São vários tipos de licença, desde a mais permissiva – a chamada de licença de atribuição, que permite que outros distribuam,
remixem, adaptem ou criem obras derivadas, mesmo que para uso com fins comerciais (desde que seja dado crédito pela criação original) – até a mais restritiva, que não permite o uso comercial das obras e nem a elaboração de obras derivadas da original
A pertinência da discussão sobre direitos autorais em tempos de compartilhamento de informação dispensa argumentos em sua defesa. Só para reforçar: há 30 anos, copiar músicas de um LP para uma ta cassete já era considerado uma infração à Lei dos Direitos Autorais. Só que você tocava a sua “fitinha” para, no máximo, duas dezenas de amigos. Hoje, você compartilha essa informação com milhares de pessoas em minutos.
E a indústria do entretenimento já entendeu que determinadas infrações acabam se congurando, na verdade, como publicidade das obras. Por isso, boa parte do material colocado na internet ilegalmente continua lá, apesar de as empresas detentoras dos direitos terem toda a legitimidade para mandar tirá-los do ar.
Ronaldo Lemos, ex-diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV, afirma em artigo recentemente publicado pelo UOL que o YouTube e outros sites mudam o funcionamento do direito autoral. Segundo ele, quando um vídeo é colocado ilegalmente no YouTube, seu dono tem duas opções: pedir sua retirada ou o reconhecimento de autoria, aceitando que o vídeo continue on-line e beneficiando-se da receita publicitária gerada por ele. Isso transforma a pirataria do vídeo em oportunidade de negócios. [5]
[5]Para ler a íntegra do artigo, acesse o link
Mônica Guise afirma que existem estudos mostrando que esse tipo de violação, na verdade, acaba sendo benéfico para a indústria da música, pois o consumidor toma contato com a obra e depois acaba querendo adquiri-la. Por isso, a indústria seria benevolente com determinadas violações.
Por outro lado, existe um movimento forte da indústria no sentido de eleger alguns “exemplos” para lembrar a todos de que é proibido baixar música ou conteúdo protegido. Emblemático foi um caso ocorrido em 2009, nos EUA, quando uma mãe solteira de 4 filhos foi condenada a pagar US$ 1,92 bilhão por ter baixado 24 músicas da internet.
O RECURSO DO CREATIVE COMMONS
De qualquer maneira, a disponibilização de obras na internet acabou levando a discussão para outro nível: não seria melhor tentar estabelecer, com o público, uma relação clara em que o autor diga o que se pode ou não fazer com a obra?
Supondo-se que, agora que detém os meios de tornar pública sua obra, o autor lance cada vez menos mão dos intermediários tradicionais, e que o conceito de obra colaborativa não resista aos preceitos da legislação autoral vigente, não seria prudente tentar garantir às gerações futuras – e às que vivem na atual insegurança da rede – uma forma de mediar as relações entre o autor e aqueles que pleiteiam o acesso à sua obra?
É basicamente esse o objetivo do sistema Creative Commons, uma das “soluções” encontradas para a questão dos direitos autorais, que permite o compartilhamento e o uso do conhecimento por meio de licenças jurídicas gratuitas.
Segundo o site da instituição, as licenças de direitos autorais Commons são fáceis de usar e fornecem ao autor uma forma simples e padronizada de conceder autorização para que as pessoas possam usar sua obra intelectual, sempre de acordo com as condições que o próprio autor escolher e em consonância com as leis de direitos autorais de cada país (mais na reportagem “Prenda-me se for capaz”, edição 76).
O sistema Commons é totalmente descentralizado. O autor simplesmente aplica as licenças à obra. E o Creative Commons administra essas licenças. A ideia é que o autor pode, sem a necessidade de um advogado ou de um intermediário, dizer para todos como a sua obra poderá ser utilizada. São mais de cem países aliados e o número de licenças hoje, no mundo, passa da casa dos 350 milhões.
