A agenda de temas quentes no Brasil em 2014 vai além da Copa e das eleições
Dois mil e quatorze não é um ano comum. A Copa do Mundo da Fifa e as eleições já roubam a cena e as atenções da sociedade civil, do governo e do setor privado. A agenda da sustentabilidade, por sua vez, tem de lutar arduamente para manter o espaço já conquistado no debate público.
José Luciano Penido, presidente do conselho de administração da Fibria Celulose, resume bem os temas que resistirão na pauta destes 12 meses. “Há três desafios estruturais para o País: a implementação do Código Florestal, o investimento em energias renováveis e o investimento em infraestrutura”.
Ao mesmo tempo, a Copa abre uma janela de oportunidades para as agendas de direitos humanos e de desenvolvimento colocarem suas reivindicações na mesa, como o direito à moradia digna e o fim da violência institucional, como a praticada em presídios e serviços públicos. Já na agenda ambiental, o ano eleitoral pede esforços para evitar que as negociatas políticas apertem o gatilho de retrocessos como o desmantelamento dos processos de licenciamento e demarcação de Terras Indígenas.
PÁGINA22 pediu a opinião de porta-vozes de várias áreas sobre as expectativas para 2014 na agenda de sustentabilidade, depoimentos estes colhidos entre dezembro de 2013 e janeiro de 2014. Buscamos uma seara diversa de fontes, algumas até divergentes entre si.
No cerne das preocupações, aparece a matriz energética brasileira, citada por grande parte dos entrevistados. A insegurança em torno da capacidade de fornecimento, assim como a ampliação do uso de combustíveis fósseis – grandes emissores de gases de efeito estufa –, já está dando o que falar.
ATIVISMO E MANIFESTAÇÕES
A COPA DO MUNDO NO CENTRO DOS PROTESTOS
Pablo Ortellado, professor da USP
“Teremos muitas manifestações este ano, principalmente em torno da Copa do Mundo. A organização da Copa levou o governo a fazer remoções, limitar direitos civis e elitizar os estádios de futebol. Embora os custos sociais e políticos sejam certos, os benefícios esperados na forma de mais turismo e uma melhor imagem no exterior são incertos. Ativistas e movimentos sociais devem protestar contra essas medidas e não terão como reivindicar, visto que elas já foram consumadas. Assim, só caberá aos governos uma postura repressiva, apoiada na Lei Geral da Copa, que limita os direitos civis. A realização da reunião dos Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e as eleições podem contaminar as pautas das reivindicações.”
COPA DO MUNDO
O ESPORTE PEDE REESTRUTURAÇÃO
Afonso Garcia Reis, o Afonsinho, médico, ex-jogador de futebol e colunista da CartaCapital
“A poucos meses da Copa, a sensação que fica é de ‘esculhambação’. Se houvesse uma melhor capacidade de organização, o legado seria a prioridade, como os benefícios
sociais, o ganho para as cidades e o desenvolvimento da organização do esporte.
Existe um lado positivo de estarmos discutindo bastante a Copa – depois dela, temos a possibilidade de avaliar o que ficou de bom e de ruim, e levar a lição para as Olimpíadas. Mas, em geral, o balanço não é bom.
Vejo pouco esforço e sensibilidade da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) para melhorar as suas relações com os clubes e os jogadores de futebol. Na CBF e em muitas federações de outros esportes, a organização é medieval, com hierarquia rígida e transmissão hereditária de cargos. É uma situação que não pode sustentar-se por muito tempo.
Por outro lado, os meios de comunicação, cada vez mais ágeis, são o grande trunfo para a população que deseja ver transformações. Os cuidados com a segurança e a preparação para que a Copa aconteça vão ser intensos, mas os brasileiros estão se organizando por meio de novas formas que não podem ser detidas pelo Estado nem pelo poder estabelecido.”
