Por Amália Safatle
A criação de um fundo capaz de bancar estudos e políticas que preparem determinada região para receber grandes obras pode inaugurar um novo patamar em termos de desenvolvimento local no Brasil. Até então, medidas para redução de impactos sociais e ambientais são tomadas juntamente com ou depois da instalação do canteiro de obras. Reunir recursos que permitam desenhar o que se vislumbra para determinado local em um futuro próximo não só contribui para melhor administrar impactos negativos como abre a possibilidade de planejar oportunidades positivas de desenvolvimento. Essa é a proposta que Hector Gomez Ang, country manager no Brasil da International Finance Corporation (IFC), detalha nesta entrevista. A IFC é o braço financeiro do Banco Mundial, dedicada ao setor privado, com atuação em mais de 100 países. Na visão de Ang, o Brasil distingue-se dos demais mercados emergentes em razão de uma forte agenda socioambiental.
O que o IFC entende por desenvolvimento local?
Como uma instituição financeira e de desenvolvimento, temos uma série de critérios que visam o desenvolvimento ambiental e social de qualquer projeto que seja por nós financiado. Isso compreende o desenvolvimento local. Temos aprendido e aprimorado nosso entendimento. Nossa visão é que toda grande obra tem de trazer benefícios e minimizar impactos para as comunidades e partes interessadas que estão na região da grande obra.
Mas, quando o senhor fala em “desenvolvimento local”, quer dizer o que exatamente?
Grandes projetos de infraestrutura geralmente estão em uma área remota, com baixa densidade demográfica em termos absolutos e com nível limitado de capacidade do setor público para agir e reagir aos impactos que vêm. Então, nossa aproximação tem a ver tanto com a parte anterior quanto com a que vem depois da instalação. Significa desenvolvimento da capacidade local do governo, compartilhamento dos benefícios, oportunidades de longo prazo para as comunidades. A outra questão é o que acontece quando a obra acaba, e aquele fluxo de pessoas vai embora.
Que critérios a IFC usa para definir políticas de financiamento a empreendimentos de grande porte? E como a IFC usa a concessão de financiamento para condicionar a adoção de práticas sustentáveis?
A avaliação ambiental e social é tão importante quanto a sustentabilidade financeira, e a gente dedica a mesma quantidade de tempo para entender e avaliar esses impactos. Um projeto típico da IFC terá uma avaliação financeira e do negócio – se é rentável –, e depois sobre todos os impactos sociais e ambientais.
Antes da obra?
Vai depender do tipo de projeto. Se for de mineração, muito provavelmente será antes; se for uma fábrica existente no meio da Amazônia, o trabalho é entender como esse projeto vai gerir esses potenciais impactos. Não tem nenhuma regra, é caso a caso.
O ideal é que fosse antes, não é?
No mundo ideal, sim. O ideal é que não tivesse nada, que os impactos fossem totalmente gerenciados. Mas o mundo ideal não existe. Claramente é mais fácil fazer todos os estudos antes do que depois da obra já instalada.
Vocês dão pesos iguais para os critérios ambientais, sociais e econômicos na cessão de financiamento?
Não é um modelo matemático, isso faz parte de uma série de avaliações e decisões que se baseiam em informações, mas o que posso dizer é que, se um projeto não for sustentável social ou ambientalmente, nossa decisão será de não financiá-lo ou desenvolvê-lo. Mas não é algo binário, um ou zero. Se as melhores práticas estão aqui (mostra com uma mão um patamar alto) e projeto está aqui (mostra com a outra mão um patamar mais baixo), vamos dizer ao cliente o que precisa fazer para minimizar os impactos. Se o cliente aceitar fazer um planejamento para atingir esse nível mais alto em um período relativamente rápido, a gente vê isso como parte de nosso papel.
O papel de indutor a um nível mais próximo do ideal?
