No papel, o modelo brasileiro de gestão descentralizada e participativa dos recursos hídricos instituído pela Lei das Águas em janeiro de 1997 é o melhor dos mundos. Inspira se no padrão francês, em que o comitê de bacia é o principal organismo decisório para mediar conflitos e assegurar o equilíbrio entre oferta e demanda a longo prazo. Na prática, porém, o sistema tem funcionado com muitas limitações. “Os comitês de bacia em sua maioria são peças decorativas. A opinião dos comitês muitas vezes não repercute dentro do governo. Não há um sistema que faça essas informações chegarem ao topo da decisão”, lamenta o economista José Machado em entrevista que concedeu a PÁGINA 22, por telefone, de Brasília, dois dias após a comemoração do Dia Mundial da Água (22 de março). Segundo Machado, que presidiu a Agência Nacional de Águas (ANA) entre 2005 e 2009, “os comitês de bacia estão perplexos, porque alertaram para a crise da água em São Paulo, mas não foram ouvidos”.
Mentor do Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Consórcio PCJ), fundado em 1989, ele diz esperar que a crise seja capaz de exercer sua pedagogia e ensine os tomadores de decisão que é importante fortalecer o sistema de gestão. “Ou então revoguem-se a Lei nº 7.663 paulista e a 9.433 federal e salve-se quem puder. Se esse não for um sistema que funciona, é melhor revogá-lo do que mantê-lo.”
Para ele, hoje assessor do ministro do Interior, há um viés equivocado na gestão dos recursos hídricos que prioriza a oferta no lugar da gestão de demanda. “Infelizmente, o Poder Executivo vai sempre atrás da gestão de oferta, porque isso sempre implica fazer obras. Mas você nunca toma medidas estruturantes para diminuir a demanda, para induzir o uso racional da água.” A gestão centrada na oferta explica-se, segundo Machado,porque há “o fetiche da obra”, que rende dividendos eleitorais para o político.
Machado fez percurso inverso ao da tendência recente de turbinar secretários e ministros de perfil técnico para disputas eleitorais de modo a enfrentar o desgaste dos políticos profissionais entre a população. Elegeu-se prefeito de Piracicaba em 1988 e exerceu dois mandatos consecutivos na Câmara dos Deputados, antes de voltar ao comando da prefeitura piracicabana em 2001. A partir de 2005, contudo, o economista desinteressou-se pelas disputas eleitorais, voltando a centrar sua carreira na área técnica.
No fim da década de 1980, havia outras experiências de gestão hídrica regional parecidas com a do Consórcio PCJ?
O Comitê do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, foi o primeiro comitê de bacia do Brasil. Havia também uma experiência (de comitê de bacia) no Jacaré-Pepira (afluente do Tietê, no interior paulista) e o nosso consórcio estava dentro desse contexto do debate sobre a organização da bacia hidrográfica. Como o Rio Piracicaba estava numa situação muito crítica naquele período – havia muitas denúncias de mortandade de peixes e também reclamação sobre a escassez de água no canal do rio em função do Sistema Cantareira –, a sociedade civil já estava em processo de mobilização no limiar dos anos 1980.
Antes do consórcio, a sociedade civil fazia denúncias, manifestações?
Sim, principalmente em Piracicaba, capitaneadas pela Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Piracicaba. Isso criou um caldo de cultura para a criação do consórcio.
Como vocês conseguiram juntar prefeitos de diferentes partidos para fundar o consórcio?
Acho que tudo foi motivado pela premência. Todos perceberam que a situação do Rio Piracicaba não era assunto de um único município. Era de todos os municípios da bacia, com diferentes níveis de gravidade. Prevaleceu também o consenso e, sobretudo de nossa parte que estávamos na liderança, houve a compreensão de que não deveria ter “hegemonismo” no processo, tinha de ter parceria. Esse nível de confiança prevaleceu, as pessoas perceberam que era algo importante, que tínhamos de ultrapassar as barreiras partidárias.
Em que medida o modelo francês de gestão hídrica influenciou a formação do consórcio?
Os franceses já estavam envolvidos em uma consultoria no Rio Paraíba do Sul. Órgãos como a Fundap (Fundação do Desenvolvimento Administrativo) também estudavam o modelo francês. Em 1990, liderei, como presidente do consórcio, uma missão à França e à Alemanha com prefeitos e técnicos de vários órgãos estaduais para saber como era a experiência de gestão descentralizada e participativa. Fomos conhecer a experiência de gestão do Rio Sena, estivemos na sede da agência de água, e também fomos à Alemanha, que desde o início do século passado tinha organismos de bacia funcionando.
O modelo francês, que foi considerado a principal fonte de inspiração para a Lei das Águas (Lei nº 9.433/97), deu conta de envolver a sociedade e resolver problemas históricos de poluição nos rios da França, como o Rio Sena?