DIREITOS HUMANOS
VIOLAÇÕES SERÃO MAIS VISÍVEIS
Sergio Haddad, diretor-presidente do Fundo Brasil de Direitos Humanos
“A Copa e as grandes obras de infraestrutura serão os espaços onde mais se visibilizarão violações de direitos, principalmente devido às significativas alterações e deslocamentos de grupos humanos. Há muitos movimentos se organizando para monitorar as ações dessas grandes obras, como a Hidrelétrica de Belo Monte. Os comitês populares da Copa, por exemplo, estão nos 12 estados que vão sediar os jogos. Já as campanhas eleitorais são os espaços de denúncia das violações e de evidência das conquistas de direitos, como a distribuição de renda.
Também os direitos das mulheres e dos homoafetivos terão destaque, porque a bancada evangélica deve usar a estratégia de contestá-los para angariar o eleitorado conservador. Mas espero que não haja um retrocesso dos direitos conquistados, o que já se vislumbra na agenda atual.
A violência institucional é outra questão muito candente, diante das violações em presídios e em serviços públicos. Estamos vivendo um período mais favorável para o debate sério, não demagógico, o que ajuda a promover os direitos humanos no País.”
MOBILIDADE URBANA
MENOS CARROS NA CIDADE
Marcos de Sousa, editor do portal Mobilize Brasil
“Janeiro de 2015 é a data-limite para que as cidades brasileiras concluam seus planos de mobilidade, conforme preconiza a nova Lei de Mobilidade Urbana (nº12.587/2012). É claro que alguns prefeitos farão um plano apenas para “cumprir tabela” e guardá-lo na gaveta, mas a memória das manifestações de junho passado ainda está muito quente e, provavelmente, teremos uma nova onda de protestos em 2014. Isso pode fazer a diferença e tirar alguns planos do papel.
Vale lembrar que, dos R$ 50 bilhões anunciados em 2013 pela presidente Dilma Rousseff para projetos de mobilidade, ainda restam cerca de R$ 40 bilhões nos cofres federais. Basta elaborar projetos – de verdade –, pegar o dinheiro e realizar as obras, de calçadas a sistemas de metrô.
O País precisa afastar o carro do meio urbano e investir fortemente em sistemas de transportes limpos e confortáveis, além de estimular o uso de bicicletas e o simples caminhar.”
DESIGUALDADE REGIONAL
DIFERENÇA CAI, MAS CONTINUA INACEITÁVEL
Rogério Boueri, diretor de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
“É possível detectar uma diminuição da desigualdade regional nas últimas duas décadas, embora ela ainda não esteja em um patamar aceitável. Há muito que avançar, porque as variações de PIB per capita ainda são muito elevadas – entre Piauí e São Paulo, por exemplo, a diferença chega a sete vezes.
O Fundo de Desenvolvimento Regional, que está atrelado à reforma tributária, parada no Congresso Nacional, poderia dar um novo ânimo à política regional. A reforma traria uma série de benefícios para o desenvolvimento dos estados, por exemplo, ao mudar a sistemática de cobrança do ICMS da origem para o destino. Isso favoreceria os estados consumidores, geralmente mais pobres.
A desigualdade regional também entra no debate eleitoral de forma indireta. O eleitor tem uma série de razões para votar, mas a econômica é muito forte. Se as condições econômicas em regiões mais pobres melhoram, as desigualdades regionais diminuem e seus moradores provavelmente tendem a votar em favor do governo.”
ENERGIA
A FALTA DE PLANEJAMENTO REBATERÁ NO FUTURO
Luiz Pinguelli Rosa, diretor da COPPE/UFRJ
“A situação no momento é vantajosa para o governo, porque a principal matriz energética brasileira é renovável. Mas há dois pontos fracos: o aumento do uso de usinas térmicas para a complementação das hidrelétricas quando não há vazão de água suficiente e a queda na participação do etanol em comparação com a gasolina.
É preciso resolver essas duas questões, aumentar a utilização da hidreletricidade, da eólica e de outras renováveis. A solar, por exemplo, é pouco explorada e o lixo urbano poderia ser usado na geração elétrica. O desmatamento deixou de ser o principal responsável pelas emissões de gases de efeito estufa. Somadas, as emissões da energia e da agricultura já superam a do desmatamento. Até 2020, o Brasil cumprirá com folga seus compromissos para redução de emissões. Mas precisa preparar uma política para depois dessa data.
Já durante as eleições, é possível que o governo seja bastante cobrado pelos problemas de distribuição de energia elétrica em várias cidades do País.”