Sim. O momento em que você tem maior poder para esse alinhamento é quando está negociando um financiamento. Uma vez que já financiamos um projeto, é sempre mais complexo “barganhar”. A nossa primeira linha de defesa é a escolha dos parceiros e dos clientes para fazer esses projetos. Analisando nosso histórico, a principal razão para o sucesso desses projetos que têm um grande impacto é o nível de compromisso do cliente ou do parceiro com os temas socioambientais. Esse é o ponto de partida. Pode haver todos os mecanismos, as regras, mas, se o empreendedor não tiver isso claro, não vamos chegar a lugar nenhum.
É o empreendedor que busca a IFC?
Digamos que em metade dos casos nós ativamente fomos procurar o cliente, porque são projetos alinhados à nossa estratégia. E, na outra metade, foi a empresa que nos procurou. Embora tenhamos no Brasil um dos maiores programas de investimento da IFC no mundo, com cerca de US$ 2 bilhões por ano, não temos aqui nenhum grande empreendimento no momento, como hidrelétricas.
Por que não?
Tem a ver com o modelo de financiamento de infraestrutura no Brasil, em que os bancos estatais têm uma atuação relevante. Não é porque a IFC não quis financiar, é simplesmente porque, nesses projetos, quando chegam a uma fase de implementação, o empreendedor tem acesso a um financiamento muito competitivo fornecido pelos bancos estatais. Se a gente tivesse a oportunidade, avaliaria. Para a frente, a nossa visão é que o modelo de financiamento da infraestrutura no Brasil vai mudar, vai evoluir para um modelo que tenha mais fontes privadas – o que faz parte da sustentabilidade do modelo financeiro –, e a nossa expectativa é que a gente vai se envolver, sim, em projetos de grande porte.
Financiando esses agentes privados?
Sim, a gente está se preparando para isso. Todos os corredores logísticos que estão sendo desenvolvidos no Tapajós, para escoamento da produção no Norte, toda essa parte tem a ver com uma agenda de competitividade para a IFC. Ou seja, o Brasil tem produtores agrícolas muito competitivos, mas, quando essa produção chega ao porto, eles perdem a competitividade. Então há uma série de obras de logística que estão alinhadas à nossa estratégia. Está tendo e vai ter um boom na região, com o seguinte desafio: como administrar esse fluxo de pessoas, de dinheiro, de receitas, em comunidade pequenas, como Itaituba (no Pará)?
Diante disso, estamos conversando com determinados atores para talvez desenvolver algum mecanismo, que chamamos de early funding, ou financiamento antecipado, por meio do qual, antes de se implantar o projeto, vão-se fazer os estudos e desenhar as ações que são necessárias. E isso custa. Alguém tem de bancar esses estudos e ações. Se você não fizer um negócio integrado e abrangente, virão os privados e farão o melhor que puderem, mas precisariam de uma ação concertada, para desenhar como essa região deverá ficar daqui a cinco anos. Conforme vão se instalando, as empresas devem devolver o dinheiro a esse fundo antecipatório. É uma ideia ainda muito embrionária,
mas é uma das formas de fazer.
Para a empresa realizar tanto os estudos quanto a obra, precisa de um financiamento que depende primeiro da aprovação do licenciamento ambiental. Então, o estudo chega ao mesmo tempo que o canteiro de obras. Com essa iniciativa, vocês antecipariam a liberação do recurso, é isso?
A ideia é ajustar um pouco mais o mundo que a gente considera próximo do ideal.
Essa é uma ideia da IFC global ou brasileira?
É um conceito que a IFC no Brasil tem conversado com algumas partes interessadas relevantes, incluindo BNDES, algumas ONGs, entes privados. Compare quanto será investido na região da Amazônia – R$ 40 milhões, 50 milhões, 100 milhões – com outros projetos de porte na infraestrutura na América Latina, como a expansão do Canal do Panamá, de R$ 10 milhões. Veja como aqui as dimensões são gigantescas. Então, são grandes oportunidades e grandes desafios. Nossa visão é de que temos um papel a desempenhar nesse grupo, mas isso no Brasil, por enquanto.
Como funcionaria exatamente esse fundo?