A lei brasileira não copiou ipsis litteris a legislação francesa. A nossa configuração institucional é muito diferente. A França é um país unitário, portanto, todo o domínio das águas é do Estado nacional francês. No Brasil, a Constituição de 1988 já trouxe a dupla dominialidade das águas (rios estaduais e federais). Tivemos muita dificuldade para promover uma legislação mais próxima da francesa, não só pelas diferenças na organização do Estado, mas também pela precariedade das nossas instituições. Não havia, assim, muita confiança de que o modelo francês podia ter um rebatimento integral no Brasil. O Estado francês coloca, por exemplo, recursos robustos nos comitês de bacia. Aqui é muito diferente, não há um empoderamento.
O dinheiro da cobrança não é suficiente para empoderar os comitês brasileiros?
Onde se implantou, no PCJ, no Paraíba do Sul, no São Francisco, a cobrança é um recurso que viabiliza desenvolver projetos de gestão. Dá para manter um escritório técnico, contratar projetos, elaborar planos, planejamento, orquestrar todo o processo de discussão, municiar o comitê de informações. Mas com o dinheiro da cobrança não há como fazer investimentos pesados em obras estruturantes.
Mas a cobrança atenua esse lugar fragilizado dos comitês perante o governo estadual?
Isso mitiga bastante essa hegemonia arrasadora do governo, dá mais autonomia ao comitê. Claro que a cobrança e a manutenção de um fundo para financiar suas ações, sobretudo a gestão e o planejamento, fortalecem o comitê. Mas a maioria dos comitês não tem viabilidade de executar a cobrança, porque não possui densidade econômica suficiente para gerar uma receita compatível com uma gestão eficiente. Diria que isso é bastante visível e viável no PCJ, no Paraíba do Sul, no Rio Doce, e agora no São Francisco. Mas não é generalizado para todo o País.
Fala-se que a bacia do PCJ e a Sabesp e o governo estadual de São Paulo travaram por duas décadas, até o fim dos anos 1990, uma guerra fria em torno da transposição de água para o Sistema Cantareira. Do que se tratou essa guerra fria? Ela ainda prossegue?
O Sistema Cantareira foi imposto de cima para baixo. A sociedade não teve possibilidade de participar, de contestar, de mitigar os impactos.
Por causa da ditadura?
Foi na ditadura que isso aconteceu (o Sistema Cantareira foi implantado em 1974). A região ficou muito prejudicada, o que gerou grande ressentimento com a Sabesp, que retira 33 metros cúbicos por segundo da Bacia do Piracicaba e nunca deu muita satisfação disso. Tomava isso como uma regra perpétua e a região nunca se conformou. Essa insatisfação vinha à tona quando ocorria um acidente no Piracicaba com mortandade de peixes e os jornais davam manchetes, as Câmaras Municipais aprovavam moções de repúdio. Essa disputa se arrasta desde que a obra do Cantareira foi autorizada pelo governo federal.
Além dos peixes, que outros problemas eram provocados na bacia pelo desvio da maior parte da água do Piracicaba para a Região Metropolitana de São Paulo?
Com essa retirada de 33 metros cúbicos por segundo sem interrupções, quando chegava o tempo de estiagem, uma visita ao Piracicaba, (que atravessa) um sítio urbano muito bonito totalmente ocupado por restaurantes e hotéis, causava muita revolta. Você só via pedra e mau cheiro. A cidade de Piracicaba até recentemente dependia exclusivamente do rio para o abastecimento público. Então, com toda a tecnologia disponível, o tratamento ainda deixava a água com muito cheiro de produto químico. Nos períodos de estiagem, essas condições sobressaíam. E aí todo aquele ressentimento por causa da inconformidade com uma obra imposta de cima para baixo vinha à tona. Havia passeatas, manifestações de populares, dos prefeitos.
Por que o histórico do consórcio postado no site do PCJ diz que essa guerra fria teria chegado ao fim em 1999, quando houve uma visita de vocês à Represa Jaguari, do Sistema Cantareira, e começaram negociações com a Sabesp visando à renovação da outorga em 2004?
Ela nunca foi superada. Quando o consórcio se consolida, o comitê de bacia se organiza. Aos olhos da opinião pública, significava que o governo estadual estava preocupado com a gestão, a recuperação e a revitalização do rio. Isso gera expectativas de que vai haver uma melhora. Durante esse processo de discussão, na renovação da outorga em 2004, houve um debate muito forte. Só foi possível a renovação da concessão da outorga naquele momento e a aceitação pelo comitê após uma longa e dura negociação. Instituíram-se vários mecanismos de gestão, como o banco de águas – um sistema de poupança de água durante o período de cheia.
Aí tanto a Sabesp como a Bacia do Piracicaba a jusante faziam retiradas maiores em função da água poupada durante o período da cheia. Houve um grande acordo em torno desse mecanismo, e isso mitigou ressentimentos, criou a perspectiva de uma gestão compartilhada. E, na assinatura do termo de compromisso dessa outorga, a Sabesp se comprometeu a encontrar novas alternativas para abastecer a capital que pudessem ao longo do tempo diminuir a dependência da capital das águas do Piracicaba.