A partir do momento em que o autor cria uma obra, ele adquire um bloco de direitos, garantidos pela lei de direitos autorais de seu país. No Brasil, os direitos patrimoniais do autor[6] podem ser cedidos ou licenciados. As licenças Commons são válidas no âmbito do direito de licenciamento do autor: podem ser baseadas nas leis de direitos autorais mais restritivas que existam, desde que estas concedam ao autor o direito de licenciar sua obra (o que é um princípio do direito autoral).
[6]O direito patrimonial de autor diz respeito aos proveitos econômicos que ele extrai da obra, por meio da comunicação ao público. O objeto de tutela é o bem material, comercial, que começa quando a obra sai do plano do ineditismo e passa a ser exposta
Recentemente, foi lançada a versão 4.0 das licenças Commons. A novidade é que ela dispensa o porting (uma espécie de adaptação). Até a versão número 3, as licenças eram criadas pelo Creative Commons Central, nos EUA, e cada país aliado tinha de fazer não só uma tradução dela, mas uma adaptação às leis de direito autoral vigentes no país. Mas a 4.0 foi criada de tal forma que pode ser adaptada a todos os países aliados, pois diz respeito justamente a pontos que são comuns entre as leis de direito autoral dos diversos países.
Isso foi possível porque as leis dos países estão cando cada vez mais harmonizadas, por conta das convenções internacionais sobre o tema. Além da Convenção de Berna, um outro marco foi a assinatura do acordo Trips – Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio –, segundo o qual todos os países afiliados à Organização Mundial do Comércio (OMC) teriam de cumprir requisitos mínimos referentes à propriedade intelectual.
O Brasil foi o terceiro país a adotar as licenças Creative Commons, lançadas aqui em 2004, em um evento com a presença e a bênção do compositor e então titular do Ministério da Cultura[7] (MinC), Gilberto Gil – o primeiro artista brasileiro a aderir publicamente à licença Creative Commons (leia aqui a entrevista com Gil).
[7]Em 2011, durante a gestão Ana de Hollanda, o MinC, que trazia em seu site a marca do licenciamento Creative Commons, retirou-a do ar, o que causou descontentamento geral entre os adeptos da licença. Após a lei de regulamentação do Escritório Central de Arrecadação de Direitos (Ecad), sancionada em agosto, os representantes do Commons consideram que há “clima” para uma retomada de conversações com o MinC
IMPORTANTE, MAS NÃO SUFICIENTE
A coordenadora legal do Creative Commons Brasil e professora no Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV/RJ, Mariana Valente, explica que, quando aplica uma licença Commons, o autor adere a uma ferramenta voluntária pela qual regulamenta, de forma pública, alguns desses direitos. É uma solução privada para o problema da rigidez da lei de direitos autorais. Surge da constatação de que muitos autores gostariam de ver seu trabalho compartilhado, principalmente na web. Mas, se colocarem simplesmente uma obra na rede, sem nenhuma licença, o que fica valendo é o padrão da Lei de Direitos Autorais e, portanto, o autor estará violando a lei.
As licenças Creative Commons não substituem nem obliteram as leis nacionais de direitos autorais, e, principalmente, não resolvem os problemas do arcabouço legal local. Exemplo: nos casos em que o autor entra em um contrato de cessão da obra com uma editora, gravadora ou outra intermediária qualquer, ele não pode licenciar o produto pelo Creative Commons.
Portanto, a iniciativa, embora já exitosa e inovadora, tem a limitação de se aplicar apenas a uma (ainda) pequena faixa de obras à disposição do público, e não necessariamente à faixa mais comercializada. Em síntese: o Creative Commons é importante, pois possibilita um modelo de negócio na comunidade da cultura livre, mas não suciente
O que, é claro, suscita críticas ao modelo Commons, tanto por parte daqueles que veem na licença algo prejudicial ao autor, no sentido de que ele poderia ganhar mais com a obra que está licenciando, quanto por parte dos que não gostam do excesso de autonomia individual que uma licença Commons concede ao autor.
Outra crítica diz respeito aos novos “intermediários”, aqueles que detêm a primazia dos conteúdos no mundo virtual, tais como Google ou Youtube, por exemplo (procurado pela reportagem, o Google não se pronunciou a respeito). Mariana Valente, do Creative Commons, admite que, apesar de a internet de fato ser uma ferramenta para a “desintermediação”, o fenômeno de “reintermediação” é uma realidade.
