Representantes de organizações apontam os maiores desafios para desenvolver o Relato Integrado: uma gestão colaborativa entre áreas e equipes distintas, com a participação indispensável da alta liderança
A crise financeira global que eclodiu em 2008 e colocou governos e setor privado na berlinda também reacendeu o debate sobre um novo modelo de negócio e de investimentos que contemple, além do aspecto financeiro, outras informações de sustentabilidade. Desde 2010, um movimento internacional, até então difuso no meio corporativo, organizou-se e ganhou força, em meio à forte pressão social e às incertezas no horizonte do desenvolvimento sustentável. Ao indicar outro caminho para diminuir o clima de desconfiança em relação às corporações e ao mercado de capitais, a ideia de relato integrado (RI) começa a influenciar o jeito de pensar em empresas líderes e promete valorizar a comunicação de impactos para diferentes grupos de stakeholders.
O Conselho Internacional para Relato Integrado (International Integrated Reporting Council, IIRC), criado em 2010 por iniciativa do Projeto Príncipe de Gales para a Sustentabilidade (A4S) [1] e da Global Reporting Initiative (GRI) [2], divulgou em dezembro de 2013 a primeira Estrutura Internacional para Relato Integrado. As diretrizes da chamada “versão 1.0” foram aprovadas após intensas discussões, em três meses de consulta pública.
[1] Seu propósito é buscar consenso em torno da estrutura integrada de relatórios e desenvolver diretrizes e ferramentas de sustentabilidade nos processos de tomada de decisão
[2] Leia mais sobre o A4S e sobre GRI.
Além da GRI, rede mundial multistakeholder que desenvolveu uma das metodologias mais utilizadas em relatórios de sustentabilidade, o IIRC representa uma inédita coalizão de reguladores governamentais, investidores, empresas, organismos de normatização, representantes do setor contábil, auditorias globais, acadêmicos e ONGs.
O relato integrado consiste em uma comunicação concisa, relevante e coerente sobre como visão estratégica, governança corporativa, desempenho, perspectivas de negócios, ambiente externo e postura empresarial diante das externalidades contribuem para reduzir riscos e criar valor ao longo do tempo (mais sobre Externalidades na edição 88). Em essência, o RI requer a mudança mental e de atitudes dos conselhos de administração e de diretores executivos. “Deve ser um movimento top down que incorpore os valores de criação sustentável de riqueza pela organização empresarial e faça parte da estratégia”, explica Nelson Carvalho, professor da FEA-USP, com assento no IIRC.
No Brasil, representantes de empresas que divulgam relatórios de sustentabilidade, com diferentes estágios de abordagem, apontam como um dos grandes desafios do novo modelo de relato a necessidade de uma governança colaborativa entre áreas e equipes distintas. Ou seja, somente essa interação será capaz de assegurar a gestão integrada.
A participação da alta liderança representa outro aspecto fundamental para o bom alinhamento do trabalho. “Sem isso, não será possível avançar”, atesta Alexsandro Broedel, diretor de Controle Financeiro do Itaú Unibanco, que em abril divulgou o Relatório Anual Integrado 2013 , o “primeiro exercício de comunicação integrada” do banco, um dos integrantes do programa-piloto criado pelo IIRC [3].
[3] Iniciativa que reúne no Brasil e no mundo mais de 100 organizações Empresariais
A gerente de sustentabilidade do Grupo AES Brasil, Luciana Alvarez, avalia que o relato integrado tem um objetivo maior de fortalecer a confiança entre a empresa e os investidores de longo prazo. “As diretrizes oferecem caminhos para que essa confiança seja percebida pelos investidores, na gestão e na comunicação empresarial”, diz, adiantando que o primeiro RI do ciclo 2014 será divulgado pela controlada AES Tietê.
“Além de comunicar um conjunto de resultados aos stakeholders, o relato integrado deve subsidiar a tomada de decisão, identificar riscos e inovações e reequilibrar as métricas de desempenho para evitar a ênfase excessiva na geração de caixa em curtíssimo prazo. Se a gestão não parte do pressuposto da integração, o relatório refletirá essa desconexão”, afirma Roberto Pedote, vice-presidente de Finanças e Relações Institucionais da Natura.
As diretrizes do relato integrado implicam mudanças na cultura corporativa diante do desafio de externar a gestão integrada das empresas. “Esse processo ainda levará algum tempo para amadurecer”, observa Vania Borghert, assessora especial da presidência do BNDES, à frente da Comissão Brasileira de Acompanhamento do Relato Integrado, criada em 2013, e que reúne hoje perto de 200 integrantes em discussões e trabalhos sistemáticos sobre o tema. Mas, como avalia, “o pensamento integrado deverá facilitar a gestão integrada”.
