Olha isso!
Em um país que ainda não foi capaz de cumprir agendas do século XIX (saneamento básico, habitação etc.), nós, brasileiros, tendemos a depositar sobre os governos a expectativa de resolver muitos de nossos problemas. Ouvi narrativas similares no semestre em que morei nos Estados Unidos, mas os americanos esperavam soluções vindas do setor privado. E por que não de nós, cidadãos?
Jennifer Pahlka, fundadora e diretora executiva da iniciativa Code for America, uma rede de geeks que visa o desenvolvimento de soluções abertas para a administração pública (como uma hackathon de mais longa duração), vê a possibilidade de governos se tornarem “plataformas” para a emergência de uma cidadania ativa, engajada na solução dos problemas de sua cidade (ver sua palestra TED).
Cita como exemplo um aplicativo móvel desenvolvido por um membro do projeto para a cidade de Boston, que convidava os moradores da cidade a “adotar” hidrantes próximos à sua casa, retirando a neve de sua volta no inverno. A solução se multiplicou, tendo sido adotada em Honolulu em relação às sirenes de alerta de tsunamis (que às vezes têm suas baterias roubadas), Seattle fez o mesmo em relação a suas bocas de lobo (que entopem de folhas no outono), e várias outras cidades adaptaram essa mesma solução.
Ainda que não houvesse outra razão, iniciativas como a Code for America poupam os bolsos dos contribuintes. Um processo de licitação de soluções de TI pode levar anos e custar milhões de reais, comparado ao trabalho de alguns dias ou semanas feito por voluntários da sociedade civil, muitas vezes resultando em uma solução tecnicamente superior e, o que é muito importante, aberta, podendo ser copiada e modificada por outros governos para atender a suas especificidades.
Soluções como essas não tratam da terceirização das responsabilidades dos governos para sua população. Muitas vezes ocorre o contrário: facilitam a cobrança pela população de ações de seus governos, aumentando a responsabilização destes. Quando a solução prescinde de intervenção estatal, faz com que os habitantes percebam que também são corresponsáveis por sua cidade.
Como argumenta Benjamin Barber, autor de If Mayors Ruled the World (Se os prefeitos comandassem o mundo), enquanto estados e países são abstrações, cidades são construções mais concretas, onde as pessoas de fato nascem, vivem e morrem (ver sua palestra TED). Mais importante: nelas as pessoas estão mais próximas de seus representantes eleitos, inclusive fisicamente. É talvez nas cidades, portanto, que esteja o maior potencial de o governo servir como plataforma para uma cidadania ativa.
Se governos forem capazes de ativar e engajar esse espírito comunitário de seus cidadãos, fazendo com que grades e muros, que hoje separam vizinhos, sejam gradativamente substituídos por praças e outros espaços públicos que os unam em torno de soluções para os problemas cotidianos, tornará não apenas seu trabalho mais fácil (por ampliar o número de parceiros em uma causa comum), como melhor a vida na cidade.
*Doutor em Administração Pública e Governo[:en]Olha isso!
Em um país que ainda não foi capaz de cumprir agendas do século XIX (saneamento básico, habitação etc.), nós, brasileiros, tendemos a depositar sobre os governos a expectativa de resolver muitos de nossos problemas. Ouvi narrativas similares no semestre em que morei nos Estados Unidos, mas os americanos esperavam soluções vindas do setor privado. E por que não de nós, cidadãos?
Jennifer Pahlka, fundadora e diretora executiva da iniciativa Code for America, uma rede de geeks que visa o desenvolvimento de soluções abertas para a administração pública (como uma hackathon de mais longa duração), vê a possibilidade de governos se tornarem “plataformas” para a emergência de uma cidadania ativa, engajada na solução dos problemas de sua cidade (ver sua palestra TED).
Cita como exemplo um aplicativo móvel desenvolvido por um membro do projeto para a cidade de Boston, que convidava os moradores da cidade a “adotar” hidrantes próximos à sua casa, retirando a neve de sua volta no inverno. A solução se multiplicou, tendo sido adotada em Honolulu em relação às sirenes de alerta de tsunamis (que às vezes têm suas baterias roubadas), Seattle fez o mesmo em relação a suas bocas de lobo (que entopem de folhas no outono), e várias outras cidades adaptaram essa mesma solução.
Ainda que não houvesse outra razão, iniciativas como a Code for America poupam os bolsos dos contribuintes. Um processo de licitação de soluções de TI pode levar anos e custar milhões de reais, comparado ao trabalho de alguns dias ou semanas feito por voluntários da sociedade civil, muitas vezes resultando em uma solução tecnicamente superior e, o que é muito importante, aberta, podendo ser copiada e modificada por outros governos para atender a suas especificidades.
Soluções como essas não tratam da terceirização das responsabilidades dos governos para sua população. Muitas vezes ocorre o contrário: facilitam a cobrança pela população de ações de seus governos, aumentando a responsabilização destes. Quando a solução prescinde de intervenção estatal, faz com que os habitantes percebam que também são corresponsáveis por sua cidade.
Como argumenta Benjamin Barber, autor de If Mayors Ruled the World (Se os prefeitos comandassem o mundo), enquanto estados e países são abstrações, cidades são construções mais concretas, onde as pessoas de fato nascem, vivem e morrem (ver sua palestra TED). Mais importante: nelas as pessoas estão mais próximas de seus representantes eleitos, inclusive fisicamente. É talvez nas cidades, portanto, que esteja o maior potencial de o governo servir como plataforma para uma cidadania ativa.
Se governos forem capazes de ativar e engajar esse espírito comunitário de seus cidadãos, fazendo com que grades e muros, que hoje separam vizinhos, sejam gradativamente substituídos por praças e outros espaços públicos que os unam em torno de soluções para os problemas cotidianos, tornará não apenas seu trabalho mais fácil (por ampliar o número de parceiros em uma causa comum), como melhor a vida na cidade.
*Doutor em Administração Pública e Governo