PARTICIPAÇÃO POPULAR E ECONOMIA CRIATIVA
Para Mariana, hoje há uma atmosfera mais propícia aos debates sobre mudanças nas leis de direito autoral. Há dez anos, por conta da revolução provocada pela internet, os países tentavam restringir ainda mais suas leis de direitos autorais.
Entretanto, Ronaldo Lemos relata, em recente artigo assinado no UOL, que na maioria dos países as tentativas de adaptar as leis de direito autoral para a internet estão paradas, o que não impede que as mudanças ocorram. Segundo ele, a reforma está acontecendo fora da lei, justamente com os novos modelos de licenciamento.
Com isso, o direito autoral na prática está sendo modificado privadamente. No Brasil, diz Lemos, se a nova lei finalmente vingar, é possível que já chegue velha.
Gilberto Gil acredita que a pressão popular e a disposição do Ministério da Cultura em acelerar o processo são importantes para que ela se materialize, e concorda que a atualização da lei é uma necessidade.
O compositor e ex-ministro arfima que o processo é demorado porque há, em jogo, interesses estabelecidos, ameaçados por novos interesses que estão emergindo. Ele aponta, no entanto, a própria atividade criativa como saída para a encruzilhada. “Quanto mais vai crescendo esse campo de atividades de interesses comerciais novos e criativos, que dependem da internet, mais pressão se exerce no sentido de acelerar a atualização da lei.”
Gil também crê que os artistas têm de estar atentos para a possibilidade de atendimento de variados mercados, dentro ou fora da rede. O que nos leva a crer que a adaptação aos novos tempos demanda, do autor, um novo tipo de cultura autoral, um novo olhar para as estruturas de criação e difusão que estão disponíveis (e para sua própria obra) e, sobretudo, uma nova forma de relação com os intermediários – estejam eles na web ou não.
Salta aos olhos o fato de que o autor da atualidade é muito mais gestor de sua obra, embora saibamos que nem todo autor demonstra, necessariamente, talento para a gestão. Essa é uma nova atribuição que lhe foi conferida, com a qual as gerações mais recentes lidam com mais facilidade, até porque dominam as ferramentas digitais com mais fluência, o que lhes permite gerir, compartilhar, divulgar e ter feedback sobre seu trabalho.
Nesse sentido, o caminho para uma lei à altura da realidade parece claro: o estímulo à chamada “economia criativa”, criação e popularização de cursos na área de gestão e difusão cultural em novas mídias digitais, invenção e utilização de novas soluções que pressionem as instituições (lembrando que qualquer um pode criar licenças privadas como as Creative Commons) e, por último, a participação popular nos processos de confecção do arcabouço legal sobre a matéria
A sociedade, não há dúvidas, está pronta a participar. Prova disso são as mais de 8 mil sugestões que o anteprojeto da lei recebeu durante os quase três meses de consultas públicas.
E as instituições, cujo modelo de negócio vai, aos poucos, se transformando, estão mais do que convidadas para esse diálogo. Se não participarem, talvez quem à mercê dos novos tempos, e dos jovens produtores de bens culturais e obras científicas que, ironicamente, ao criar e compartilhar suas produções na rede, são tidos como infratores de uma lei que nem sequer contempla suas novas modalidades de produção e difusão intelectual.
ORIGEM DO REGIME DE PRIVILÉGIOS
A ideia da proteção ao autor relaciona-se à invenção da impressão com tipos móveis, por volta de meados do século XV, que revolucionou o mercado de livros e demandou uma regulamentação sobre sua produção e comercialização.
As primeiras tentativas de proteção não eram endereçadas propriamente ao autor, muito menos à criação intelectual, mas tinham como pano de fundo o regime dos privilégios, conferidos pelos monarcas aos impressores originais, que tinham exclusividade sobre a utilização econômica das obras por determinado tempo.