Segundo o Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa, em 2012 as emissões causadas pelo desmatamento chegaram a 476 milhões de toneladas de CO2 equivalente, ante 440 milhões da agropecuária e 436 milhões da produção de energia. Em 2006, o desmatamento foi responsável pela emissão de mais de 1,2 bilhão de toneladas, enquanto os outros dois setores chegaram a pouco mais de 750 milhões.
AGRICULTURA
TECNOLOGIA AVANÇA; BUROCRACIA, NÃO
Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e diretor do Centro de Agronegócio da FGV
“Tudo indica que a tecnologia agropecuária brasileira seguirá melhorando a produtividade por hectare nas principais atividades, reduzindo a demanda por novas áreas e melhorando nossa sustentabilidade, com reflexos positivos na competitividade. Essa é a orientação das instituições de pesquisa e extensão rural e é também o desejo dos produtores rurais em geral.
O Estado tem contribuído para esse avanço. A legislação sobre biossegurança é rigorosa, o novo Código Florestal é estimulante (com o CAR[1]), o programa Agricultura de Baixo Carbono é importante e a legislação sobre orgânicos é moderna. Mas há nuvens negras no horizonte: a liberação de novas moléculas de defensivos agrícolas é burocratizada, demora muito, retardando a entrada no mercado de produtos menos agressivos ao meio ambiente. Por outro lado, a intensificação da agricultura leva ao aumento das pulverizações, devido ao surgimento de pragas ou doenças que demandam novas moléculas. Isso não é sustentável, nem econômica nem ambientalmente.
Alguns problemas sociais pendentes preocupam, como o caso das Terras Indígenas: se a Constituição de 1988 fosse seguida, não haveria complicação. Nela está claro que “terra indígena” é aquela ocupada por índios no dia da sua promulgação.
Em resumo, na tecnologia, seguimos avançando na sustentabilidade, já na burocracia, nem tanto.”
[1] Sigla para Cadastro Ambiental Rural, instrumento estipulado pelo novo Código Florestal. O CAR é uma base de dados que reúne informações ambientais das propriedades rurais, e servirá, entre outras aplicações, para o controle e monitoramento do desmatamento
TRIBUTAÇÃO VERDE
NÃO HÁ DEBATE SÉRIO SEM REVISÃO TRIBUTÁRIA
André Lima, assessor de Políticas Públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam)
“O grande avanço poderá ser a plataforma com diretrizes para uma Política Tributária Sustentável, que estamos trabalhando pelo Ipam em parceria com o Instituto Ethos, no âmbito do grupo de trabalho que criamos na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Faremos um grande esforço para que o tema entre no debate eleitoral, pois não é aceitável uma discussão séria sobre economia e sustentabilidade sem que o sistema tributário seja debatido e revisto. Um governante que diz defender a sustentabilidade, mas continua concedendo incentivos para queima de combustíveis fósseis, pecuária de baixa produtividade e matriz energética suja, não pode ser levado a sério.”
SETOR PRODUTIVO
GARGALOS AMBIENTAIS INFLUENCIAM SETOR
José Luciano Penido, presidente do Conselho de Administração da Fíbria Celulose
“Em termos econômicos, há três desafios estruturais para o País: a implementação do Código Florestal, o investimento em energias renováveis e o investimento em infraestrutura. O Código foi discutido por mais de dez anos e é importantíssimo que seja implementado para que o Brasil gerencie de forma transparente seu patrimônio ambiental. A indústria de base florestal e o agribusiness precisam dar o exemplo e liderar a iniciativa do Cadastro Ambiental Rural (CAR).
O segundo ponto é o governo federal repensar a exagerada ênfase de investimentos no pré-sal. Os subsídios deveriam ser reduzidos e direcionados para energias limpas e sustentáveis. O último gargalo é a deficiência de infraestrutura e de mobilidade. A indústria brasileira tem sua competitividade reduzida pela falta de estradas, portos e aeroportos, que atingiram um limite insuportável.
