Catástrofes colocam a questão climática na pauta da mídia tradicional, mas mudanças de hábitos são incentivadas especialmente pelas interações nos meios digitais.
A conscientização [1]sobre mudanças climáticas e suas consequências tem sido um desafio para diversas instituições, como a academia, o Terceiro Setor, o Estado e, claro, a imprensa. Que o tema tem estado na mídia muito mais do que há dez anos, não há dúvida. Em 2009, por exemplo, o Brasil foi o país que mandou o maior número de jornalistas para Conferência das Partes da ONU sobre Mudança Climática (COP-15), em Copenhague. Mas isso não quer dizer, necessariamente, que o público esteja mais bem informado com relação às causas da mudança climática. Na verdade, parece não haver relação direta entre a quantidade de reportagens ou de espaço na mídia e o despertar de um posicionamento mais consciente por parte do público acerca do assunto.
[1] O artigo 6º da Convenção do Clima, documento redigido na Eco-92, no Rio de Janeiro, em reconhecimento ao apelo da comunidade científica para a mudança do clima, trata da conscientização pública.
Conexões básicas, por exemplo, de causa e efeito, fundamentais para a compreensão de um tema tão complexo, são deixadas de lado. Essas relações tendem a aparecer mais em momentos de crise, como a da água, vivida agora em São Paulo. Situações extremas parecem ser as mais propícias para a comunicação de temas da agenda climática. O espaço que ganham na mídia eventos como deslizamentos de encostas, enchentes e secas são “ganchos” para trazer o assunto à tona.
“Depois da crise da água, o discurso da gestão e da conservação fica mais importante. Vai faltar energia também. Não tem como ignorar”, resume a advogada Nicole Oliveira, líder da equipe na América Latina da 350.org (entidade que organizou, em setembro, a Marcha Popular pelo Clima, em Nova York – a maior já realizada no planeta).
“Os temas aparecem, mas não são aprofundados. Não se fala da influência da Amazônia no regime das chuvas no Sudeste, por exemplo”, afirma o veterano jornalista Washington Novaes, pioneiro na abordagem de temas ambientais no Brasil (mais sobre o assunto em entrevista com Tasso Azevedo).
A questão é que o problema climático é tão grande que muita gente prefere nem pensar nele, pois sua solução parece fora de alcance. É o que diz o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, em entrevista recente à jornalista Eliane Brum, publicada no jornal El País [2]. Viveiros recorre ao pensador alemão Günther Anders e sua noção de fenômenos supraliminares. A ideia é que, da mesma forma que existem os fenômenos pequeninos, coisas que o cidadão vê mas não enxerga (fenômenos subliminares, abaixo da linha da percepção), também existem aqueles que são grandes demais. São tão grandes que não conseguimos nem ver, nem imaginar. Castro situa a mudança climática nessa categoria. Segundo ele, as pessoas ficam paralisadas.
[2] Acesse a entrevista de Viveiros de Castro
“Ficamos com o papel de cavaleiros do apocalipse. Quando começamos a falar muito das consequências da mudança climática, as pessoas se sentem impotentes, se deprimem”, explica Nicole, da 350.org.
Para o professor do curso de pós-graduação em Redes Digitais, Terceiro Setor e Sustentabilidade da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), Massimo di Felice, o assunto é difícil, mas a boa notícia é que ele está nas redes digitais. “Hoje, parte da população sabe que é necessário interromper esse desenvolvimento suicida, que já mostra efeitos na vida cotidiana. Há 15 ou 20 anos, esse conhecimento era restrito aos cientistas e a uma elite de militantes ecológicos.”
Segungo Di Felice, é evidente que a discussão mais aprofundada sobre a questão não estará nos meios de comunicação tradicionais. De acordo com ele, existem hoje duas culturas comunicativas opostas. Uma secular, representada pelos meios de massa tradicionais. E outra, digital, que ele chama de arquitetura da interação. O grande problema, diz, são os meios tradicionais, que ocupam seus espaços editoriais com financiamento político, ligado a lobbies que financiam partidos, e com financiamento de publicidade também. “Obviamente, nesses veículos, a questão ambiental não vai figurar de maneira aprofundada. Vai entrar de forma pontual, e dividindo espaço com as fofocas, com as efemérides”, analisa.