É o caso do Estatuto da Rainha Ana, sancionado na Inglaterra em 1710. Como lembra o jurista Leonardo Estevam Zaninni (leia mais aqui), é “nele que se radica a concepção angloamericana do copyright, baseada na materialidade do exemplar e no direito exclusivo de reprodução deste”.
Mas, segundo o jurista, a figura do autor aparece mais nítida nas leis francesas de 1791 e 1793, sob a égide da concepção da “propriedade intelectual” defendida pelos iluministas, que expressamente reconheciam o direito do autor e garantiam a ele a exclusividade de exploração da obra.
Leia aqui a íntegra da entrevista com Gilberto Gil
*Este ensaio é resultado da parceria firmada entre PÁGINA22 e Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), que prevê a publicação mensal de textos sobre temas estratégicos para a construção da Plataforma Brasil Democrático e Sustentável.[:en]O caminho para uma lei à altura da realidade inclui estímulo à economia criativa e participação popular nos processos de confecção do arcabouço legal
Estamos participando, nas últimas duas décadas, de uma modificação radical nas estruturas que, durante séculos, tiveram como atribuição manter a exclusividade sobre o acesso ao saber, ao resultado das manifestações artísticas e ao conhecimento. A emergência das novas tecnologias digitais, a convergência, o excesso de informação disponível na web, o colaborativismo em todas as suas vertentes e a implosão do circuito emissor-receptor formam o cenário em que essa mudança se opera.
É um mundo em que o formador de opinião não se encontra especialmente nas mídias tradicionais, em que o artista não está mais confinado nas escolas de arte e nos aparelhos culturais da elite, e em que um indivíduo pode publicar suas ideias com um clique. Mais do que isso, é um mundo onde os bens simbólicos podem ser compartilhados, trocados, expostos e modificados por meio da tecnologia. Justamente por sabermos que as novas formas de produção intelectual e compartilhamento de obras têm de ter limites, precisamos de respostas à altura dos acontecimentos.
Neste cenário, a questão dos direitos autorais desponta como uma das preocupações centrais de acadêmicos, legisladores e do público em geral. Desde o início da popularização da internet, no meado dos anos 1990, o tema “direitos autorais” [1] divide opiniões e, sobretudo, provoca muita polêmica entre autores e entidades de classe, entre defensores da chamada “cultura livre” e adeptos da manutenção do atual sistema de direitos. É consenso entre os especialistas que ele não consegue mais atender a uma realidade transformada pelos meios digitais.
[1]No Brasil, o tempode validade do Direito do Autor é de 70 anos após a morte do titular dos direitos
Não por acaso, diversos países, incluindo o Brasil, vêm tentando adaptar suas leis de direito autoral às novas condições que imperam em um mundo regido pela tecnologia digital, no qual os consumidores ativamente disseminam ideias e reinventam obras.
O BRASIL NA LANTERNA
Em recente ranking promovido pela ONG Consumers International, o Brasil aparece entre os cinco países com as piores leis de propriedade intelectual[2] do globo. Nossa Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) resulta de um processo evolutivo fundado na proteção do autor, obedecendo a acordos mundiais sobre a matéria, entre os quais destaca-se a Convenção de Berna [3], de 1886.
[2] Concepção ampla que inclui os conceitos de propriedade industrial (marcas, patentes) e de direitos autorais e conexos.
[3] Estabeleceu o reconhecimento do direito de autor entre nações soberanas. Antes da sua adoção, era comum que as nações se recusassem a reconhecer os direitos de autor de trabalhos de estrangeiros. A Convenção foi revista em Paris (1896) e Berlim (1908), completada em Berna (1914), revista em Roma (1928), Bruxelas (1948), Estocolmo (1967) e Paris (1971)
Após meses de consulta pública e muita discussão no Brasil, um anteprojeto de reformulação da Lei nº 9.610/98 foi encaminhado pelo Ministério da Cultura à Casa Civil em 2011. O MinC diz que não se pronuncia sobre o tema enquanto o projeto não sair da Casa Civil. A matéria, que começou a ser discutida na época em que o compositor Gilberto Gil era o titular do ministério, foi debatida pela sociedade durante a gestão de Juca Ferreira, mas o processo tem sido repleto de sobressaltos, uma vez que há inúmeros interesses em jogo. O anteprojeto que resultou da consulta pública aumenta a lista de limitações e exceções à proteção do direito do autor.