A Sabesp não fez esse estudo, o que obrigou o governo do Estado a criar um comitê específico. Um comitê intersetorial, nomeado pelo governo do Estado em 2007 ou 2008, não me lembro a data exata, para encontrar uma solução global para a macrometrópole. É impossível encontrar uma solução setorial e particular para a Bacia do Piracicaba, sem considerar a Bacia do Alto Tietê, ou a Baixada Santista. Tudo está interligado. O trabalho já foi entregue. Está sedimentado ali um rol de alternativas, e o governo está escolhendo quais vai adotar para equacionar o conflito pelo uso da água na macrometrópole de São Paulo (veja o plano aqui).
O que temos observado é uma política de enxugar gelo. Falta água aqui, tira do Rio Piracicaba. Depois vamos captar do Ribeira do Iguape, do Paraíba do Sul. Não se enfrenta a problemática de forma duradoura, adotando medidas como a de obrigar novos prédios a instalar hidrômetros individuais. Enquanto isso, a Califórnia aprovou em 2009 uma lei que estabeleceu a meta de redução de 20% no consumo per capita de água até 2020.
Com toda certeza, o grande viés errado da gestão de recursos hídricos ainda em vigor no Brasil inteiro é que se prioriza a gestão de oferta, não se prioriza a gestão da demanda. Todas as medidas que você colocou, que outros países estão tomando, dizem respeito à gestão de demanda. Você precisa ter um aparato de instrumentos e medidas voltado para a gestão de demanda. Infelizmente, o Poder Executivo vai sempre atrás da gestão de oferta. Toda vez que se tem problema, faz-se obra para aumentar a oferta. Mas você nunca toma medidas estruturantes para diminuir a demanda, para induzir o uso racional da água. Esse desequilíbrio faz parte de uma cultura de gestão dos recursos hídricos no Brasil que precisamos mudar.
Por que se prioriza o lado da oferta e das obras?
Porque é o fetiche da obra, a obra dá dividendos, não é?
Eleitorais?
Só posso entender que é isso. Já a gestão de demanda não tem tanta visibilidade. Pelo contrário, você está tentando convencer o cidadão a consumir menos, de forma mais racional, enfim, ter uma cultura, uma educação para conviver com a escassez de água. A macrometrópole de São Paulo é uma das regiões de maior escassez de água do Brasil, se não for a maior. Tão ou mais grave que a do Semiárido.
Tão ou mais grave que a do Semiárido nordestino?
Sim, não é por causa da oferta. Há um desequilíbrio de demanda. Como o padrão de vida aí é muito elevado, o pessoal tende a consumir muita água, de maneira predatória. Não há um comportamento da sociedade voltado para o uso racional da água.
Se a Grande São Paulo cobrisse o custo real dessa operação de retirada de água de outras bacias para manter padrões perdulários de produção e consumo, isso não levaria a uma modificação na lógica econômica da região?
Com certeza. O pagamento pelo direito do uso dos recursos hídricos, que o PCJ já pratica, de uma forma ainda muito prudente, tem induzido a um uso mais racional, sobretudo por parte das indústrias. Agora na capital de São Paulo esse instrumento ainda não foi introduzido pelo Comitê do Alto Tietê. (O Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê e o governador Geraldo Alckmin anunciaram em 26 de março o início da cobrança pelo uso da água na região.)
A seu ver, há pouca autonomia do Comitê do Alto Tietê em relação ao governo estadual?
Acho que o Estado não ajuda muito a dar ao comitê essa autonomia de que ele precisa. Esse é um problema geral de nossos comitês de bacia, que recebem um apoio muito burocrático e protocolar do Poder Executivo. De modo geral, os governos relegam os comitês a segundo plano, porque entendem que não devem lhes transferir poder de decisão. Os comitês sem decisão ficam burocráticos. Acabam não encontrando motivação para se reunir e deliberar.
Por que no Alto Tietê a indústria foi mais reticente que no PCJ quanto à adoção da cobrança pelo uso?
É verdade que há uma contradição: se a indústria apoia (a cobrança) no Piracicaba, por que não apoia no Alto Tietê? Não sei explicar o porquê dessa contradição.
Lá também houve no começo essa resistência das empresas à cobrança?
Olha, não havia propriamente resistência. À medida que o comitê botou na pauta a cobrança pelo uso da água, claro que houve vozes ou setores que passaram a questionar.
Indústria e agricultores?
Nem tanto agricultores, que não só pagam pouco como há poucos irrigantes naquela região. Agora a indústria é importante e ela percebeu que a cobrança não era escorchante, nada exagerado. Em segundo lugar, eles participam, têm direito ao voto, debatem etc. Com as explicações que foram dadas de como ia funcionar, que o dinheiro da cobrança seria transferido integralmente para a bacia, eles entenderam tratar-se de algo promissor, que viria no futuro em benefício deles. É essa mentalidade que está faltando, a pessoa só olha no lado da contabilidade de custos, não olha o benefício. Imagina se todo mundo lava a mão na Bacia do Piracicaba e entrega a Deus, o futuro seria o caos.