Na visão de Deborah Danowski, filósofa, professora da PUC-RJ e estudiosa das questões ambientais, há um problema de formação dos profissionais da imprensa, mas não só isso. “Notícias sobre eventos climáticos são tradicionalmente veiculadas por meteorologistas, que não vão muito além da escala local e descritiva. E não há, por parte das empresas que os empregam, nenhum interesse em incentivá-los a oferecer uma visão mais crítica sobre o que está se passando. Porque isso significaria atribuir responsabilidades”, resume.
Di Felice observa ainda que, enquanto a forma tradicional de comunicar produz consenso (ou seja: fala para um cidadão-eleitor, aquele que elege um candidato), as mídias digitais “realizam cidadania”. Entretanto, o que qualquer um pode confirmar ao abrir sua linha do tempo nas redes digitais da vida é, muitas vezes, um comportamento quase infantil: postam-se muitas fotos, xinga-se muito. Mas faltam análises que sigam além da reclamação e do senso comum.
“Em parte esse approach continua sendo superficial, mas em parte não”, pondera Di Felice. “Percebemos, por exemplo, como é eficaz na questão das mudanças de hábitos. O discurso do uso da bicicleta se disseminou e ganhou apoio em pouquíssimo tempo. Foi uma transformação que se espalhou rapidamente, na contramão do olhar do poder e dos meios de comunicação de massa.”
Deborah Danowski diz que as mídias digitais (que ela chama de alternativas) estão tendo um papel importantíssimo. “Na TV aberta só se fala no tema, em geral, depois das onze da noite, em pequenos blocos intercalados por anúncios de carros 4 X 4 superpoluentes. A impressão que dá é de que as expressões ‘mudanças climáticas, aquecimento global, crise ecológica’ e outras são proibidas em horário nobre”, sugere.
O QUE QUEREMOS?
Se as mídias digitais são por excelência o espaço de comunicação e fomento de transformações, o mesmo não se pode dizer do ambiente político – ao menos no Brasil. Causou apreensão o fato de que os debates e os programas eleitorais gratuitos durante o primeiro turno das eleições de 2014 praticamente não tenham abordado a questão das emissões de gases de efeito estufa e suas consequências para clima – o que se repetiu e se acentuou no segundo turno, em que não havia candidatos exatamente identificados com as “bandeiras” ambientais.
O combate à mudança climática pouco figura também entre as preocupações dos jovens brasileiros, conforme o levantamento Juventude Levada em Conta, feito pela Comissão Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD), ligada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE). O quesito aparece em último lugar entre as 16 prioridades de jovens entre 15 e 29 anos, cerca de 26% da população brasileira. A pesquisa de campo, feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em maio de 2013, ouviu mais de 10 mil pessoas. Cada entrevistado escolheu, entre 16 temas, quais seriam suas seis maiores prioridades.
Para Di Felice, essa realidade vai mudar rapidamente. “Todo conhecimento daqui para a frente está ligado à extinção da espécie humana na Terra. Então, não é uma questão apenas de ganhar as pessoas para a causa. É entender que não há mais causa.”
A julgar pela magnitude da Marcha pelo Clima realizada em Nova York, parece que o mundo começou a entender que, de fato, esta é a única causa. Foi a maior passeata pelo clima da História e reuniu 400 mil pessoas nas ruas da cidade. A expectativa de adesão era de 100 mil a 150 mil pessoas. A passeata ocorreu dias antes da Assembleia Geral da ONU, também em Nova York, e concomitantemente em várias cidades, como Rio de Janeiro, Paris, Sydney, Madri, Bogotá e Buenos Aires.
“No Rio caiu um vendaval, e isso atrapalhou a marcha. Tínhamos uma previsão de 2 mil pessoas, mas apareceram 400”, afirma Nicole Oliveira, da 350.org, ressaltando que, pelas condições impostas pelo mau tempo, até que foi um bom número.
Para ela, as mídias sociais tiveram um papel importante para o sucesso da marcha nova-iorquina, mas a união de forças do setor ambientalista é que foi decisiva, mostrando uma boa capacidade de articulação das organizações da sociedade civil.