A lei brasileira é tida como restritiva, justamente porque há poucas exceções aos direitos do autor. Além disso, a versão enviada pelo ministério institui a chamada cláusula geral, que faz com que as limitações e exceções não sejam interpretadas restritivamente, no sentido de só existirem aquelas previstas na lei, mas provê um mecanismo com o qual se consiga certa exibilidade para um julgamento caso a caso, com o objetivo de encontrar um equilíbrio entre, de um lado, os direitos do autor e, de outro, o direito à informação e o acesso à cultura do público em geral.
Já a legislação americana é bem cotada no ranking da Consumers International por causa do fair use (uso legítimo), uma doutrina que foi criada pelos tribunais nos EUA e incorporada à lei e que prevê que determinados usos da obra, mesmo sem a autorização do titular, são legítimos.
Mônica Guise, professora da disciplina Propriedade Intelectual da Escola de Direito da FGV em São Paulo e Coordenadora do Grupo de Ensino e Pesquisa em Inovação da mesma instituição, dá o seguinte exemplo: suponha que você esteja filmando um documentário em que entrevista um transeunte e o telefone dele toca. Mas o toque do celular dele é o último sucesso da Beyoncé. Em tese, teria de pedir autorização para a editora da artista. Na prática, constituiria fair use, pois não fere o mercado potencial da cantora: supõe-se que ninguém vai deixar de comprar o CD da Beyoncé se escutar, durante 2 segundos, o ringtone com seu sucesso em um documentário.
Pela lei brasileira vigente, atividades muito comuns na chamada geração Y são consideradas infrações à lei – por exemplo, copiar músicas de um CD para um aparelho portátil tipo iPod ou MP5, ou subir um videoclipe de sua banda preferida no YouTube. A proibição se estende a iniciativas tais como reproduzir o conteúdo integral de um livro com edição esgotada há anos. Caso queira fotocopiar um livro, o cidadão até pode, desde que seja para uso pessoal e o trecho não seja muito “grande”. Mas, segundo Mônica, a lei não dene o que seria um trecho razoável para reprodução. Isso dificulta a vida de alunos e professores, principalmente nas universidades.
A própria Mônica foi impedida, em uma instituição onde leciona, de fotocopiar uma obra de sua autoria para ceder aos alunos. Pois os direitos não são dela, são da editora. Os estabelecimentos de ensino, por sua vez, não têm poder de regulação da lei para dizer o que é um trecho grande ou não (o que, supõe-se, deve variar de acordo com o tamanho da obra). Eles podem até criar alguns critérios, que depois também podem ser questionados perante juíz
Em resumo: existe insegurança jurídica mesmo com a lei em vigor. E, com a utilização de obras alheias em alta na web, é consenso a necessidade de buscar novos mecanismos para dar segurança jurídica tanto para quem utiliza quanto para quem disponibiliza tais obras.
Um bom exemplo de iniciativa na área acadêmica e educacional é o portal e-unicamp, lançado em abril deste ano, para disponibilizar de materiais criados pelos próprios professores. Todo o conteúdo é licenciado pelo Creative Commons[4] e o público tem livre acesso.
[4]Criado por Lawrence Lessig, professor da Universidade de Stanford, nos EUA, foi lançado em 2001. São vários tipos de licença, desde a mais permissiva – a chamada de licença de atribuição, que permite que outros distribuam,
remixem, adaptem ou criem obras derivadas, mesmo que para uso com fins comerciais (desde que seja dado crédito pela criação original) – até a mais restritiva, que não permite o uso comercial das obras e nem a elaboração de obras derivadas da original
A pertinência da discussão sobre direitos autorais em tempos de compartilhamento de informação dispensa argumentos em sua defesa. Só para reforçar: há 30 anos, copiar músicas de um LP para uma ta cassete já era considerado uma infração à Lei dos Direitos Autorais. Só que você tocava a sua “fitinha” para, no máximo, duas dezenas de amigos. Hoje, você compartilha essa informação com milhares de pessoas em minutos.