Mas o comitê ajudou a estabilizar a oferta de água para a indústria em relação ao que ocorria até os anos 1980 e 1990?
A discussão que houve na renovação da outorga em 2004, para que São Paulo não levasse toda a água do leito do Piracicaba, trouxe mais segurança aos produtores da região. Quando a gestão se cristaliza de uma forma exitosa, não há dúvida de que ela transfere segurança hídrica. É por isso que os empresários da região apoiam o comitê. O comitê é uma voz que fala em nome deles.
A Lei nº 9.433/97 tem se mostrado eficaz para criar a gestão descentralizada e participativa, quando cumprida, mas parece insuficiente para fazer a gestão de demanda, não acha?
Concordo, porque, apesar de a Lei nº 9.433 ter estabelecido instrumentos e diretrizes para induzir o uso racional da água, na prática isso não está acontecendo, pelo fato de esta ser uma lei geral, meramente “autorizativa”, não é impositiva. Acredito que devamos direcionar o debate para induzir uma legislação mais rígida em termos de uso racional da água.
Em 2009, o senhor declarou a PÁGINA 22 que a gestão era mais prioritária do que a mudança climática na política dos recursos hídricos. O senhor mantém esse pensamento, tendo em vista o comportamento do clima no Sudeste neste último verão e os cenários climáticos do IPCC que apontam para o agravamento do padrão de irregularidade nas chuvas?
Veja, a maneira de fazermos essa vinculação entre recursos hídricos e mudança climática é através da gestão. Claro que existe uma legislação federal e uma política para a mudança climática, isso tem de seguir seu curso. Mas na área de recursos hídricos nós temos de investir em gestão. Agora mesmo estamos (no Ministério do Interior) modelando um sistema de preparação para a seca no Semiárido lá no Nordeste. O que nós temos hoje em relação à seca no Nordeste é gestão de crise, mas não existe gestão de risco. Tudo é reativo, é quando a crise já se instalou. Temos de ser preventivos, de nos antecipar, criar mecanismos para preparar as comunidades a enfrentar as crises mais severas promovidas pela mudança climática.
Essa gestão de risco poderia ser trazida para São Paulo?
É uma absoluta necessidade, sobretudo pelo que está acontecendo agora, que poderia ter sido mitigado se medidas de gestão de risco tivessem sido tomadas 15 anos atrás.
Para o senhor, não dependeria somente dos cenários do IPCC para que essa gestão de risco tivesse sido implementada?
De jeito nenhum. A situação de desequilíbrio dos recursos hídricos em São Paulo não depende só de mudança climática.
Mas agrava, não é?
Agrava, mas é um desequilíbrio latente, porque a demanda a população aumenta, a atividade econômica cresce, e os rios não são revitalizados na mesma proporção, e o desequilíbrio é fatal. Mesmo na represa de Cantareira faltam ações para preservar o sistema, dar sustentabilidade aos rios formadores. Por isso que lá tem o programa “Produtor de Água”, para produzir água, proteger nascente. Do contrário o Cantareira perderá a capacidade.
Falta articulação entre gestão hídrica, gestão ambiental e gestão urbana?
Vivemos uma época longa de crise financeira no Brasil, onde predominou uma certa ideologia no Estado tomado pelo neoliberalismo que simplesmente abandonou a cultura do planejamento. Estamos, a duras penas, recriando a cultura do planejamento. Não tem como fazer gestão sem integrar o planejamento. A Lei nº 9.433/97 diz claramente que a gestão hídrica tem de ser integrada com a gestão ambiental, com a gestão de geração de energia elétrica, com a gestão agrícola. Na prática, nós não fomos capazes ainda de criar um mecanismo de integração de políticas setoriais no planejamento integrado.
O tomador de decisão acha que sabe tudo e não confia na gestão descentralizada. Ou você acredita no planejamento integrado e participativo ou não. É o dilema. Estamos vislumbrando uma crise de água em São Paulo e comitês perplexos, porque alertaram para isso e não foram ouvidos.
Espero que a crise seja capaz de exercer sua pedagogia, ensinar os tomadores de decisão que é importante fortalecer o sistema de gestão. Ou então revoguem-se a Lei nº 7.663 paulista e a 9.433 federal, e salve-se quem puder. Os comitês de bacia em sua maioria são peças decorativas, sua opinião muitas vezes não repercute dentro do governo. Não há um sistema que faça essas informações chegarem ao topo da agenda.