A estrutura conceitual do RI abrange seis tipos de capital que, de algum modo, já vêm sendo considerados nos relatórios de sustentabilidade: financeiro; manufaturado; humano; intelectual; social e de relacionamento; e natural. Neste momento de transição do capitalismo, a lógica do RI destaca as conexões-chave entre estratégia, modelo de negócios e geração de valor, na perspectiva de longo prazo, inovando na forma como empresas e provedores de capital financeiro podem gerir e alocar melhor seus recursos.
Essa ferramenta, que deve acelerar a prática do RI ao redor do mundo, começa a ser testada em mais de 25 países (16 deles membros do G-20), liderados por Reino Unido e Holanda. No Brasil, Natura, CCR, Votorantim, CPFL e Itaú Unibanco estão entre as primeiras organizações que já publicaram os relatórios de 2013, “inspiradas” no novo modelo.
Para Nelmara Arbex, consultora de inovação em relatos da GRI, ainda falta “construir conceitualmente uma linguagem para expressar a geração de valor; por exemplo, como o capital financeiro influencia o capital natural, o social, o intelectual e o manufaturado”. Ela lembra que o framework propõe um caminho nessa direção, mas diz que isso somente será possível à medida que as empresas avancem no exercício de relatar.
“Os investidores estão preocupados com a geração de valor a longo prazo. Esse movimento, iniciado principalmente por fundos de pensão, pode ser percebido, por exemplo, no caso das exigências socioambientais de bancos de fomento”, comenta Rodolfo Nardez Sirol, diretor de Meio Ambiente da CPFL Energia, outra integrante do programa-piloto do IIRC que utilizou alguns elementos da estrutura do RI (modelo de negócio, visão de longo prazo e os seis capitais) para elaborar o Relatório Anual 2013.
As práticas de relato definidas pelo IIRC, a exemplo da G4 – nova versão das diretrizes da GRI –, compõem um roteiro que pode e deve ser adaptado à realidade das companhias interessadas em aprimorar a comunicação com seus públicos estratégicos.
Se os relatórios de sustentabilidade levaram mais de uma década para ganhar massa crítica no ambiente corporativo brasileiro, o amadurecimento do RI também exigirá alguns anos para se consolidar, aponta o estudo Relato Integrado – Perspectiva brasileira.
Leia a íntegra das entrevistas com Rodolfo Nardez Sirol, da CPFL Energia, e Roberto Pedote, da Natura, além de uma nota sobre relatórios de sustentabilidade
[:en]
Representantes de organizações apontam os maiores desafios para desenvolver o Relato Integrado: uma gestão colaborativa entre áreas e equipes distintas, com a participação indispensável da alta liderança
A crise financeira global que eclodiu em 2008 e colocou governos e setor privado na berlinda também reacendeu o debate sobre um novo modelo de negócio e de investimentos que contemple, além do aspecto financeiro, outras informações de sustentabilidade. Desde 2010, um movimento internacional, até então difuso no meio corporativo, organizou-se e ganhou força, em meio à forte pressão social e às incertezas no horizonte do desenvolvimento sustentável. Ao indicar outro caminho para diminuir o clima de desconfiança em relação às corporações e ao mercado de capitais, a ideia de relato integrado (RI) começa a influenciar o jeito de pensar em empresas líderes e promete valorizar a comunicação de impactos para diferentes grupos de stakeholders.
O Conselho Internacional para Relato Integrado (International Integrated Reporting Council, IIRC), criado em 2010 por iniciativa do Projeto Príncipe de Gales para a Sustentabilidade (A4S) [1] e da Global Reporting Initiative (GRI) [2], divulgou em dezembro de 2013 a primeira Estrutura Internacional para Relato Integrado. As diretrizes da chamada “versão 1.0” foram aprovadas após intensas discussões, em três meses de consulta pública.
[1] Seu propósito é buscar consenso em torno da estrutura integrada de relatórios e desenvolver diretrizes e ferramentas de sustentabilidade nos processos de tomada de decisão
[2] Leia mais sobre o A4S e sobre GRI.
Além da GRI, rede mundial multistakeholder que desenvolveu uma das metodologias mais utilizadas em relatórios de sustentabilidade, o IIRC representa uma inédita coalizão de reguladores governamentais, investidores, empresas, organismos de normatização, representantes do setor contábil, auditorias globais, acadêmicos e ONGs.
O relato integrado consiste em uma comunicação concisa, relevante e coerente sobre como visão estratégica, governança corporativa, desempenho, perspectivas de negócios, ambiente externo e postura empresarial diante das externalidades contribuem para reduzir riscos e criar valor ao longo do tempo (mais sobre Externalidades na edição 88). Em essência, o RI requer a mudança mental e de atitudes dos conselhos de administração e de diretores executivos. “Deve ser um movimento top down que incorpore os valores de criação sustentável de riqueza pela organização empresarial e faça parte da estratégia”, explica Nelson Carvalho, professor da FEA-USP, com assento no IIRC.