O IFC e alguns parceiros – outros bancos, empresas de logística, talvez alguns doadores – colocariam dinheiro em um fundo para desenhar como será o futuro dessas regiões. O dinheiro será gasto em estudos e políticas, e o IFC ficaria no meio dos parceiros para dar transparência ao processo. E não basta sair com um ótimo relatório – relatórios já
tem muitos –, é preciso ajudar o governo local, prefeituras e governo do estado a ter a capacidade de implementar, adquirir a capacidade de gerenciar esse futuro que virá. No futuro, serão instalados um estaleiro, um porto, uma fábrica de mineração. Esses atores vão chegar e devolverão parte do recurso que foi usado para esses estudos, para recompor o fundo. O fundo recomposto será usado para financiar estudos em outras áreas. No mundo ideal – não existe ainda – o fundo deveria ter fôlego para trabalhar em várias áreas ao mesmo tempo, ao menos em dois lugares. É uma ideia interessante, mas tem de ser aterrissada.
Depende do que para aterrissar? O que falta?
Eu sou um otimista. O primeiro requisito é o compromisso de todos os envolvidos. Depois, conversar sobre os detalhes com os potenciais parceiros e ver quem será o pai da criança, pois é preciso ter uma liderança para implementar. Existe o compromisso do governo, das prefeituras, dos diferentes financiadores, todos estão se alinhando. E tem uma necessidade, então acredito que a iniciativa tem futuro.
E todos ganham, não é? Ou não?
Sim, tem um ganha-ganha.
Essas ações seriam basicamente no Norte do País?
É que o Norte é a região que está recebendo maior volume e tem aspectos sociais e ambientais mais desafiadores, mas você pode fazer isso em qualquer lugar que receberá projetos de grande porte. No nosso caso, fora do Brasil, tem esse tipo de engajamento no Peru, onde há grandes investimentos em mineração e com forte impacto nas comunidades. A IFC engajou-se às prefeituras para criar capacidade de administrar os recursos que vêm desse boom de mineração, em benefício das comunidades.
Como a política de financiamento da IFC variou ao longo do tempo no Brasil, em face do aumento das pressões da sociedade civil e à luz das experiências bem e malsucedidas?
A IFC criou em 2006 os Performance Standards, ou Princípios de Sustentabilidade, formado por oito mandamentos: avaliação e gestão de riscos e impactos socioambientais; condições de emprego e trabalho; eficiência de recursos e prevenção da poluição; saúde e segurança da comunidade; aquisição de terra e reassentamento involuntário; conservação da biodiversidade e gestão sustentável de recursos naturais vivos; povos indígenas; e patrimônio cultural. A depender da complexidade do projeto, podemos aplicar um, dois, três princípios, ou todos. Isso foi em 2006. Eles começaram a passar por uma revisão em 2009, o processo de consulta pública e multissetorial foi finalizado em 2012, e saímos com princípios já aprimorados. De 2006 a 2012, houve pouca mudança, a não ser pelo fato de refletir melhor a questão da mudança climática, que não era necessariamente contemplada em 2006. No caminho para isso, a gente ajudou a criar os Princípios do Equador, que foram baseados nos Performance Standards, adotados pelos bancos para o financiamento de obras.
Em que nível o Brasil se encontra na evolução dessas políticas no contexto mundial?
Nossa aproximação ao desafio é a mesma em qualquer lugar do mundo.
Mas podemos dizer que no Brasil há uma pressão, uma cobrança maior?
No Brasil, a agenda ambiental e social é muito mais presente que em outros mercados, claramente. É muito atuante, há muitas organizações que estão envolvidas, voltadas para manter a agenda socioambiental no topo. Por outro lado, os principais projetos com maiores desafios sociais e ambientais, tanto na América Latina como em nível global, estão no Brasil. Parece lógico que isso aconteça, mas poderia ser que não. Que o socioambiental tivesse extrema baixa prioridade no Brasil – essa seria a pior combinação possível. Então, o nível de desafios dos projetos está no nível da importância da agenda no Brasil. Importante dizer que essa comparação é feita entre países em desenvolvimento. Estamos comparando, com a América Latina, a África e a Ásia.