E a indústria do entretenimento já entendeu que determinadas infrações acabam se congurando, na verdade, como publicidade das obras. Por isso, boa parte do material colocado na internet ilegalmente continua lá, apesar de as empresas detentoras dos direitos terem toda a legitimidade para mandar tirá-los do ar.
Ronaldo Lemos, ex-diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV, afirma em artigo recentemente publicado pelo UOL que o YouTube e outros sites mudam o funcionamento do direito autoral. Segundo ele, quando um vídeo é colocado ilegalmente no YouTube, seu dono tem duas opções: pedir sua retirada ou o reconhecimento de autoria, aceitando que o vídeo continue on-line e beneficiando-se da receita publicitária gerada por ele. Isso transforma a pirataria do vídeo em oportunidade de negócios. [5]
[5]Para ler a íntegra do artigo, acesse o link
Mônica Guise afirma que existem estudos mostrando que esse tipo de violação, na verdade, acaba sendo benéfico para a indústria da música, pois o consumidor toma contato com a obra e depois acaba querendo adquiri-la. Por isso, a indústria seria benevolente com determinadas violações.
Por outro lado, existe um movimento forte da indústria no sentido de eleger alguns “exemplos” para lembrar a todos de que é proibido baixar música ou conteúdo protegido. Emblemático foi um caso ocorrido em 2009, nos EUA, quando uma mãe solteira de 4 filhos foi condenada a pagar US$ 1,92 bilhão por ter baixado 24 músicas da internet.
O RECURSO DO CREATIVE COMMONS
De qualquer maneira, a disponibilização de obras na internet acabou levando a discussão para outro nível: não seria melhor tentar estabelecer, com o público, uma relação clara em que o autor diga o que se pode ou não fazer com a obra?
Supondo-se que, agora que detém os meios de tornar pública sua obra, o autor lance cada vez menos mão dos intermediários tradicionais, e que o conceito de obra colaborativa não resista aos preceitos da legislação autoral vigente, não seria prudente tentar garantir às gerações futuras – e às que vivem na atual insegurança da rede – uma forma de mediar as relações entre o autor e aqueles que pleiteiam o acesso à sua obra?
É basicamente esse o objetivo do sistema Creative Commons, uma das “soluções” encontradas para a questão dos direitos autorais, que permite o compartilhamento e o uso do conhecimento por meio de licenças jurídicas gratuitas.
Segundo o site da instituição, as licenças de direitos autorais Commons são fáceis de usar e fornecem ao autor uma forma simples e padronizada de conceder autorização para que as pessoas possam usar sua obra intelectual, sempre de acordo com as condições que o próprio autor escolher e em consonância com as leis de direitos autorais de cada país (mais na reportagem “Prenda-me se for capaz”, edição 76).
O sistema Commons é totalmente descentralizado. O autor simplesmente aplica as licenças à obra. E o Creative Commons administra essas licenças. A ideia é que o autor pode, sem a necessidade de um advogado ou de um intermediário, dizer para todos como a sua obra poderá ser utilizada. São mais de cem países aliados e o número de licenças hoje, no mundo, passa da casa dos 350 milhões.
A partir do momento em que o autor cria uma obra, ele adquire um bloco de direitos, garantidos pela lei de direitos autorais de seu país. No Brasil, os direitos patrimoniais do autor[6] podem ser cedidos ou licenciados. As licenças Commons são válidas no âmbito do direito de licenciamento do autor: podem ser baseadas nas leis de direitos autorais mais restritivas que existam, desde que estas concedam ao autor o direito de licenciar sua obra (o que é um princípio do direito autoral).
[6]O direito patrimonial de autor diz respeito aos proveitos econômicos que ele extrai da obra, por meio da comunicação ao público. O objeto de tutela é o bem material, comercial, que começa quando a obra sai do plano do ineditismo e passa a ser exposta
Recentemente, foi lançada a versão 4.0 das licenças Commons. A novidade é que ela dispensa o porting (uma espécie de adaptação). Até a versão número 3, as licenças eram criadas pelo Creative Commons Central, nos EUA, e cada país aliado tinha de fazer não só uma tradução dela, mas uma adaptação às leis de direito autoral vigentes no país. Mas a 4.0 foi criada de tal forma que pode ser adaptada a todos os países aliados, pois diz respeito justamente a pontos que são comuns entre as leis de direito autoral dos diversos países.