No Brasil, representantes de empresas que divulgam relatórios de sustentabilidade, com diferentes estágios de abordagem, apontam como um dos grandes desafios do novo modelo de relato a necessidade de uma governança colaborativa entre áreas e equipes distintas. Ou seja, somente essa interação será capaz de assegurar a gestão integrada.
A participação da alta liderança representa outro aspecto fundamental para o bom alinhamento do trabalho. “Sem isso, não será possível avançar”, atesta Alexsandro Broedel, diretor de Controle Financeiro do Itaú Unibanco, que em abril divulgou o Relatório Anual Integrado 2013 , o “primeiro exercício de comunicação integrada” do banco, um dos integrantes do programa-piloto criado pelo IIRC [3].
[3] Iniciativa que reúne no Brasil e no mundo mais de 100 organizações Empresariais
A gerente de sustentabilidade do Grupo AES Brasil, Luciana Alvarez, avalia que o relato integrado tem um objetivo maior de fortalecer a confiança entre a empresa e os investidores de longo prazo. “As diretrizes oferecem caminhos para que essa confiança seja percebida pelos investidores, na gestão e na comunicação empresarial”, diz, adiantando que o primeiro RI do ciclo 2014 será divulgado pela controlada AES Tietê.
“Além de comunicar um conjunto de resultados aos stakeholders, o relato integrado deve subsidiar a tomada de decisão, identificar riscos e inovações e reequilibrar as métricas de desempenho para evitar a ênfase excessiva na geração de caixa em curtíssimo prazo. Se a gestão não parte do pressuposto da integração, o relatório refletirá essa desconexão”, afirma Roberto Pedote, vice-presidente de Finanças e Relações Institucionais da Natura.
As diretrizes do relato integrado implicam mudanças na cultura corporativa diante do desafio de externar a gestão integrada das empresas. “Esse processo ainda levará algum tempo para amadurecer”, observa Vania Borghert, assessora especial da presidência do BNDES, à frente da Comissão Brasileira de Acompanhamento do Relato Integrado, criada em 2013, e que reúne hoje perto de 200 integrantes em discussões e trabalhos sistemáticos sobre o tema. Mas, como avalia, “o pensamento integrado deverá facilitar a gestão integrada”.
A estrutura conceitual do RI abrange seis tipos de capital que, de algum modo, já vêm sendo considerados nos relatórios de sustentabilidade: financeiro; manufaturado; humano; intelectual; social e de relacionamento; e natural. Neste momento de transição do capitalismo, a lógica do RI destaca as conexões-chave entre estratégia, modelo de negócios e geração de valor, na perspectiva de longo prazo, inovando na forma como empresas e provedores de capital financeiro podem gerir e alocar melhor seus recursos.
Essa ferramenta, que deve acelerar a prática do RI ao redor do mundo, começa a ser testada em mais de 25 países (16 deles membros do G-20), liderados por Reino Unido e Holanda. No Brasil, Natura, CCR, Votorantim, CPFL e Itaú Unibanco estão entre as primeiras organizações que já publicaram os relatórios de 2013, “inspiradas” no novo modelo.
Para Nelmara Arbex, consultora de inovação em relatos da GRI, ainda falta “construir conceitualmente uma linguagem para expressar a geração de valor; por exemplo, como o capital financeiro influencia o capital natural, o social, o intelectual e o manufaturado”. Ela lembra que o framework propõe um caminho nessa direção, mas diz que isso somente será possível à medida que as empresas avancem no exercício de relatar.
“Os investidores estão preocupados com a geração de valor a longo prazo. Esse movimento, iniciado principalmente por fundos de pensão, pode ser percebido, por exemplo, no caso das exigências socioambientais de bancos de fomento”, comenta Rodolfo Nardez Sirol, diretor de Meio Ambiente da CPFL Energia, outra integrante do programa-piloto do IIRC que utilizou alguns elementos da estrutura do RI (modelo de negócio, visão de longo prazo e os seis capitais) para elaborar o Relatório Anual 2013.
As práticas de relato definidas pelo IIRC, a exemplo da G4 – nova versão das diretrizes da GRI –, compõem um roteiro que pode e deve ser adaptado à realidade das companhias interessadas em aprimorar a comunicação com seus públicos estratégicos.
Se os relatórios de sustentabilidade levaram mais de uma década para ganhar massa crítica no ambiente corporativo brasileiro, o amadurecimento do RI também exigirá alguns anos para se consolidar, aponta o estudo Relato Integrado – Perspectiva brasileira.
Leia a íntegra das entrevistas com Rodolfo Nardez Sirol, da CPFL Energia, e Roberto Pedote, da Natura, além de uma nota sobre relatórios de sustentabilidade