CONSUMO E LUCRO
Bandeira que une gregos e troianos na luta pela redução de emissões, a mudança nos padrões de consumo acaba aparecendo, mas sempre de maneira tangencial, nas discussões sobre “o que cada um pode fazer para melhorar o planeta”. E isso tanto nas redes sociais da internet como nos meios de comunicação de massa.
No estudo Mudanças Climáticas na Imprensa Brasileira [3], a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi) destacava que a perspectiva ambiental era a principal forma de reportar a questão das mudanças climáticas, seguida da perspectiva econômica. Mas que, apesar de representarem quase 20% das matérias do universo pesquisado, entre os textos com viés econômico apenas 6% faziam, por exemplo, referência a padrões de consumo das sociedades contemporâneas.
[3]Publicado em 2008 em parceria com a Embaixada Britânica, com base na cobertura de temas ambientais por 50 jornais diários brasileiros
Em 2010, a mestranda do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), Lilian de Oliveira Bueno, confirmou essa tendência em seu trabalho Mudanças Climáticas no Contexto das Ciências e da Divulgação Científica. De acordo com a pesquisa, o tema raramente aparece relacionado a padrões de consumo. “Frequentemente [as mudanças] são relacionadas às emissões, crescimento populacional, desmatamento, degradação ambiental e poluição, mas é praticamente irrisório o número de citações aos padrões de consumo”, atesta o estudo .
Para o professor Massimo di Felice, atacar meramente o consumo é uma estratégia equivocada. “O movimento ambientalista ataca o consumo. Mas ele é nosso aliado. Tudo que é vivo consome. Consumo significa também acesso a livros, a tecnologia, a cultura, fundamentais para nossa condição de humanos”, defende.
A abordagem mais adequada seria combater o que Di Felice chama de “consumo estéril”, que se reduz a uma troca entre pessoas e objetos. Já aquele consumo chamado de “fértil”, conecta o consumidor com as porções de recursos que ele está consumindo. “É o consumo de todo um processo, uma relação em que não consumo apenas o celular, mas sei que tudo o que está lá dentro – o silício, o cobre – me conecta à Gaia.”
Coautor do livro Guerrilla Marketing Goes Green: Winning Strategies to Improve Your Profits and Your Planet [4], Shel Horowitz diz que é preciso pensar os recursos e as situações de forma diferente, endereçando os problemas de maneira prática e… lucrando com isso. Ele cita o desperdício e a má gestão de recursos naturais como áreas em que se pode atuar para melhorar o planeta, e lucrar.
[4] O marketing de guerrilha fica verde: estratégias vencedoras para melhorar seus lucros e seu planeta, 2010, ainda sem tradução no Brasil
“Acho que temos de motivar as pessoas não só pelo interesse planetário, mas em interesse próprio. Venho me dedicando a discutir como negócios podem prosperar justamente pela resolução de nossos grandes problemas: fome, pobreza, guerra e as questões climáticas”, explica Horowitz.
ENGAJAMENTO
Naturalmente, operar mudanças nas formas de consumo e de lucro é uma atribuição que caberá, cada vez mais, aos jovens – que terão de se ajeitar aos limites, já bastante saturados da Terra. Raquel Rosenberg, de 24 anos, está atenta ao desafio. Fundadora de um grupo chamado Engajamundo, ela se autointitula empreendedora social, e incrementou sua rede de engajamento durante a Rio+20.
“Víamos jovens da Europa, dos Estados Unidos, do Canadá, da Nova Zelândia e da Austrália participando do processo e achamos que tínhamos de ocupar um lugar.” Raquel queria o Brasil na Youngo , um movimento juvenil internacional sobre mudança climática, reconhecido em 2009 no âmbito da Convenção do Clima, que reúne movimentos e ONGs de jovens de todo o mundo.
“Prioritário pra gente é capacitar e engajar os jovens. Começamos o programa no ano passado, com o esforço dos voluntários, e já capacitamos umas 120 pessoas”, explica Raquel. Esse ano, a Engajamundo fechou uma parceria com o WWF e a empreitada se estenderá por nove capitais brasileiras. “Vamos nos multiplicar”, diz Raquel, consciente da importância de seu trabalho. Seguramente, muitas decisões de mitigação e de adaptação aguardam esses jovens no futuro.