Isso foi possível porque as leis dos países estão cando cada vez mais harmonizadas, por conta das convenções internacionais sobre o tema. Além da Convenção de Berna, um outro marco foi a assinatura do acordo Trips – Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio –, segundo o qual todos os países afiliados à Organização Mundial do Comércio (OMC) teriam de cumprir requisitos mínimos referentes à propriedade intelectual.
O Brasil foi o terceiro país a adotar as licenças Creative Commons, lançadas aqui em 2004, em um evento com a presença e a bênção do compositor e então titular do Ministério da Cultura[7] (MinC), Gilberto Gil – o primeiro artista brasileiro a aderir publicamente à licença Creative Commons (leia aqui a entrevista com Gil).
[7]Em 2011, durante a gestão Ana de Hollanda, o MinC, que trazia em seu site a marca do licenciamento Creative Commons, retirou-a do ar, o que causou descontentamento geral entre os adeptos da licença. Após a lei de regulamentação do Escritório Central de Arrecadação de Direitos (Ecad), sancionada em agosto, os representantes do Commons consideram que há “clima” para uma retomada de conversações com o MinC
IMPORTANTE, MAS NÃO SUFICIENTE
A coordenadora legal do Creative Commons Brasil e professora no Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV/RJ, Mariana Valente, explica que, quando aplica uma licença Commons, o autor adere a uma ferramenta voluntária pela qual regulamenta, de forma pública, alguns desses direitos. É uma solução privada para o problema da rigidez da lei de direitos autorais. Surge da constatação de que muitos autores gostariam de ver seu trabalho compartilhado, principalmente na web. Mas, se colocarem simplesmente uma obra na rede, sem nenhuma licença, o que fica valendo é o padrão da Lei de Direitos Autorais e, portanto, o autor estará violando a lei.
As licenças Creative Commons não substituem nem obliteram as leis nacionais de direitos autorais, e, principalmente, não resolvem os problemas do arcabouço legal local. Exemplo: nos casos em que o autor entra em um contrato de cessão da obra com uma editora, gravadora ou outra intermediária qualquer, ele não pode licenciar o produto pelo Creative Commons.
Portanto, a iniciativa, embora já exitosa e inovadora, tem a limitação de se aplicar apenas a uma (ainda) pequena faixa de obras à disposição do público, e não necessariamente à faixa mais comercializada. Em síntese: o Creative Commons é importante, pois possibilita um modelo de negócio na comunidade da cultura livre, mas não suciente
O que, é claro, suscita críticas ao modelo Commons, tanto por parte daqueles que veem na licença algo prejudicial ao autor, no sentido de que ele poderia ganhar mais com a obra que está licenciando, quanto por parte dos que não gostam do excesso de autonomia individual que uma licença Commons concede ao autor.
Outra crítica diz respeito aos novos “intermediários”, aqueles que detêm a primazia dos conteúdos no mundo virtual, tais como Google ou Youtube, por exemplo (procurado pela reportagem, o Google não se pronunciou a respeito). Mariana Valente, do Creative Commons, admite que, apesar de a internet de fato ser uma ferramenta para a “desintermediação”, o fenômeno de “reintermediação” é uma realidade.
PARTICIPAÇÃO POPULAR E ECONOMIA CRIATIVA
Para Mariana, hoje há uma atmosfera mais propícia aos debates sobre mudanças nas leis de direito autoral. Há dez anos, por conta da revolução provocada pela internet, os países tentavam restringir ainda mais suas leis de direitos autorais.
Entretanto, Ronaldo Lemos relata, em recente artigo assinado no UOL, que na maioria dos países as tentativas de adaptar as leis de direito autoral para a internet estão paradas, o que não impede que as mudanças ocorram. Segundo ele, a reforma está acontecendo fora da lei, justamente com os novos modelos de licenciamento.