Leia mais:
O que podemos aprender com a atual crise de abastecimento, em “Nó em pingo d’água“
A difícil relação da população urbana com seus rios, em “Os lados do rio“
O que empresas têm a ver com a preservação da água (e seu próprio futuro), em “A fonte secou“
Como usar melhor o recurso natural mais precioso, em “Saídas possíveis“
Tecnologias simples e baratas que fazem a diferença em regiões áridas, em “Tecnologias ancestrais“
[:en]
No papel, o modelo brasileiro de gestão descentralizada e participativa dos recursos hídricos instituído pela Lei das Águas em janeiro de 1997 é o melhor dos mundos. Inspira se no padrão francês, em que o comitê de bacia é o principal organismo decisório para mediar conflitos e assegurar o equilíbrio entre oferta e demanda a longo prazo. Na prática, porém, o sistema tem funcionado com muitas limitações. “Os comitês de bacia em sua maioria são peças decorativas. A opinião dos comitês muitas vezes não repercute dentro do governo. Não há um sistema que faça essas informações chegarem ao topo da decisão”, lamenta o economista José Machado em entrevista que concedeu a PÁGINA 22, por telefone, de Brasília, dois dias após a comemoração do Dia Mundial da Água (22 de março). Segundo Machado, que presidiu a Agência Nacional de Águas (ANA) entre 2005 e 2009, “os comitês de bacia estão perplexos, porque alertaram para a crise da água em São Paulo, mas não foram ouvidos”.
Mentor do Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Consórcio PCJ), fundado em 1989, ele diz esperar que a crise seja capaz de exercer sua pedagogia e ensine os tomadores de decisão que é importante fortalecer o sistema de gestão. “Ou então revoguem-se a Lei nº 7.663 paulista e a 9.433 federal e salve-se quem puder. Se esse não for um sistema que funciona, é melhor revogá-lo do que mantê-lo.”
Para ele, hoje assessor do ministro do Interior, há um viés equivocado na gestão dos recursos hídricos que prioriza a oferta no lugar da gestão de demanda. “Infelizmente, o Poder Executivo vai sempre atrás da gestão de oferta, porque isso sempre implica fazer obras. Mas você nunca toma medidas estruturantes para diminuir a demanda, para induzir o uso racional da água.” A gestão centrada na oferta explica-se, segundo Machado,porque há “o fetiche da obra”, que rende dividendos eleitorais para o político.
Machado fez percurso inverso ao da tendência recente de turbinar secretários e ministros de perfil técnico para disputas eleitorais de modo a enfrentar o desgaste dos políticos profissionais entre a população. Elegeu-se prefeito de Piracicaba em 1988 e exerceu dois mandatos consecutivos na Câmara dos Deputados, antes de voltar ao comando da prefeitura piracicabana em 2001. A partir de 2005, contudo, o economista desinteressou-se pelas disputas eleitorais, voltando a centrar sua carreira na área técnica.
No fim da década de 1980, havia outras experiências de gestão hídrica regional parecidas com a do Consórcio PCJ?
O Comitê do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, foi o primeiro comitê de bacia do Brasil. Havia também uma experiência (de comitê de bacia) no Jacaré-Pepira (afluente do Tietê, no interior paulista) e o nosso consórcio estava dentro desse contexto do debate sobre a organização da bacia hidrográfica. Como o Rio Piracicaba estava numa situação muito crítica naquele período – havia muitas denúncias de mortandade de peixes e também reclamação sobre a escassez de água no canal do rio em função do Sistema Cantareira –, a sociedade civil já estava em processo de mobilização no limiar dos anos 1980.
Antes do consórcio, a sociedade civil fazia denúncias, manifestações?
Sim, principalmente em Piracicaba, capitaneadas pela Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Piracicaba. Isso criou um caldo de cultura para a criação do consórcio.
Como vocês conseguiram juntar prefeitos de diferentes partidos para fundar o consórcio?
Acho que tudo foi motivado pela premência. Todos perceberam que a situação do Rio Piracicaba não era assunto de um único município. Era de todos os municípios da bacia, com diferentes níveis de gravidade. Prevaleceu também o consenso e, sobretudo de nossa parte que estávamos na liderança, houve a compreensão de que não deveria ter “hegemonismo” no processo, tinha de ter parceria. Esse nível de confiança prevaleceu, as pessoas perceberam que era algo importante, que tínhamos de ultrapassar as barreiras partidárias.
Em que medida o modelo francês de gestão hídrica influenciou a formação do consórcio?
Os franceses já estavam envolvidos em uma consultoria no Rio Paraíba do Sul. Órgãos como a Fundap (Fundação do Desenvolvimento Administrativo) também estudavam o modelo francês. Em 1990, liderei, como presidente do consórcio, uma missão à França e à Alemanha com prefeitos e técnicos de vários órgãos estaduais para saber como era a experiência de gestão descentralizada e participativa. Fomos conhecer a experiência de gestão do Rio Sena, estivemos na sede da agência de água, e também fomos à Alemanha, que desde o início do século passado tinha organismos de bacia funcionando.
O modelo francês, que foi considerado a principal fonte de inspiração para a Lei das Águas (Lei nº 9.433/97), deu conta de envolver a sociedade e resolver problemas históricos de poluição nos rios da França, como o Rio Sena?
