O candidato que vai deixar o Brasil do jeito que está, e a sua vida mais confortável, por manter você pensando da mesma forma que antes
Nas próximas eleições, vote em Caio Preconceito, o candidato igual a tudo o que você já viu. Preconceito vai atacar de vez este que é o maior problema da sociedade: os outros. No trânsito, na empresa, no meio do caminho, os outros estão lá sempre fazendo besteira. São eles que estacionam em local proibido, jogam lixo na rua, chegam atrasados às reuniões, usam caixa 2. Por mais que a gente explique, os outros não entendem nada.
Preconceito é afeito a receitas para resolver as questões – e por isso seu plano de governo tem mais chances de dar certo. Para ele, as pessoas são sempre iguais. Aqueles esquerdistas, todos iguais. Aqueles burgueses, todos iguais. Para economizar tempo, Preconceito vai traçar um mapa para definir o perfil de cada grupo na sociedade, mas para todos terá uma resposta só. É que respostas variadas dão mais trabalho.
O vice na chapa do candidato para as próximas eleições é Undoslados. Preconceito tem tanta confiança no companheiro que cada decisão da campanha é tomada após ouvir apenas Undoslados. A dupla tem uma história de luta contra os outros, esses opressores. Por isso não debate com mais ninguém sobre suas avançadas ideias de governo. Preconceito não debate, dita.
São ideias para combater velhos problemas. Para Preconceito, os problemas são sempre velhos e os mesmos, pois têm raiz na estrutura arcaica da sociedade. O candidato é assim, não dá um passo sem tropeçar em um clichê. Pesquisa ditos populares, guarda coleção de frases feitas e tem expressões de efeito na ponta da língua. Desse jeito, quem precisa de um marqueteiro pra campanha?
A verdade é que os outros não tiveram as mesmas oportunidades que Preconceito teve. Brasileiro é tudo farinha do mesmo saco. Preconceito teve escola, curso de inglês, intercâmbio, vodka na balada, cigarro de maconha, rock in rio, carro do papai, empregada doméstica. “Ainda que eu não tivesse tido nada disso, eu seria o mesmo Preconceito”, respondeu a um adversário da política no último discurso.
Uma das maiores virtudes do candidato é a intuição apurada. Em qualquer conversa, não precisa esperar o interlocutor falar para adivinhar o que ele está pensando. Preconceito conhece as pessoas de antemão. Está atento aos rótulos. Basta olhar nos olhos dos outros, ou nem isso, e sabe que se trata de um bandido, um vendedor de laranjas, um adestrador de cães ou uma empresária.
Nas próximas eleições, vote em Preconceito, o candidato que vai deixar o Brasil do jeito que está, e a sua vida mais confortável, por manter você pensando da mesma forma como pensava antes.
Preconceito não questiona. Afirma, atira tomates, ovos, bananas. Ficou famoso nas redes sociais. Há gente que acha que Preconceito está disputando uma vaga nas eleições de um país europeu. Nada disso, está concorrendo aqui do nosso lado, com seus discursos prontos. É o candidato da família, porque suas ideias atravessam gerações. Começam na cabeça do avô e se espalham na boca do neto.
É o candidato dos solteiros, que usam suas ideias para fazer bonito na frente das garotas. Dos revolucionários que desejam derrubar governos aos situacionistas que planejam manter o status quo.
Preconceito une. É do povo e das elites, vai trazer a verdade à tona. O problema do mundo são as mentiras, o revisionismo histórico. É mais do que hora de mostrar a verdade, custe o que custar. Mostrar com publicidade, stand-up comedy, o depoimento dos vivos, o sangue dos mortos. A história de Preconceito dá um livro, uma bíblia, uma trilogia escrita por um ateu. Que tal a Biografia do Preconceito, para fortalecer a sua reputação entre os eleitores?
Precisamos de um líder que nos conduza rumo a uma nova sociedade, a nossa tão sonhada sociedade. Um messias que já veio, ainda não veio, está entre nós ou nunca virá. Precisamos, não conseguiremos por nós mesmos, pois estamos sem tempo, muito ocupados justificando as nossas incapacidades.
Viemos a público com as nossas caras de bobo pedir o seu voto. As caras de quem ignora as pessoas em uma roda de conversa para enviar e-mails, digitar no Whatsapp e atirar pedras via Facebook. Agora que não sobrou nada do ser humano genuíno, nem raiva, nem bondade, nem atenção, nem solidariedade, nem traição, nem pessimismo, nem otimismo. Agora que somos apenas um conjunto binário em uma tela brilhante, Preconceito vai nos levar de volta à aldeia. Deixar todo mundo cara a cara para restaurar a nossa humanidade.