[:en]Catástrofes colocam a questão climática na pauta da mídia tradicional, mas mudanças de hábitos são incentivadas especialmente pelas interações nos meios digitais
A conscientização [1]sobre mudanças climáticas e suas consequências tem sido um desafio para diversas instituições, como a academia, o Terceiro Setor, o Estado e, claro, a imprensa. Que o tema tem estado na mídia muito mais do que há dez anos, não há dúvida. Em 2009, por exemplo, o Brasil foi o país que mandou o maior número de jornalistas para Conferência das Partes da ONU sobre Mudança Climática (COP-15), em Copenhague. Mas isso não quer dizer, necessariamente, que o público esteja mais bem informado com relação às causas da mudança climática. Na verdade, parece não haver relação direta entre a quantidade de reportagens ou de espaço na mídia e o despertar de um posicionamento mais consciente por parte do público acerca do assunto.
[1] O artigo 6º da Convenção do Clima, documento redigido na Eco-92, no Rio de Janeiro, em reconhecimento ao apelo da comunidade científica para a mudança do clima, trata da conscientização pública.
Conexões básicas, por exemplo, de causa e efeito, fundamentais para a compreensão de um tema tão complexo, são deixadas de lado. Essas relações tendem a aparecer mais em momentos de crise, como a da água, vivida agora em São Paulo. Situações extremas parecem ser as mais propícias para a comunicação de temas da agenda climática. O espaço que ganham na mídia eventos como deslizamentos de encostas, enchentes e secas são “ganchos” para trazer o assunto à tona.
“Depois da crise da água, o discurso da gestão e da conservação fica mais importante. Vai faltar energia também. Não tem como ignorar”, resume a advogada Nicole Oliveira, líder da equipe na América Latina da 350.org (entidade que organizou, em setembro, a Marcha Popular pelo Clima, em Nova York – a maior já realizada no planeta).
“Os temas aparecem, mas não são aprofundados. Não se fala da influência da Amazônia no regime das chuvas no Sudeste, por exemplo”, afirma o veterano jornalista Washington Novaes, pioneiro na abordagem de temas ambientais no Brasil (mais sobre o assunto em entrevista com Tasso Azevedo).
A questão é que o problema climático é tão grande que muita gente prefere nem pensar nele, pois sua solução parece fora de alcance. É o que diz o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, em entrevista recente à jornalista Eliane Brum, publicada no jornal El País [2]. Viveiros recorre ao pensador alemão Günther Anders e sua noção de fenômenos supraliminares. A ideia é que, da mesma forma que existem os fenômenos pequeninos, coisas que o cidadão vê mas não enxerga (fenômenos subliminares, abaixo da linha da percepção), também existem aqueles que são grandes demais. São tão grandes que não conseguimos nem ver, nem imaginar. Castro situa a mudança climática nessa categoria. Segundo ele, as pessoas ficam paralisadas.
[2] Acesse a entrevista de Viveiros de Castro
“Ficamos com o papel de cavaleiros do apocalipse. Quando começamos a falar muito das consequências da mudança climática, as pessoas se sentem impotentes, se deprimem”, explica Nicole, da 350.org.
Para o professor do curso de pós-graduação em Redes Digitais, Terceiro Setor e Sustentabilidade da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), Massimo di Felice, o assunto é difícil, mas a boa notícia é que ele está nas redes digitais. “Hoje, parte da população sabe que é necessário interromper esse desenvolvimento suicida, que já mostra efeitos na vida cotidiana. Há 15 ou 20 anos, esse conhecimento era restrito aos cientistas e a uma elite de militantes ecológicos.”
Segungo Di Felice, é evidente que a discussão mais aprofundada sobre a questão não estará nos meios de comunicação tradicionais. De acordo com ele, existem hoje duas culturas comunicativas opostas. Uma secular, representada pelos meios de massa tradicionais. E outra, digital, que ele chama de arquitetura da interação. O grande problema, diz, são os meios tradicionais, que ocupam seus espaços editoriais com financiamento político, ligado a lobbies que financiam partidos, e com financiamento de publicidade também. “Obviamente, nesses veículos, a questão ambiental não vai figurar de maneira aprofundada. Vai entrar de forma pontual, e dividindo espaço com as fofocas, com as efemérides”, analisa.