Mas essas soluções dependem de o business brasileiro e o internacional unirem-se para fazer parte delas. O Conselho Mundial Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável lançou o programa Vision 2050 – Action 2020[2], que conclama os empresários a tomar iniciativas mandatórias. Uma das ideias adequa-se muito ao Brasil – usar florestas como estratégia de sequestro de carbono.”
[2] Iniciativa que estabelece uma agenda de ações para as empresas, a fim de que contribuam para o desenvolvimento sustentável e a resiliência do próprio negócio. Mais em site
MUDANÇA CLIMÁTICA
DESARTICULAÇÃO ATRAPALHA POLÍTICAS EFETIVAS
Silvia Dias, membro do Conselho Deliberativo do Instituto Vitae Civilis
“O Brasil vem cumprindo seus compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa e tende a continuar ‘bem na foto’ durante um bom tempo. Isso porque, em comparação com outros países, temos um nível muito mais baixo de emissões por conta da matriz energética.
Por outro lado, nos últimos três anos houve um crescimento absurdo do uso de termelétricas e um alto investimento na exploração do petróleo do pré-sal. Enquanto países como China e Japão debatem e investem em energias renováveis e tecnologia,
aqui investimos pesadamente em fontes sujas.
O principal desafio do Brasil diante da mudança climática é fazer a lição de casa. Se, por um lado, nossos negociadores (participantes que negociam acordos nas conferências do clima) ajudam a minimizar conflitos entre blocos de países desenvolvidos e em desenvolvimento, por outro, falta prioridade política e sobra desarticulação entre os Três Poderes para formular e executar as políticas públicas.
Em 2014, a sociedade precisa incluir de maneira incisiva as questões climáticas no debate presidencial, ainda que as demandas não apareçam sob a expressão “mudança climática”, e sim por meio de exigências mais palpáveis, como transporte público de qualidade ou ações de combate aos efeitos da seca no Nordeste. Se houver comprometimento do candidato que for eleito, há mais perspectiva de coerência interna de 2015 em diante. Com maior articulação, mais os negociadores podem avançar nas conferências.”
RESÍDUOS SÓLIDOS
FIM DE PRAZOS, INÍCIO DE MUDANÇAS?
Gina Rizpah Besen, pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública da USP
“Em agosto de 2014 vencem os prazos legais que determinam a erradicação de lixões do País e a disposição final de rejeitos apenas em aterros. Para os lixões pode haver prorrogação do prazo ou assinatura de Termos de Ajustamento de Conduta entre municípios e o Ministério Público.
As propostas de acordos setoriais da logística reversa de embalagens e de eletroeletrônicos não atendem à meta da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).
No entanto, 2014, com Copa do Mundo e eleições, os embates entre os setores público e privado perdem força, podendo ser um ano de acomodações e sem protagonismos.
Os municípios, porém, têm papel fundamental na elaboração dos planos locais (de gestão de resíduos sólidos) e na implantação e ampliação da coleta seletiva para atingir as metas da PNRS.”
POLÍTICA AMBIENTAL
MOVIMENTOS PARA COMBATER RETROCESSOS
Mario Mantovani, diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica
“Retrocesso tem sido a palavra dos últimos anos e temos de evitar que esse quadro se agrave. As perspectivas são negativas, afinal, 2013 não era ano eleitoral e fez-se acordo com o que há de mais atrasado no País para garantir a tal ‘governabilidade’. Neste ano de eleições, a tendência é piorar.
Com a sociedade civil, vamos tentar fazer uma plataforma ambiental para os candidatos que contenha os principais temas da sustentabilidade e cobrar a inclusão dessa agenda. Há vários desafios: a PEC 215, as Unidades de Conservação e as Terras Indígenas, o Código de Mineração e o desmonte no processo de licenciamento. Esse último é tão grave quanto a questão fundiária, pois se trata do único instrumento que garante transparência e participação para o controle social.
O governo atual tem dado sinais de múltipla falência na área ambiental, no sistema fundiário e na própria reforma agrária, promovendo um retrocesso inacreditável. Embora pessimista com o governo, estou otimista porque a sociedade civil é capaz de agir. Acredito que os movimentos vão se organizar, agora que há um senso crítico maior.”
