Leia na íntegra a entrevista com Sebastião Wilson Tivelli, Pesquisador da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo
Hoje nos deparamos com uma questão importante sobre o acesso da população aos alimentos. Em geral, alimentos de melhor qualidade são menos acessíveis à população de baixa renda. Imagino que vários fatores que podem ajudar a explicar esse fenômeno, como a oferta/demanda e o barateamento dos alimentos industrializados, além do acesso à informação e os impactos de campanhas publicitárias no imaginário do público consumidor. Em sua opinião, existem caminhos possíveis e factíveis para o fornecimento de alimentos de qualidade, produzidos de forma justa e sustentável (sem exploração do trabalho, de acordo com padrões de bem-estar animal, sem uso excessivo de agrotóxicos, etc) e, ao mesmo tempo, com preço viável para todas as camadas da sociedade?
Sim, a venda direta feita pelo agricultor ao consumidor pode baratear o preço e disponibilizar alimentos de qualidade a todas as camadas da sociedade. Por sua vez, o consumidor que privilegiar os alimentos produzidos em sua cidade também terá acesso a alimentos de melhor qualidade e a preço acessível. O cuidado que precisamos tomar é que na última metade do século passado os diferentes governos estimularam os agricultores a plantar cada vez mais para fornecer alimentos baratos à população urbana, o que estimulou a urbanização de certa forma. Para isto, não era respeitado o ambiente e a lavoura ia até a beira dos rios, além dos subsídios dados pelos governos as empresas de agrotóxicos e outros insumos agrícolas. No início deste século, gradativamente a postura mudou. Os agricultores passaram a ser penalizados pelos danos ambientais e cobrados para restaurar as áreas de preservação permanente (APP) e ou manter a reserva legal. Isto sem falar na necessidade outorga para o uso da água e o licenciamento ambiental para as atividades agropecuárias. Algumas das demandas feitas pelas pessoas que moram na cidade custam mais do que o valor nominal da terra em boa parte do estado, como por exemplo, a recuperação das APPs. Portanto, os preços dos alimentos ainda terão de subir para todos para que possamos continuar a ter pessoas interessadas em produzir os nossos alimentos.
Na produção de ovos, por exemplo, alguns produtores afirmam que as galinhas apresentam queda na produtividade quando são criadas soltas, e isso se refletiria em um aumento de preço para o consumidor. A alta produtividade também encabeça uma crença generalizada de que apenas a produção em larga escala, representada pelo agronegócio, seria capaz de alimentar a população crescente. Pensando em um cenário de médio ou longo prazo, é possível conjugar agricultura familiar, sistemas humanizados de produção e produtividade suficiente para suprir a demanda da população por alimentos?
Em primeiro lugar, é necessário entender que a dita insegurança alimentar mundial seguramente não é por falta de alimento. Alimento existe, o problema é mais político e de logística para fazer os alimentos chegarem a todos. Assim, derrubo a tese que só a produção em larga escala pode sustentar a população.
No caso da produção de ovos, as galinhas criadas soltas ocupam um espaço maior de área, gastam mais energia se movimentando, portanto, parece-me natural que seu produto (o ovo) deva custar mais. A maximização da produtividade proposta no século passado anda no sentido contrário a demanda atual. Por que não gastar mais com um alimento saudável e reduzir os gastos na farmácia e com planos de saúde?
Independentemente do sistema de produção (orgânico ou com agrotóxico) o grande problema de todos os agricultores familiares é a comercialização. Infelizmente no Brasil (exceto em alguns estados do Sul) a organização dos agricultores em cooperativas e ou associações não progride. A lei de Gerson, onde todos querem levar vantagem, é uma instituição forte no Brasil. Se o gargalo está na comercialização e no escoamento da produção, esse é o ponto em que os Governos (Federal, Estadual e Municipal) devem atuar. Seja fomentando a compra institucional, seja abrindo espaço nas cidades para as feiras de produtores.
Qual a importância das certificações de alimentos? Há um encarecimento considerável em função do custo para os produtores?
A importância da certificação de alimentos está em garantir para o consumidor final que não pode (por questão de tempo e distância) visitar periodicamente o sítio onde são produzidos seus alimentos e não conhece os agricultores que alimentam sua família diariamente que aquele alimento que ele adquiriu é produzindo dentro das normativas estabelecidas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Para o agricultor familiar o custo é significativo, sim. Na certificação por auditoria, um produtor com 4 mil metros quadrado pagará de R$1.700,00 a R$2.500,00 por ano, mais o custo de duas inspeções anuais. Na certificação participativa, entre as visitas de pares, as visitas de inspeção e as reuniões do sistema participativo de garantia o agricultor pode investir até 42 dias dele de serviço por ano, além dos custos de deslocamento entre as propriedades. Quanto custa isso? São 42 dias por ano que ele não estará trabalhando em sua propriedade.
O senhor considera o Brasil um país seguro em termos alimentares? Como resolver a segurança alimentar mundial?
Considero que essa pergunta já foi parcialmente respondida, em especial a segunda. Contudo, se considerarmos que 85% da população brasileira vivem em cidades (no estado de SP são 96%) e que a insegurança alimentar é mais grave no campo do que nas cidades (vide os exemplos de seca no Nordeste ou os desastre naturais nas outras regiões – geada, granizo, vendavais entre outros), o Brasil precisa investir muito pouco em relação a outros países para ter segurança alimentar plena.
A biotecnologia é uma saída para a produção de alimentos (por exemplo, os transgênicos)?
Como pesquisador, eu considero a biotecnologia uma ferramenta útil. Não posso desconsiderar essa possibilidade no enriquecimento de cultivares de batata, feijão e arroz com proteínas e vitaminas.
Infelizmente ela vem sendo utilizada para aumentar o abismo econômico entre os agricultores. Muitos agricultores são excluídos do sistema produtivo por não conseguirem pagar pelo pacote tecnológico. Contudo, a rentabilidade para o agricultor é menor com transgênicos. Cada vez mais o agricultor precisa produzir mais para ganhar menos por hectare. A cultura do milho é emblemática neste ponto. Infelizmente o agricultor não faz a conta de quanto sobra no bolso dele por hectare ao final de cada safra. Hoje produzir milho não transgênico custa menos e rende mais para o agricultor no final da safra. Infelizmente a vantagem no controle das plantas espontâneas e das lagartas no milho transgênico veio associada à pulverização de fungicidas na lavoura, feita em larga escala por avião. Assim, um agricultor orgânico pode ter sua produção contaminada por deriva de fungicidas, mesmo que respeite as distâncias espacial e temporal de plantio de milho para seu vizinho produtor de milho transgênico.