Na visão de Deborah Danowski, filósofa, professora da PUC-RJ e estudiosa das questões ambientais, há um problema de formação dos profissionais da imprensa, mas não só isso. “Notícias sobre eventos climáticos são tradicionalmente veiculadas por meteorologistas, que não vão muito além da escala local e descritiva. E não há, por parte das empresas que os empregam, nenhum interesse em incentivá-los a oferecer uma visão mais crítica sobre o que está se passando. Porque isso significaria atribuir responsabilidades”, resume.
Di Felice observa ainda que, enquanto a forma tradicional de comunicar produz consenso (ou seja: fala para um cidadão-eleitor, aquele que elege um candidato), as mídias digitais “realizam cidadania”. Entretanto, o que qualquer um pode confirmar ao abrir sua linha do tempo nas redes digitais da vida é, muitas vezes, um comportamento quase infantil: postam-se muitas fotos, xinga-se muito. Mas faltam análises que sigam além da reclamação e do senso comum.
“Em parte esse approach continua sendo superficial, mas em parte não”, pondera Di Felice. “Percebemos, por exemplo, como é eficaz na questão das mudanças de hábitos. O discurso do uso da bicicleta se disseminou e ganhou apoio em pouquíssimo tempo. Foi uma transformação que se espalhou rapidamente, na contramão do olhar do poder e dos meios de comunicação de massa.”
Deborah Danowski diz que as mídias digitais (que ela chama de alternativas) estão tendo um papel importantíssimo. “Na TV aberta só se fala no tema, em geral, depois das onze da noite, em pequenos blocos intercalados por anúncios de carros 4 X 4 superpoluentes. A impressão que dá é de que as expressões ‘mudanças climáticas, aquecimento global, crise ecológica’ e outras são proibidas em horário nobre”, sugere.
O QUE QUEREMOS?
Se as mídias digitais são por excelência o espaço de comunicação e fomento de transformações, o mesmo não se pode dizer do ambiente político – ao menos no Brasil. Causou apreensão o fato de que os debates e os programas eleitorais gratuitos durante o primeiro turno das eleições de 2014 praticamente não tenham abordado a questão das emissões de gases de efeito estufa e suas consequências para clima – o que se repetiu e se acentuou no segundo turno, em que não havia candidatos exatamente identificados com as “bandeiras” ambientais.
O combate à mudança climática pouco figura também entre as preocupações dos jovens brasileiros, conforme o levantamento Juventude Levada em Conta, feito pela Comissão Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD), ligada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE). O quesito aparece em último lugar entre as 16 prioridades de jovens entre 15 e 29 anos, cerca de 26% da população brasileira. A pesquisa de campo, feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em maio de 2013, ouviu mais de 10 mil pessoas. Cada entrevistado escolheu, entre 16 temas, quais seriam suas seis maiores prioridades.
Para Di Felice, essa realidade vai mudar rapidamente. “Todo conhecimento daqui para a frente está ligado à extinção da espécie humana na Terra. Então, não é uma questão apenas de ganhar as pessoas para a causa. É entender que não há mais causa.”
A julgar pela magnitude da Marcha pelo Clima realizada em Nova York, parece que o mundo começou a entender que, de fato, esta é a única causa. Foi a maior passeata pelo clima da História e reuniu 400 mil pessoas nas ruas da cidade. A expectativa de adesão era de 100 mil a 150 mil pessoas. A passeata ocorreu dias antes da Assembleia Geral da ONU, também em Nova York, e concomitantemente em várias cidades, como Rio de Janeiro, Paris, Sydney, Madri, Bogotá e Buenos Aires.
“No Rio caiu um vendaval, e isso atrapalhou a marcha. Tínhamos uma previsão de 2 mil pessoas, mas apareceram 400”, afirma Nicole Oliveira, da 350.org, ressaltando que, pelas condições impostas pelo mau tempo, até que foi um bom número.
Para ela, as mídias sociais tiveram um papel importante para o sucesso da marcha nova-iorquina, mas a união de forças do setor ambientalista é que foi decisiva, mostrando uma boa capacidade de articulação das organizações da sociedade civil.