*Jornalista e autor do livro Amor do Mundo
[:en]
O candidato que vai deixar o Brasil do jeito que está, e a sua vida mais confortável, por manter você pensando da mesma forma que antes
Nas próximas eleições, vote em Caio Preconceito, o candidato igual a tudo o que você já viu. Preconceito vai atacar de vez este que é o maior problema da sociedade: os outros. No trânsito, na empresa, no meio do caminho, os outros estão lá sempre fazendo besteira. São eles que estacionam em local proibido, jogam lixo na rua, chegam atrasados às reuniões, usam caixa 2. Por mais que a gente explique, os outros não entendem nada.
Preconceito é afeito a receitas para resolver as questões – e por isso seu plano de governo tem mais chances de dar certo. Para ele, as pessoas são sempre iguais. Aqueles esquerdistas, todos iguais. Aqueles burgueses, todos iguais. Para economizar tempo, Preconceito vai traçar um mapa para definir o perfil de cada grupo na sociedade, mas para todos terá uma resposta só. É que respostas variadas dão mais trabalho.
O vice na chapa do candidato para as próximas eleições é Undoslados. Preconceito tem tanta confiança no companheiro que cada decisão da campanha é tomada após ouvir apenas Undoslados. A dupla tem uma história de luta contra os outros, esses opressores. Por isso não debate com mais ninguém sobre suas avançadas ideias de governo. Preconceito não debate, dita.
São ideias para combater velhos problemas. Para Preconceito, os problemas são sempre velhos e os mesmos, pois têm raiz na estrutura arcaica da sociedade. O candidato é assim, não dá um passo sem tropeçar em um clichê. Pesquisa ditos populares, guarda coleção de frases feitas e tem expressões de efeito na ponta da língua. Desse jeito, quem precisa de um marqueteiro pra campanha?
A verdade é que os outros não tiveram as mesmas oportunidades que Preconceito teve. Brasileiro é tudo farinha do mesmo saco. Preconceito teve escola, curso de inglês, intercâmbio, vodka na balada, cigarro de maconha, rock in rio, carro do papai, empregada doméstica. “Ainda que eu não tivesse tido nada disso, eu seria o mesmo Preconceito”, respondeu a um adversário da política no último discurso.
Uma das maiores virtudes do candidato é a intuição apurada. Em qualquer conversa, não precisa esperar o interlocutor falar para adivinhar o que ele está pensando. Preconceito conhece as pessoas de antemão. Está atento aos rótulos. Basta olhar nos olhos dos outros, ou nem isso, e sabe que se trata de um bandido, um vendedor de laranjas, um adestrador de cães ou uma empresária.
Nas próximas eleições, vote em Preconceito, o candidato que vai deixar o Brasil do jeito que está, e a sua vida mais confortável, por manter você pensando da mesma forma como pensava antes.
Preconceito não questiona. Afirma, atira tomates, ovos, bananas. Ficou famoso nas redes sociais. Há gente que acha que Preconceito está disputando uma vaga nas eleições de um país europeu. Nada disso, está concorrendo aqui do nosso lado, com seus discursos prontos. É o candidato da família, porque suas ideias atravessam gerações. Começam na cabeça do avô e se espalham na boca do neto.
É o candidato dos solteiros, que usam suas ideias para fazer bonito na frente das garotas. Dos revolucionários que desejam derrubar governos aos situacionistas que planejam manter o status quo.
Preconceito une. É do povo e das elites, vai trazer a verdade à tona. O problema do mundo são as mentiras, o revisionismo histórico. É mais do que hora de mostrar a verdade, custe o que custar. Mostrar com publicidade, stand-up comedy, o depoimento dos vivos, o sangue dos mortos. A história de Preconceito dá um livro, uma bíblia, uma trilogia escrita por um ateu. Que tal a Biografia do Preconceito, para fortalecer a sua reputação entre os eleitores?
Precisamos de um líder que nos conduza rumo a uma nova sociedade, a nossa tão sonhada sociedade. Um messias que já veio, ainda não veio, está entre nós ou nunca virá. Precisamos, não conseguiremos por nós mesmos, pois estamos sem tempo, muito ocupados justificando as nossas incapacidades.
Viemos a público com as nossas caras de bobo pedir o seu voto. As caras de quem ignora as pessoas em uma roda de conversa para enviar e-mails, digitar no Whatsapp e atirar pedras via Facebook. Agora que não sobrou nada do ser humano genuíno, nem raiva, nem bondade, nem atenção, nem solidariedade, nem traição, nem pessimismo, nem otimismo. Agora que somos apenas um conjunto binário em uma tela brilhante, Preconceito vai nos levar de volta à aldeia. Deixar todo mundo cara a cara para restaurar a nossa humanidade.
*Jornalista e autor do livro Amor do Mundo