A lei brasileira não copiou ipsis litteris a legislação francesa. A nossa configuração institucional é muito diferente. A França é um país unitário, portanto, todo o domínio das águas é do Estado nacional francês. No Brasil, a Constituição de 1988 já trouxe a dupla dominialidade das águas (rios estaduais e federais). Tivemos muita dificuldade para promover uma legislação mais próxima da francesa, não só pelas diferenças na organização do Estado, mas também pela precariedade das nossas instituições. Não havia, assim, muita confiança de que o modelo francês podia ter um rebatimento integral no Brasil. O Estado francês coloca, por exemplo, recursos robustos nos comitês de bacia. Aqui é muito diferente, não há um empoderamento.
O dinheiro da cobrança não é suficiente para empoderar os comitês brasileiros?
Onde se implantou, no PCJ, no Paraíba do Sul, no São Francisco, a cobrança é um recurso que viabiliza desenvolver projetos de gestão. Dá para manter um escritório técnico, contratar projetos, elaborar planos, planejamento, orquestrar todo o processo de discussão, municiar o comitê de informações. Mas com o dinheiro da cobrança não há como fazer investimentos pesados em obras estruturantes.
Mas a cobrança atenua esse lugar fragilizado dos comitês perante o governo estadual?
Isso mitiga bastante essa hegemonia arrasadora do governo, dá mais autonomia ao comitê. Claro que a cobrança e a manutenção de um fundo para financiar suas ações, sobretudo a gestão e o planejamento, fortalecem o comitê. Mas a maioria dos comitês não tem viabilidade de executar a cobrança, porque não possui densidade econômica suficiente para gerar uma receita compatível com uma gestão eficiente. Diria que isso é bastante visível e viável no PCJ, no Paraíba do Sul, no Rio Doce, e agora no São Francisco. Mas não é generalizado para todo o País.
Fala-se que a bacia do PCJ e a Sabesp e o governo estadual de São Paulo travaram por duas décadas, até o fim dos anos 1990, uma guerra fria em torno da transposição de água para o Sistema Cantareira. Do que se tratou essa guerra fria? Ela ainda prossegue?
O Sistema Cantareira foi imposto de cima para baixo. A sociedade não teve possibilidade de participar, de contestar, de mitigar os impactos.
Por causa da ditadura?
Foi na ditadura que isso aconteceu (o Sistema Cantareira foi implantado em 1974). A região ficou muito prejudicada, o que gerou grande ressentimento com a Sabesp, que retira 33 metros cúbicos por segundo da Bacia do Piracicaba e nunca deu muita satisfação disso. Tomava isso como uma regra perpétua e a região nunca se conformou. Essa insatisfação vinha à tona quando ocorria um acidente no Piracicaba com mortandade de peixes e os jornais davam manchetes, as Câmaras Municipais aprovavam moções de repúdio. Essa disputa se arrasta desde que a obra do Cantareira foi autorizada pelo governo federal.
Além dos peixes, que outros problemas eram provocados na bacia pelo desvio da maior parte da água do Piracicaba para a Região Metropolitana de São Paulo?
Com essa retirada de 33 metros cúbicos por segundo sem interrupções, quando chegava o tempo de estiagem, uma visita ao Piracicaba, (que atravessa) um sítio urbano muito bonito totalmente ocupado por restaurantes e hotéis, causava muita revolta. Você só via pedra e mau cheiro. A cidade de Piracicaba até recentemente dependia exclusivamente do rio para o abastecimento público. Então, com toda a tecnologia disponível, o tratamento ainda deixava a água com muito cheiro de produto químico. Nos períodos de estiagem, essas condições sobressaíam. E aí todo aquele ressentimento por causa da inconformidade com uma obra imposta de cima para baixo vinha à tona. Havia passeatas, manifestações de populares, dos prefeitos.
Por que o histórico do consórcio postado no site do PCJ diz que essa guerra fria teria chegado ao fim em 1999, quando houve uma visita de vocês à Represa Jaguari, do Sistema Cantareira, e começaram negociações com a Sabesp visando à renovação da outorga em 2004?
Ela nunca foi superada. Quando o consórcio se consolida, o comitê de bacia se organiza. Aos olhos da opinião pública, significava que o governo estadual estava preocupado com a gestão, a recuperação e a revitalização do rio. Isso gera expectativas de que vai haver uma melhora. Durante esse processo de discussão, na renovação da outorga em 2004, houve um debate muito forte. Só foi possível a renovação da concessão da outorga naquele momento e a aceitação pelo comitê após uma longa e dura negociação. Instituíram-se vários mecanismos de gestão, como o banco de águas – um sistema de poupança de água durante o período de cheia.
Aí tanto a Sabesp como a Bacia do Piracicaba a jusante faziam retiradas maiores em função da água poupada durante o período da cheia. Houve um grande acordo em torno desse mecanismo, e isso mitigou ressentimentos, criou a perspectiva de uma gestão compartilhada. E, na assinatura do termo de compromisso dessa outorga, a Sabesp se comprometeu a encontrar novas alternativas para abastecer a capital que pudessem ao longo do tempo diminuir a dependência da capital das águas do Piracicaba.