Para a IFC no Brasil, o que significa a agenda socioambiental estar “no topo”?
Uma grande oportunidade, pois queremos ter um sócio, um parceiro que dê a mesma prioridade aos temas socioambientais que a gente dá. Significa que aqui não é preciso ficar convencendo as pessoas sobre a importância do tema e, sim, combinar com elas qual a melhor forma de se aproximar do desafio. No Brasil, estamos bem à frente na curva, quando se compara com outros mercados.
Isso se daria por que razão? Pela riqueza dos nossos biomas, por exemplo?
Essa seria uma das razões. Já me fiz esse questionamento muitas vezes. Na minha visão tem a ver com momento do desenvolvimento do País e com temas ligados até à liberdade de imprensa. Aqui, falar, mostrar e poder sair à noite para comer pizza tem uma vantagem! (risos)
A maior parte da população brasileira precisa de uma oferta garantida de energia, por exemplo. Mas temos populações indígenas e povos tradicionais que acabam sendo sacrificados, tendo de mudar seus modos de vida diante da transformação do ambiente onde vivem, ocupado há séculos. Em sua opinião, é válido que uma parcela da população tenha de se submeter aos interesses de outra? Quando se decide por uma obra a contragosto dessas populações está subentendido que uma tem mais valor e mais direitos que a outra, pelo fato de ser maioria numérica e de fazer parte de um modelo econômico e civilizatório dominante?
Um amigo meu, que está com a filha na faculdade, me disse que o pior que aconteceu foi a filha começar a lhe fazer essas perguntas! (risos) É aquele equacionamento entre o bem para a população e os impactos sofridos por uma minoria. Já que se vai beneficiar
uma maioria, é preciso fazer todo o possível para minimizar o impacto da minoria e tentar criar, com isso, uma oportunidade de desenvolvimento. Mas esta não é uma discussão fácil.
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A criação de um fundo capaz de bancar estudos e políticas que preparem determinada região para receber grandes obras pode inaugurar um novo patamar em termos de desenvolvimento local no Brasil. Até então, medidas para redução de impactos sociais e ambientais são tomadas juntamente com ou depois da instalação do canteiro de obras. Reunir recursos que permitam desenhar o que se vislumbra para determinado local em um futuro próximo não só contribui para melhor administrar impactos negativos como abre a possibilidade de planejar oportunidades positivas de desenvolvimento. Essa é a proposta que Hector Gomez Ang, country manager no Brasil da International Finance Corporation (IFC), detalha nesta entrevista. A IFC é o braço financeiro do Banco Mundial, dedicada ao setor privado, com atuação em mais de 100 países. Na visão de Ang, o Brasil distingue-se dos demais mercados emergentes em razão de uma forte agenda socioambiental.
O que o IFC entende por desenvolvimento local?
Como uma instituição financeira e de desenvolvimento, temos uma série de critérios que visam o desenvolvimento ambiental e social de qualquer projeto que seja por nós financiado. Isso compreende o desenvolvimento local. Temos aprendido e aprimorado nosso entendimento. Nossa visão é que toda grande obra tem de trazer benefícios e minimizar impactos para as comunidades e partes interessadas que estão na região da grande obra.
Mas, quando o senhor fala em “desenvolvimento local”, quer dizer o que exatamente?
Grandes projetos de infraestrutura geralmente estão em uma área remota, com baixa densidade demográfica em termos absolutos e com nível limitado de capacidade do setor público para agir e reagir aos impactos que vêm. Então, nossa aproximação tem a ver tanto com a parte anterior quanto com a que vem depois da instalação. Significa desenvolvimento da capacidade local do governo, compartilhamento dos benefícios, oportunidades de longo prazo para as comunidades. A outra questão é o que acontece quando a obra acaba, e aquele fluxo de pessoas vai embora.