Leia mais:
As principais tendências globais para os próximos anos, em “O mundo depois de amanhã“
O desafio de se preparar para o futuro, em “Sondando o futuro“
[:en]A agenda de temas quentes no Brasil em 2014 vai além da Copa e das eleições
Dois mil e quatorze não é um ano comum. A Copa do Mundo da Fifa e as eleições já roubam a cena e as atenções da sociedade civil, do governo e do setor privado. A agenda da sustentabilidade, por sua vez, tem de lutar arduamente para manter o espaço já conquistado no debate público.
José Luciano Penido, presidente do conselho de administração da Fibria Celulose, resume bem os temas que resistirão na pauta destes 12 meses. “Há três desafios estruturais para o País: a implementação do Código Florestal, o investimento em energias renováveis e o investimento em infraestrutura”.
Ao mesmo tempo, a Copa abre uma janela de oportunidades para as agendas de direitos humanos e de desenvolvimento colocarem suas reivindicações na mesa, como o direito à moradia digna e o fim da violência institucional, como a praticada em presídios e serviços públicos. Já na agenda ambiental, o ano eleitoral pede esforços para evitar que as negociatas políticas apertem o gatilho de retrocessos como o desmantelamento dos processos de licenciamento e demarcação de Terras Indígenas.
PÁGINA22 pediu a opinião de porta-vozes de várias áreas sobre as expectativas para 2014 na agenda de sustentabilidade, depoimentos estes colhidos entre dezembro de 2013 e janeiro de 2014. Buscamos uma seara diversa de fontes, algumas até divergentes entre si.
No cerne das preocupações, aparece a matriz energética brasileira, citada por grande parte dos entrevistados. A insegurança em torno da capacidade de fornecimento, assim como a ampliação do uso de combustíveis fósseis – grandes emissores de gases de efeito estufa –, já está dando o que falar.
ATIVISMO E MANIFESTAÇÕES
A COPA DO MUNDO NO CENTRO DOS PROTESTOS
Pablo Ortellado, professor da USP
“Teremos muitas manifestações este ano, principalmente em torno da Copa do Mundo. A organização da Copa levou o governo a fazer remoções, limitar direitos civis e elitizar os estádios de futebol. Embora os custos sociais e políticos sejam certos, os benefícios esperados na forma de mais turismo e uma melhor imagem no exterior são incertos. Ativistas e movimentos sociais devem protestar contra essas medidas e não terão como reivindicar, visto que elas já foram consumadas. Assim, só caberá aos governos uma postura repressiva, apoiada na Lei Geral da Copa, que limita os direitos civis. A realização da reunião dos Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e as eleições podem contaminar as pautas das reivindicações.”
COPA DO MUNDO
O ESPORTE PEDE REESTRUTURAÇÃO
Afonso Garcia Reis, o Afonsinho, médico, ex-jogador de futebol e colunista da CartaCapital
“A poucos meses da Copa, a sensação que fica é de ‘esculhambação’. Se houvesse uma melhor capacidade de organização, o legado seria a prioridade, como os benefícios
sociais, o ganho para as cidades e o desenvolvimento da organização do esporte.
Existe um lado positivo de estarmos discutindo bastante a Copa – depois dela, temos a possibilidade de avaliar o que ficou de bom e de ruim, e levar a lição para as Olimpíadas. Mas, em geral, o balanço não é bom.
Vejo pouco esforço e sensibilidade da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) para melhorar as suas relações com os clubes e os jogadores de futebol. Na CBF e em muitas federações de outros esportes, a organização é medieval, com hierarquia rígida e transmissão hereditária de cargos. É uma situação que não pode sustentar-se por muito tempo.
Por outro lado, os meios de comunicação, cada vez mais ágeis, são o grande trunfo para a população que deseja ver transformações. Os cuidados com a segurança e a preparação para que a Copa aconteça vão ser intensos, mas os brasileiros estão se organizando por meio de novas formas que não podem ser detidas pelo Estado nem pelo poder estabelecido.”