A Sabesp não fez esse estudo, o que obrigou o governo do Estado a criar um comitê específico. Um comitê intersetorial, nomeado pelo governo do Estado em 2007 ou 2008, não me lembro a data exata, para encontrar uma solução global para a macrometrópole. É impossível encontrar uma solução setorial e particular para a Bacia do Piracicaba, sem considerar a Bacia do Alto Tietê, ou a Baixada Santista. Tudo está interligado. O trabalho já foi entregue. Está sedimentado ali um rol de alternativas, e o governo está escolhendo quais vai adotar para equacionar o conflito pelo uso da água na macrometrópole de São Paulo (veja o plano aqui).
O que temos observado é uma política de enxugar gelo. Falta água aqui, tira do Rio Piracicaba. Depois vamos captar do Ribeira do Iguape, do Paraíba do Sul. Não se enfrenta a problemática de forma duradoura, adotando medidas como a de obrigar novos prédios a instalar hidrômetros individuais. Enquanto isso, a Califórnia aprovou em 2009 uma lei que estabeleceu a meta de redução de 20% no consumo per capita de água até 2020.
Com toda certeza, o grande viés errado da gestão de recursos hídricos ainda em vigor no Brasil inteiro é que se prioriza a gestão de oferta, não se prioriza a gestão da demanda. Todas as medidas que você colocou, que outros países estão tomando, dizem respeito à gestão de demanda. Você precisa ter um aparato de instrumentos e medidas voltado para a gestão de demanda. Infelizmente, o Poder Executivo vai sempre atrás da gestão de oferta. Toda vez que se tem problema, faz-se obra para aumentar a oferta. Mas você nunca toma medidas estruturantes para diminuir a demanda, para induzir o uso racional da água. Esse desequilíbrio faz parte de uma cultura de gestão dos recursos hídricos no Brasil que precisamos mudar.
Por que se prioriza o lado da oferta e das obras?
Porque é o fetiche da obra, a obra dá dividendos, não é?
Eleitorais?
Só posso entender que é isso. Já a gestão de demanda não tem tanta visibilidade. Pelo contrário, você está tentando convencer o cidadão a consumir menos, de forma mais racional, enfim, ter uma cultura, uma educação para conviver com a escassez de água. A macrometrópole de São Paulo é uma das regiões de maior escassez de água do Brasil, se não for a maior. Tão ou mais grave que a do Semiárido.
Tão ou mais grave que a do Semiárido nordestino?
Sim, não é por causa da oferta. Há um desequilíbrio de demanda. Como o padrão de vida aí é muito elevado, o pessoal tende a consumir muita água, de maneira predatória. Não há um comportamento da sociedade voltado para o uso racional da água.
Se a Grande São Paulo cobrisse o custo real dessa operação de retirada de água de outras bacias para manter padrões perdulários de produção e consumo, isso não levaria a uma modificação na lógica econômica da região?
Com certeza. O pagamento pelo direito do uso dos recursos hídricos, que o PCJ já pratica, de uma forma ainda muito prudente, tem induzido a um uso mais racional, sobretudo por parte das indústrias. Agora na capital de São Paulo esse instrumento ainda não foi introduzido pelo Comitê do Alto Tietê. (O Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê e o governador Geraldo Alckmin anunciaram em 26 de março o início da cobrança pelo uso da água na região.)
A seu ver, há pouca autonomia do Comitê do Alto Tietê em relação ao governo estadual?
Acho que o Estado não ajuda muito a dar ao comitê essa autonomia de que ele precisa. Esse é um problema geral de nossos comitês de bacia, que recebem um apoio muito burocrático e protocolar do Poder Executivo. De modo geral, os governos relegam os comitês a segundo plano, porque entendem que não devem lhes transferir poder de decisão. Os comitês sem decisão ficam burocráticos. Acabam não encontrando motivação para se reunir e deliberar.
Por que no Alto Tietê a indústria foi mais reticente que no PCJ quanto à adoção da cobrança pelo uso?
É verdade que há uma contradição: se a indústria apoia (a cobrança) no Piracicaba, por que não apoia no Alto Tietê? Não sei explicar o porquê dessa contradição.
Lá também houve no começo essa resistência das empresas à cobrança?
Olha, não havia propriamente resistência. À medida que o comitê botou na pauta a cobrança pelo uso da água, claro que houve vozes ou setores que passaram a questionar.
Indústria e agricultores?
Nem tanto agricultores, que não só pagam pouco como há poucos irrigantes naquela região. Agora a indústria é importante e ela percebeu que a cobrança não era escorchante, nada exagerado. Em segundo lugar, eles participam, têm direito ao voto, debatem etc. Com as explicações que foram dadas de como ia funcionar, que o dinheiro da cobrança seria transferido integralmente para a bacia, eles entenderam tratar-se de algo promissor, que viria no futuro em benefício deles. É essa mentalidade que está faltando, a pessoa só olha no lado da contabilidade de custos, não olha o benefício. Imagina se todo mundo lava a mão na Bacia do Piracicaba e entrega a Deus, o futuro seria o caos.