Que critérios a IFC usa para definir políticas de financiamento a empreendimentos de grande porte? E como a IFC usa a concessão de financiamento para condicionar a adoção de práticas sustentáveis?
A avaliação ambiental e social é tão importante quanto a sustentabilidade financeira, e a gente dedica a mesma quantidade de tempo para entender e avaliar esses impactos. Um projeto típico da IFC terá uma avaliação financeira e do negócio – se é rentável –, e depois sobre todos os impactos sociais e ambientais.
Antes da obra?
Vai depender do tipo de projeto. Se for de mineração, muito provavelmente será antes; se for uma fábrica existente no meio da Amazônia, o trabalho é entender como esse projeto vai gerir esses potenciais impactos. Não tem nenhuma regra, é caso a caso.
O ideal é que fosse antes, não é?
No mundo ideal, sim. O ideal é que não tivesse nada, que os impactos fossem totalmente gerenciados. Mas o mundo ideal não existe. Claramente é mais fácil fazer todos os estudos antes do que depois da obra já instalada.
Vocês dão pesos iguais para os critérios ambientais, sociais e econômicos na cessão de financiamento?
Não é um modelo matemático, isso faz parte de uma série de avaliações e decisões que se baseiam em informações, mas o que posso dizer é que, se um projeto não for sustentável social ou ambientalmente, nossa decisão será de não financiá-lo ou desenvolvê-lo. Mas não é algo binário, um ou zero. Se as melhores práticas estão aqui (mostra com uma mão um patamar alto) e projeto está aqui (mostra com a outra mão um patamar mais baixo), vamos dizer ao cliente o que precisa fazer para minimizar os impactos. Se o cliente aceitar fazer um planejamento para atingir esse nível mais alto em um período relativamente rápido, a gente vê isso como parte de nosso papel.
O papel de indutor a um nível mais próximo do ideal?
Sim. O momento em que você tem maior poder para esse alinhamento é quando está negociando um financiamento. Uma vez que já financiamos um projeto, é sempre mais complexo “barganhar”. A nossa primeira linha de defesa é a escolha dos parceiros e dos clientes para fazer esses projetos. Analisando nosso histórico, a principal razão para o sucesso desses projetos que têm um grande impacto é o nível de compromisso do cliente ou do parceiro com os temas socioambientais. Esse é o ponto de partida. Pode haver todos os mecanismos, as regras, mas, se o empreendedor não tiver isso claro, não vamos chegar a lugar nenhum.
É o empreendedor que busca a IFC?
Digamos que em metade dos casos nós ativamente fomos procurar o cliente, porque são projetos alinhados à nossa estratégia. E, na outra metade, foi a empresa que nos procurou. Embora tenhamos no Brasil um dos maiores programas de investimento da IFC no mundo, com cerca de US$ 2 bilhões por ano, não temos aqui nenhum grande empreendimento no momento, como hidrelétricas.
Por que não?
Tem a ver com o modelo de financiamento de infraestrutura no Brasil, em que os bancos estatais têm uma atuação relevante. Não é porque a IFC não quis financiar, é simplesmente porque, nesses projetos, quando chegam a uma fase de implementação, o empreendedor tem acesso a um financiamento muito competitivo fornecido pelos bancos estatais. Se a gente tivesse a oportunidade, avaliaria. Para a frente, a nossa visão é que o modelo de financiamento da infraestrutura no Brasil vai mudar, vai evoluir para um modelo que tenha mais fontes privadas – o que faz parte da sustentabilidade do modelo financeiro –, e a nossa expectativa é que a gente vai se envolver, sim, em projetos de grande porte.
Financiando esses agentes privados?
Sim, a gente está se preparando para isso. Todos os corredores logísticos que estão sendo desenvolvidos no Tapajós, para escoamento da produção no Norte, toda essa parte tem a ver com uma agenda de competitividade para a IFC. Ou seja, o Brasil tem produtores agrícolas muito competitivos, mas, quando essa produção chega ao porto, eles perdem a competitividade. Então há uma série de obras de logística que estão alinhadas à nossa estratégia. Está tendo e vai ter um boom na região, com o seguinte desafio: como administrar esse fluxo de pessoas, de dinheiro, de receitas, em comunidade pequenas, como Itaituba (no Pará)?