DIREITOS HUMANOS
VIOLAÇÕES SERÃO MAIS VISÍVEIS
Sergio Haddad, diretor-presidente do Fundo Brasil de Direitos Humanos
“A Copa e as grandes obras de infraestrutura serão os espaços onde mais se visibilizarão violações de direitos, principalmente devido às significativas alterações e deslocamentos de grupos humanos. Há muitos movimentos se organizando para monitorar as ações dessas grandes obras, como a Hidrelétrica de Belo Monte. Os comitês populares da Copa, por exemplo, estão nos 12 estados que vão sediar os jogos. Já as campanhas eleitorais são os espaços de denúncia das violações e de evidência das conquistas de direitos, como a distribuição de renda.
Também os direitos das mulheres e dos homoafetivos terão destaque, porque a bancada evangélica deve usar a estratégia de contestá-los para angariar o eleitorado conservador. Mas espero que não haja um retrocesso dos direitos conquistados, o que já se vislumbra na agenda atual.
A violência institucional é outra questão muito candente, diante das violações em presídios e em serviços públicos. Estamos vivendo um período mais favorável para o debate sério, não demagógico, o que ajuda a promover os direitos humanos no País.”
MOBILIDADE URBANA
MENOS CARROS NA CIDADE
Marcos de Sousa, editor do portal Mobilize Brasil
“Janeiro de 2015 é a data-limite para que as cidades brasileiras concluam seus planos de mobilidade, conforme preconiza a nova Lei de Mobilidade Urbana (nº12.587/2012). É claro que alguns prefeitos farão um plano apenas para “cumprir tabela” e guardá-lo na gaveta, mas a memória das manifestações de junho passado ainda está muito quente e, provavelmente, teremos uma nova onda de protestos em 2014. Isso pode fazer a diferença e tirar alguns planos do papel.
Vale lembrar que, dos R$ 50 bilhões anunciados em 2013 pela presidente Dilma Rousseff para projetos de mobilidade, ainda restam cerca de R$ 40 bilhões nos cofres federais. Basta elaborar projetos – de verdade –, pegar o dinheiro e realizar as obras, de calçadas a sistemas de metrô.
O País precisa afastar o carro do meio urbano e investir fortemente em sistemas de transportes limpos e confortáveis, além de estimular o uso de bicicletas e o simples caminhar.”
DESIGUALDADE REGIONAL
DIFERENÇA CAI, MAS CONTINUA INACEITÁVEL
Rogério Boueri, diretor de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
“É possível detectar uma diminuição da desigualdade regional nas últimas duas décadas, embora ela ainda não esteja em um patamar aceitável. Há muito que avançar, porque as variações de PIB per capita ainda são muito elevadas – entre Piauí e São Paulo, por exemplo, a diferença chega a sete vezes.
O Fundo de Desenvolvimento Regional, que está atrelado à reforma tributária, parada no Congresso Nacional, poderia dar um novo ânimo à política regional. A reforma traria uma série de benefícios para o desenvolvimento dos estados, por exemplo, ao mudar a sistemática de cobrança do ICMS da origem para o destino. Isso favoreceria os estados consumidores, geralmente mais pobres.
A desigualdade regional também entra no debate eleitoral de forma indireta. O eleitor tem uma série de razões para votar, mas a econômica é muito forte. Se as condições econômicas em regiões mais pobres melhoram, as desigualdades regionais diminuem e seus moradores provavelmente tendem a votar em favor do governo.”
ENERGIA
A FALTA DE PLANEJAMENTO REBATERÁ NO FUTURO
Luiz Pinguelli Rosa, diretor da COPPE/UFRJ
“A situação no momento é vantajosa para o governo, porque a principal matriz energética brasileira é renovável. Mas há dois pontos fracos: o aumento do uso de usinas térmicas para a complementação das hidrelétricas quando não há vazão de água suficiente e a queda na participação do etanol em comparação com a gasolina.
É preciso resolver essas duas questões, aumentar a utilização da hidreletricidade, da eólica e de outras renováveis. A solar, por exemplo, é pouco explorada e o lixo urbano poderia ser usado na geração elétrica. O desmatamento deixou de ser o principal responsável pelas emissões de gases de efeito estufa. Somadas, as emissões da energia e da agricultura já superam a do desmatamento. Até 2020, o Brasil cumprirá com folga seus compromissos para redução de emissões. Mas precisa preparar uma política para depois dessa data.