Com isso, o direito autoral na prática está sendo modificado privadamente. No Brasil, diz Lemos, se a nova lei finalmente vingar, é possível que já chegue velha.
Gilberto Gil acredita que a pressão popular e a disposição do Ministério da Cultura em acelerar o processo são importantes para que ela se materialize, e concorda que a atualização da lei é uma necessidade.
O compositor e ex-ministro arfima que o processo é demorado porque há, em jogo, interesses estabelecidos, ameaçados por novos interesses que estão emergindo. Ele aponta, no entanto, a própria atividade criativa como saída para a encruzilhada. “Quanto mais vai crescendo esse campo de atividades de interesses comerciais novos e criativos, que dependem da internet, mais pressão se exerce no sentido de acelerar a atualização da lei.”
Gil também crê que os artistas têm de estar atentos para a possibilidade de atendimento de variados mercados, dentro ou fora da rede. O que nos leva a crer que a adaptação aos novos tempos demanda, do autor, um novo tipo de cultura autoral, um novo olhar para as estruturas de criação e difusão que estão disponíveis (e para sua própria obra) e, sobretudo, uma nova forma de relação com os intermediários – estejam eles na web ou não.
Salta aos olhos o fato de que o autor da atualidade é muito mais gestor de sua obra, embora saibamos que nem todo autor demonstra, necessariamente, talento para a gestão. Essa é uma nova atribuição que lhe foi conferida, com a qual as gerações mais recentes lidam com mais facilidade, até porque dominam as ferramentas digitais com mais fluência, o que lhes permite gerir, compartilhar, divulgar e ter feedback sobre seu trabalho.
Nesse sentido, o caminho para uma lei à altura da realidade parece claro: o estímulo à chamada “economia criativa”, criação e popularização de cursos na área de gestão e difusão cultural em novas mídias digitais, invenção e utilização de novas soluções que pressionem as instituições (lembrando que qualquer um pode criar licenças privadas como as Creative Commons) e, por último, a participação popular nos processos de confecção do arcabouço legal sobre a matéria
A sociedade, não há dúvidas, está pronta a participar. Prova disso são as mais de 8 mil sugestões que o anteprojeto da lei recebeu durante os quase três meses de consultas públicas.
E as instituições, cujo modelo de negócio vai, aos poucos, se transformando, estão mais do que convidadas para esse diálogo. Se não participarem, talvez quem à mercê dos novos tempos, e dos jovens produtores de bens culturais e obras científicas que, ironicamente, ao criar e compartilhar suas produções na rede, são tidos como infratores de uma lei que nem sequer contempla suas novas modalidades de produção e difusão intelectual.
ORIGEM DO REGIME DE PRIVILÉGIOS
A ideia da proteção ao autor relaciona-se à invenção da impressão com tipos móveis, por volta de meados do século XV, que revolucionou o mercado de livros e demandou uma regulamentação sobre sua produção e comercialização.
As primeiras tentativas de proteção não eram endereçadas propriamente ao autor, muito menos à criação intelectual, mas tinham como pano de fundo o regime dos privilégios, conferidos pelos monarcas aos impressores originais, que tinham exclusividade sobre a utilização econômica das obras por determinado tempo.
É o caso do Estatuto da Rainha Ana, sancionado na Inglaterra em 1710. Como lembra o jurista Leonardo Estevam Zaninni (leia mais aqui), é “nele que se radica a concepção angloamericana do copyright, baseada na materialidade do exemplar e no direito exclusivo de reprodução deste”.
Mas, segundo o jurista, a figura do autor aparece mais nítida nas leis francesas de 1791 e 1793, sob a égide da concepção da “propriedade intelectual” defendida pelos iluministas, que expressamente reconheciam o direito do autor e garantiam a ele a exclusividade de exploração da obra.
Leia aqui a íntegra da entrevista com Gilberto Gil
*Este ensaio é resultado da parceria firmada entre PÁGINA22 e Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), que prevê a publicação mensal de textos sobre temas estratégicos para a construção da Plataforma Brasil Democrático e Sustentável.