Diante disso, estamos conversando com determinados atores para talvez desenvolver algum mecanismo, que chamamos de early funding, ou financiamento antecipado, por meio do qual, antes de se implantar o projeto, vão-se fazer os estudos e desenhar as ações que são necessárias. E isso custa. Alguém tem de bancar esses estudos e ações. Se você não fizer um negócio integrado e abrangente, virão os privados e farão o melhor que puderem, mas precisariam de uma ação concertada, para desenhar como essa região deverá ficar daqui a cinco anos. Conforme vão se instalando, as empresas devem devolver o dinheiro a esse fundo antecipatório. É uma ideia ainda muito embrionária,
mas é uma das formas de fazer.
Para a empresa realizar tanto os estudos quanto a obra, precisa de um financiamento que depende primeiro da aprovação do licenciamento ambiental. Então, o estudo chega ao mesmo tempo que o canteiro de obras. Com essa iniciativa, vocês antecipariam a liberação do recurso, é isso?
A ideia é ajustar um pouco mais o mundo que a gente considera próximo do ideal.
Essa é uma ideia da IFC global ou brasileira?
É um conceito que a IFC no Brasil tem conversado com algumas partes interessadas relevantes, incluindo BNDES, algumas ONGs, entes privados. Compare quanto será investido na região da Amazônia – R$ 40 milhões, 50 milhões, 100 milhões – com outros projetos de porte na infraestrutura na América Latina, como a expansão do Canal do Panamá, de R$ 10 milhões. Veja como aqui as dimensões são gigantescas. Então, são grandes oportunidades e grandes desafios. Nossa visão é de que temos um papel a desempenhar nesse grupo, mas isso no Brasil, por enquanto.
Como funcionaria exatamente esse fundo?
O IFC e alguns parceiros – outros bancos, empresas de logística, talvez alguns doadores – colocariam dinheiro em um fundo para desenhar como será o futuro dessas regiões. O dinheiro será gasto em estudos e políticas, e o IFC ficaria no meio dos parceiros para dar transparência ao processo. E não basta sair com um ótimo relatório – relatórios já
tem muitos –, é preciso ajudar o governo local, prefeituras e governo do estado a ter a capacidade de implementar, adquirir a capacidade de gerenciar esse futuro que virá. No futuro, serão instalados um estaleiro, um porto, uma fábrica de mineração. Esses atores vão chegar e devolverão parte do recurso que foi usado para esses estudos, para recompor o fundo. O fundo recomposto será usado para financiar estudos em outras áreas. No mundo ideal – não existe ainda – o fundo deveria ter fôlego para trabalhar em várias áreas ao mesmo tempo, ao menos em dois lugares. É uma ideia interessante, mas tem de ser aterrissada.
Depende do que para aterrissar? O que falta?
Eu sou um otimista. O primeiro requisito é o compromisso de todos os envolvidos. Depois, conversar sobre os detalhes com os potenciais parceiros e ver quem será o pai da criança, pois é preciso ter uma liderança para implementar. Existe o compromisso do governo, das prefeituras, dos diferentes financiadores, todos estão se alinhando. E tem uma necessidade, então acredito que a iniciativa tem futuro.
E todos ganham, não é? Ou não?
Sim, tem um ganha-ganha.
Essas ações seriam basicamente no Norte do País?
É que o Norte é a região que está recebendo maior volume e tem aspectos sociais e ambientais mais desafiadores, mas você pode fazer isso em qualquer lugar que receberá projetos de grande porte. No nosso caso, fora do Brasil, tem esse tipo de engajamento no Peru, onde há grandes investimentos em mineração e com forte impacto nas comunidades. A IFC engajou-se às prefeituras para criar capacidade de administrar os recursos que vêm desse boom de mineração, em benefício das comunidades.