Já durante as eleições, é possível que o governo seja bastante cobrado pelos problemas de distribuição de energia elétrica em várias cidades do País.”
Segundo o Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa, em 2012 as emissões causadas pelo desmatamento chegaram a 476 milhões de toneladas de CO2 equivalente, ante 440 milhões da agropecuária e 436 milhões da produção de energia. Em 2006, o desmatamento foi responsável pela emissão de mais de 1,2 bilhão de toneladas, enquanto os outros dois setores chegaram a pouco mais de 750 milhões.
AGRICULTURA
TECNOLOGIA AVANÇA; BUROCRACIA, NÃO
Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e diretor do Centro de Agronegócio da FGV
“Tudo indica que a tecnologia agropecuária brasileira seguirá melhorando a produtividade por hectare nas principais atividades, reduzindo a demanda por novas áreas e melhorando nossa sustentabilidade, com reflexos positivos na competitividade. Essa é a orientação das instituições de pesquisa e extensão rural e é também o desejo dos produtores rurais em geral.
O Estado tem contribuído para esse avanço. A legislação sobre biossegurança é rigorosa, o novo Código Florestal é estimulante (com o CAR[1]), o programa Agricultura de Baixo Carbono é importante e a legislação sobre orgânicos é moderna. Mas há nuvens negras no horizonte: a liberação de novas moléculas de defensivos agrícolas é burocratizada, demora muito, retardando a entrada no mercado de produtos menos agressivos ao meio ambiente. Por outro lado, a intensificação da agricultura leva ao aumento das pulverizações, devido ao surgimento de pragas ou doenças que demandam novas moléculas. Isso não é sustentável, nem econômica nem ambientalmente.
Alguns problemas sociais pendentes preocupam, como o caso das Terras Indígenas: se a Constituição de 1988 fosse seguida, não haveria complicação. Nela está claro que “terra indígena” é aquela ocupada por índios no dia da sua promulgação.
Em resumo, na tecnologia, seguimos avançando na sustentabilidade, já na burocracia, nem tanto.”
[1] Sigla para Cadastro Ambiental Rural, instrumento estipulado pelo novo Código Florestal. O CAR é uma base de dados que reúne informações ambientais das propriedades rurais, e servirá, entre outras aplicações, para o controle e monitoramento do desmatamento
TRIBUTAÇÃO VERDE
NÃO HÁ DEBATE SÉRIO SEM REVISÃO TRIBUTÁRIA
André Lima, assessor de Políticas Públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam)
“O grande avanço poderá ser a plataforma com diretrizes para uma Política Tributária Sustentável, que estamos trabalhando pelo Ipam em parceria com o Instituto Ethos, no âmbito do grupo de trabalho que criamos na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Faremos um grande esforço para que o tema entre no debate eleitoral, pois não é aceitável uma discussão séria sobre economia e sustentabilidade sem que o sistema tributário seja debatido e revisto. Um governante que diz defender a sustentabilidade, mas continua concedendo incentivos para queima de combustíveis fósseis, pecuária de baixa produtividade e matriz energética suja, não pode ser levado a sério.”
SETOR PRODUTIVO
GARGALOS AMBIENTAIS INFLUENCIAM SETOR
José Luciano Penido, presidente do Conselho de Administração da Fíbria Celulose
“Em termos econômicos, há três desafios estruturais para o País: a implementação do Código Florestal, o investimento em energias renováveis e o investimento em infraestrutura. O Código foi discutido por mais de dez anos e é importantíssimo que seja implementado para que o Brasil gerencie de forma transparente seu patrimônio ambiental. A indústria de base florestal e o agribusiness precisam dar o exemplo e liderar a iniciativa do Cadastro Ambiental Rural (CAR).
O segundo ponto é o governo federal repensar a exagerada ênfase de investimentos no pré-sal. Os subsídios deveriam ser reduzidos e direcionados para energias limpas e sustentáveis. O último gargalo é a deficiência de infraestrutura e de mobilidade. A indústria brasileira tem sua competitividade reduzida pela falta de estradas, portos e aeroportos, que atingiram um limite insuportável.