CONSUMO E LUCRO
Bandeira que une gregos e troianos na luta pela redução de emissões, a mudança nos padrões de consumo acaba aparecendo, mas sempre de maneira tangencial, nas discussões sobre “o que cada um pode fazer para melhorar o planeta”. E isso tanto nas redes sociais da internet como nos meios de comunicação de massa.
No estudo Mudanças Climáticas na Imprensa Brasileira [3], a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi) destacava que a perspectiva ambiental era a principal forma de reportar a questão das mudanças climáticas, seguida da perspectiva econômica. Mas que, apesar de representarem quase 20% das matérias do universo pesquisado, entre os textos com viés econômico apenas 6% faziam, por exemplo, referência a padrões de consumo das sociedades contemporâneas.
[3]Publicado em 2008 em parceria com a Embaixada Britânica, com base na cobertura de temas ambientais por 50 jornais diários brasileiros
Em 2010, a mestranda do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), Lilian de Oliveira Bueno, confirmou essa tendência em seu trabalho Mudanças Climáticas no Contexto das Ciências e da Divulgação Científica. De acordo com a pesquisa, o tema raramente aparece relacionado a padrões de consumo. “Frequentemente [as mudanças] são relacionadas às emissões, crescimento populacional, desmatamento, degradação ambiental e poluição, mas é praticamente irrisório o número de citações aos padrões de consumo”, atesta o estudo .
Para o professor Massimo di Felice, atacar meramente o consumo é uma estratégia equivocada. “O movimento ambientalista ataca o consumo. Mas ele é nosso aliado. Tudo que é vivo consome. Consumo significa também acesso a livros, a tecnologia, a cultura, fundamentais para nossa condição de humanos”, defende.
A abordagem mais adequada seria combater o que Di Felice chama de “consumo estéril”, que se reduz a uma troca entre pessoas e objetos. Já aquele consumo chamado de “fértil”, conecta o consumidor com as porções de recursos que ele está consumindo. “É o consumo de todo um processo, uma relação em que não consumo apenas o celular, mas sei que tudo o que está lá dentro – o silício, o cobre – me conecta à Gaia.”
Coautor do livro Guerrilla Marketing Goes Green: Winning Strategies to Improve Your Profits and Your Planet [4], Shel Horowitz diz que é preciso pensar os recursos e as situações de forma diferente, endereçando os problemas de maneira prática e… lucrando com isso. Ele cita o desperdício e a má gestão de recursos naturais como áreas em que se pode atuar para melhorar o planeta, e lucrar.
[4] O marketing de guerrilha fica verde: estratégias vencedoras para melhorar seus lucros e seu planeta, 2010, ainda sem tradução no Brasil
“Acho que temos de motivar as pessoas não só pelo interesse planetário, mas em interesse próprio. Venho me dedicando a discutir como negócios podem prosperar justamente pela resolução de nossos grandes problemas: fome, pobreza, guerra e as questões climáticas”, explica Horowitz.
ENGAJAMENTO
Naturalmente, operar mudanças nas formas de consumo e de lucro é uma atribuição que caberá, cada vez mais, aos jovens – que terão de se ajeitar aos limites, já bastante saturados da Terra. Raquel Rosenberg, de 24 anos, está atenta ao desafio. Fundadora de um grupo chamado Engajamundo, ela se autointitula empreendedora social, e incrementou sua rede de engajamento durante a Rio+20.
“Víamos jovens da Europa, dos Estados Unidos, do Canadá, da Nova Zelândia e da Austrália participando do processo e achamos que tínhamos de ocupar um lugar.” Raquel queria o Brasil na Youngo , um movimento juvenil internacional sobre mudança climática, reconhecido em 2009 no âmbito da Convenção do Clima, que reúne movimentos e ONGs de jovens de todo o mundo.
“Prioritário pra gente é capacitar e engajar os jovens. Começamos o programa no ano passado, com o esforço dos voluntários, e já capacitamos umas 120 pessoas”, explica Raquel. Esse ano, a Engajamundo fechou uma parceria com o WWF e a empreitada se estenderá por nove capitais brasileiras. “Vamos nos multiplicar”, diz Raquel, consciente da importância de seu trabalho. Seguramente, muitas decisões de mitigação e de adaptação aguardam esses jovens no futuro.