Como a política de financiamento da IFC variou ao longo do tempo no Brasil, em face do aumento das pressões da sociedade civil e à luz das experiências bem e malsucedidas?
A IFC criou em 2006 os Performance Standards, ou Princípios de Sustentabilidade, formado por oito mandamentos: avaliação e gestão de riscos e impactos socioambientais; condições de emprego e trabalho; eficiência de recursos e prevenção da poluição; saúde e segurança da comunidade; aquisição de terra e reassentamento involuntário; conservação da biodiversidade e gestão sustentável de recursos naturais vivos; povos indígenas; e patrimônio cultural. A depender da complexidade do projeto, podemos aplicar um, dois, três princípios, ou todos. Isso foi em 2006. Eles começaram a passar por uma revisão em 2009, o processo de consulta pública e multissetorial foi finalizado em 2012, e saímos com princípios já aprimorados. De 2006 a 2012, houve pouca mudança, a não ser pelo fato de refletir melhor a questão da mudança climática, que não era necessariamente contemplada em 2006. No caminho para isso, a gente ajudou a criar os Princípios do Equador, que foram baseados nos Performance Standards, adotados pelos bancos para o financiamento de obras.
Em que nível o Brasil se encontra na evolução dessas políticas no contexto mundial?
Nossa aproximação ao desafio é a mesma em qualquer lugar do mundo.
Mas podemos dizer que no Brasil há uma pressão, uma cobrança maior?
No Brasil, a agenda ambiental e social é muito mais presente que em outros mercados, claramente. É muito atuante, há muitas organizações que estão envolvidas, voltadas para manter a agenda socioambiental no topo. Por outro lado, os principais projetos com maiores desafios sociais e ambientais, tanto na América Latina como em nível global, estão no Brasil. Parece lógico que isso aconteça, mas poderia ser que não. Que o socioambiental tivesse extrema baixa prioridade no Brasil – essa seria a pior combinação possível. Então, o nível de desafios dos projetos está no nível da importância da agenda no Brasil. Importante dizer que essa comparação é feita entre países em desenvolvimento. Estamos comparando, com a América Latina, a África e a Ásia.
Para a IFC no Brasil, o que significa a agenda socioambiental estar “no topo”?
Uma grande oportunidade, pois queremos ter um sócio, um parceiro que dê a mesma prioridade aos temas socioambientais que a gente dá. Significa que aqui não é preciso ficar convencendo as pessoas sobre a importância do tema e, sim, combinar com elas qual a melhor forma de se aproximar do desafio. No Brasil, estamos bem à frente na curva, quando se compara com outros mercados.
Isso se daria por que razão? Pela riqueza dos nossos biomas, por exemplo?
Essa seria uma das razões. Já me fiz esse questionamento muitas vezes. Na minha visão tem a ver com momento do desenvolvimento do País e com temas ligados até à liberdade de imprensa. Aqui, falar, mostrar e poder sair à noite para comer pizza tem uma vantagem! (risos)
A maior parte da população brasileira precisa de uma oferta garantida de energia, por exemplo. Mas temos populações indígenas e povos tradicionais que acabam sendo sacrificados, tendo de mudar seus modos de vida diante da transformação do ambiente onde vivem, ocupado há séculos. Em sua opinião, é válido que uma parcela da população tenha de se submeter aos interesses de outra? Quando se decide por uma obra a contragosto dessas populações está subentendido que uma tem mais valor e mais direitos que a outra, pelo fato de ser maioria numérica e de fazer parte de um modelo econômico e civilizatório dominante?
Um amigo meu, que está com a filha na faculdade, me disse que o pior que aconteceu foi a filha começar a lhe fazer essas perguntas! (risos) É aquele equacionamento entre o bem para a população e os impactos sofridos por uma minoria. Já que se vai beneficiar
uma maioria, é preciso fazer todo o possível para minimizar o impacto da minoria e tentar criar, com isso, uma oportunidade de desenvolvimento. Mas esta não é uma discussão fácil.