Mas essas soluções dependem de o business brasileiro e o internacional unirem-se para fazer parte delas. O Conselho Mundial Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável lançou o programa Vision 2050 – Action 2020[2], que conclama os empresários a tomar iniciativas mandatórias. Uma das ideias adequa-se muito ao Brasil – usar florestas como estratégia de sequestro de carbono.”
[2] Iniciativa que estabelece uma agenda de ações para as empresas, a fim de que contribuam para o desenvolvimento sustentável e a resiliência do próprio negócio. Mais em site
MUDANÇA CLIMÁTICA
DESARTICULAÇÃO ATRAPALHA POLÍTICAS EFETIVAS
Silvia Dias, membro do Conselho Deliberativo do Instituto Vitae Civilis
“O Brasil vem cumprindo seus compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa e tende a continuar ‘bem na foto’ durante um bom tempo. Isso porque, em comparação com outros países, temos um nível muito mais baixo de emissões por conta da matriz energética.
Por outro lado, nos últimos três anos houve um crescimento absurdo do uso de termelétricas e um alto investimento na exploração do petróleo do pré-sal. Enquanto países como China e Japão debatem e investem em energias renováveis e tecnologia,
aqui investimos pesadamente em fontes sujas.
O principal desafio do Brasil diante da mudança climática é fazer a lição de casa. Se, por um lado, nossos negociadores (participantes que negociam acordos nas conferências do clima) ajudam a minimizar conflitos entre blocos de países desenvolvidos e em desenvolvimento, por outro, falta prioridade política e sobra desarticulação entre os Três Poderes para formular e executar as políticas públicas.
Em 2014, a sociedade precisa incluir de maneira incisiva as questões climáticas no debate presidencial, ainda que as demandas não apareçam sob a expressão “mudança climática”, e sim por meio de exigências mais palpáveis, como transporte público de qualidade ou ações de combate aos efeitos da seca no Nordeste. Se houver comprometimento do candidato que for eleito, há mais perspectiva de coerência interna de 2015 em diante. Com maior articulação, mais os negociadores podem avançar nas conferências.”
RESÍDUOS SÓLIDOS
FIM DE PRAZOS, INÍCIO DE MUDANÇAS?
Gina Rizpah Besen, pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública da USP
“Em agosto de 2014 vencem os prazos legais que determinam a erradicação de lixões do País e a disposição final de rejeitos apenas em aterros. Para os lixões pode haver prorrogação do prazo ou assinatura de Termos de Ajustamento de Conduta entre municípios e o Ministério Público.
As propostas de acordos setoriais da logística reversa de embalagens e de eletroeletrônicos não atendem à meta da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).
No entanto, 2014, com Copa do Mundo e eleições, os embates entre os setores público e privado perdem força, podendo ser um ano de acomodações e sem protagonismos.
Os municípios, porém, têm papel fundamental na elaboração dos planos locais (de gestão de resíduos sólidos) e na implantação e ampliação da coleta seletiva para atingir as metas da PNRS.”
POLÍTICA AMBIENTAL
MOVIMENTOS PARA COMBATER RETROCESSOS
Mario Mantovani, diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica
“Retrocesso tem sido a palavra dos últimos anos e temos de evitar que esse quadro se agrave. As perspectivas são negativas, afinal, 2013 não era ano eleitoral e fez-se acordo com o que há de mais atrasado no País para garantir a tal ‘governabilidade’. Neste ano de eleições, a tendência é piorar.
Com a sociedade civil, vamos tentar fazer uma plataforma ambiental para os candidatos que contenha os principais temas da sustentabilidade e cobrar a inclusão dessa agenda. Há vários desafios: a PEC 215, as Unidades de Conservação e as Terras Indígenas, o Código de Mineração e o desmonte no processo de licenciamento. Esse último é tão grave quanto a questão fundiária, pois se trata do único instrumento que garante transparência e participação para o controle social.
O governo atual tem dado sinais de múltipla falência na área ambiental, no sistema fundiário e na própria reforma agrária, promovendo um retrocesso inacreditável. Embora pessimista com o governo, estou otimista porque a sociedade civil é capaz de agir. Acredito que os movimentos vão se organizar, agora que há um senso crítico maior.”
Leia mais:
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