Mas o comitê ajudou a estabilizar a oferta de água para a indústria em relação ao que ocorria até os anos 1980 e 1990?
A discussão que houve na renovação da outorga em 2004, para que São Paulo não levasse toda a água do leito do Piracicaba, trouxe mais segurança aos produtores da região. Quando a gestão se cristaliza de uma forma exitosa, não há dúvida de que ela transfere segurança hídrica. É por isso que os empresários da região apoiam o comitê. O comitê é uma voz que fala em nome deles.
A Lei nº 9.433/97 tem se mostrado eficaz para criar a gestão descentralizada e participativa, quando cumprida, mas parece insuficiente para fazer a gestão de demanda, não acha?
Concordo, porque, apesar de a Lei nº 9.433 ter estabelecido instrumentos e diretrizes para induzir o uso racional da água, na prática isso não está acontecendo, pelo fato de esta ser uma lei geral, meramente “autorizativa”, não é impositiva. Acredito que devamos direcionar o debate para induzir uma legislação mais rígida em termos de uso racional da água.
Em 2009, o senhor declarou a PÁGINA 22 que a gestão era mais prioritária do que a mudança climática na política dos recursos hídricos. O senhor mantém esse pensamento, tendo em vista o comportamento do clima no Sudeste neste último verão e os cenários climáticos do IPCC que apontam para o agravamento do padrão de irregularidade nas chuvas?
Veja, a maneira de fazermos essa vinculação entre recursos hídricos e mudança climática é através da gestão. Claro que existe uma legislação federal e uma política para a mudança climática, isso tem de seguir seu curso. Mas na área de recursos hídricos nós temos de investir em gestão. Agora mesmo estamos (no Ministério do Interior) modelando um sistema de preparação para a seca no Semiárido lá no Nordeste. O que nós temos hoje em relação à seca no Nordeste é gestão de crise, mas não existe gestão de risco. Tudo é reativo, é quando a crise já se instalou. Temos de ser preventivos, de nos antecipar, criar mecanismos para preparar as comunidades a enfrentar as crises mais severas promovidas pela mudança climática.
Essa gestão de risco poderia ser trazida para São Paulo?
É uma absoluta necessidade, sobretudo pelo que está acontecendo agora, que poderia ter sido mitigado se medidas de gestão de risco tivessem sido tomadas 15 anos atrás.
Para o senhor, não dependeria somente dos cenários do IPCC para que essa gestão de risco tivesse sido implementada?
De jeito nenhum. A situação de desequilíbrio dos recursos hídricos em São Paulo não depende só de mudança climática.
Mas agrava, não é?
Agrava, mas é um desequilíbrio latente, porque a demanda a população aumenta, a atividade econômica cresce, e os rios não são revitalizados na mesma proporção, e o desequilíbrio é fatal. Mesmo na represa de Cantareira faltam ações para preservar o sistema, dar sustentabilidade aos rios formadores. Por isso que lá tem o programa “Produtor de Água”, para produzir água, proteger nascente. Do contrário o Cantareira perderá a capacidade.
Falta articulação entre gestão hídrica, gestão ambiental e gestão urbana?
Vivemos uma época longa de crise financeira no Brasil, onde predominou uma certa ideologia no Estado tomado pelo neoliberalismo que simplesmente abandonou a cultura do planejamento. Estamos, a duras penas, recriando a cultura do planejamento. Não tem como fazer gestão sem integrar o planejamento. A Lei nº 9.433/97 diz claramente que a gestão hídrica tem de ser integrada com a gestão ambiental, com a gestão de geração de energia elétrica, com a gestão agrícola. Na prática, nós não fomos capazes ainda de criar um mecanismo de integração de políticas setoriais no planejamento integrado.
O tomador de decisão acha que sabe tudo e não confia na gestão descentralizada. Ou você acredita no planejamento integrado e participativo ou não. É o dilema. Estamos vislumbrando uma crise de água em São Paulo e comitês perplexos, porque alertaram para isso e não foram ouvidos.
Espero que a crise seja capaz de exercer sua pedagogia, ensinar os tomadores de decisão que é importante fortalecer o sistema de gestão. Ou então revoguem-se a Lei nº 7.663 paulista e a 9.433 federal, e salve-se quem puder. Os comitês de bacia em sua maioria são peças decorativas, sua opinião muitas vezes não repercute dentro do governo. Não há um sistema que faça essas informações chegarem ao topo da agenda.
Leia mais:
O que podemos aprender com a atual crise de abastecimento, em “Nó em pingo d’água“
A difícil relação da população urbana com seus rios, em “Os lados do rio“
O que empresas têm a ver com a preservação da água (e seu próprio futuro), em “A fonte secou“
Como usar melhor o recurso natural mais precioso, em “Saídas possíveis“
Tecnologias simples e baratas que fazem a diferença em regiões áridas, em “Tecnologias ancestrais“