Em 2013, UNESCO, Fundação Avina e cinco universidades da América Latina fundaram uma rede com o objetivo de debater e atuar articuladamente para a aproximação entre conhecimento científico sobre mudanças climáticas e processos de tomada de decisão no âmbito de políticas públicas e privadas. Desde então foram promovidos dois simpósios regionais, o segundo, do qual participei, aconteceu nos dias 19 e 20 de agosto de 2015, em Montevidéu.
O evento uniu representantes de governos nacionais e subnacionais de Chile, Uruguai, Paraguai e Argentina, organizações internacionais, como CDKN e CEPAL, instituições de pesquisa de Argentina, Brasil, Chile, Paraguai, Peru, Uruguai e América Central e algumas poucas empresas. A Escola de Direito da FGV e o GVces estavam lá.
Alinhado ao objetivo da rede, o Simpósio promoveu reflexões e debate sobre:
- integração entre ciência, política e sociedade; e
- caminhos para a articulação das disciplinas, necessária à compreensão da realidade e inserção da agenda de mudanças climáticas nas instituições e seus processos.
Partindo de desafios compartilhados na região, questões para reflexão comuns aos países e organizações foram propostas pelos palestrantes e mediadores. Não foram encontradas respostas contundentes, mas compartilhadas lições aprendidas, conclusões de pesquisas e apontados possíveis caminhos.
Entre os desafios regionais, destacam-se:
- estabelecer uma relação de apoio das comunidades científicas aos governos;
- que o conhecimento acadêmico tenha sentido para e seja capilar na sociedade, empresas e governos;
- a preparação do sistema científico e instituições acadêmicas para a interdisciplinaridade na produção de conhecimento e na extensão;
- superação da noção geral e individualista de que o que cada organização faz é a peça mais importante do quebra-cabeça;
- a dedicação à efetiva criação de conhecimento junto a outros atores, como comunidades e empresas, que por vezes são entendidas apenas como fontes de informações, para consulta; e
- sistematização de casos em que mitigação e adaptação tenham sido integradas à agenda de desenvolvimento na América Latina.
As questões provocadoras mais interessantes foram:
- quem financia a pesquisa científica na região e quais os interesses imbricados?
- busca-se excelência no ensino e pesquisa, mas o que é “excelência”, que indicadores deveriam estar sendo monitorados?
- as instituições possuem espaços efetivos para que o conhecimento flua? Que espaços são ou como poderiam ser?
O norte adotado em diversas falas, pano de fundo para os desafios, questões e caminhos apontados é a construção de um modelo de desenvolvimento em que as agendas ambiental e social sejam tão relevantes e tenham tanto peso quanto a econômica. Por isso provocações giraram em torno e desembocaram em como influenciar a tomada de decisão nas instâncias governamentais que respondem pela agenda de desenvolvimento.
Um dos painéis foi elucidativo ao enfrentar diretamente essa questão e trouxe quatro barreiras, que os palestrantes enxergam como mais importantes, para a inserção das mudanças climáticas nos critérios e processos de tomada de decisão relacionada à agenda de desenvolvimento:
- falta de transversalidade horizontal e vertical entre os níveis e instâncias governamentais;
- decisões de curto prazo (tempo dos mandatos) versus os horizontes mais longos das mudanças climáticas;
- assimetria de poder entre as áreas e agendas de governo; e
- falta de sistemas de monitoramento das políticas públicas.
Os desenhos organizacionais que vêm se desenhando na região logram responder a uma parcela dessas barreiras, dependendo do contexto político-institucional:
- Comissões ou unidades de coordenação interministerial – congregam diferentes agendas e visões, mas tendem a replicar a assimetria de poder.
- Escritórios de mudanças climáticas em diferentes ministérios – a experiência mostra baixa capacidade de influência.
- Funções de coordenação em organismos de planejamento – pouco efetivo na integração e construção de agenda interdisciplinar.
- Organismos relativamente autônomos de poder político, desvinculados dos ciclos de mandato e, portanto, capazes de liderar projetos de longo prazo (ex.: Dirección General de Irrigación de Mendonza) – dificuldade em conectar os projetos e programas a outros liderado por ministérios e agências nacionais.
- Alocação do tema na presidência (ex.: PPCDAM coordenado pela Casa Civil no Brasil) – dependência em relação ao líder político no cargo.
- Alocação em ministérios-chave (ex.: Política Energética 2050 do Uruguai) – risco da agenda mudanças climáticas ser “fagocitada” pelas outras.
Dessa forma, não haveria (ainda) uma configuração institucional que solucione todos os desafios, mas sim relações de trade-offs estabelecidas entre os arranjos mapeados. Combinado a qualquer um deles, devem ser estruturados sistemas de monitoramento e avaliação de políticas, projetos e metas. Como suporte a esse processo, faltam estudos que mapeiem os sistemas e indicadores em utilização.
Menos palpáveis, os caminhos para o alcance da interdisciplinaridade (ou ainda, na fala mais ambiciosa de alguns, a transdisciplinar idade) e as mudanças climáticas como agenda transversal a todas as pastas, áreas e tomadas de decisão passam necessariamente pela formação dos atuais e futuros líderes. A revisão do modelo de educação, especialmente em nível superior, já que se trata de uma rede de universidades, parece ser uma medida fundamental, mas ainda complexa demais para que se saiba por onde começar. Inevitável lembrar aqui da eletiva Formação Integrada para Sustentabilidade – FIS, uma das inovadoras e corajosas empreitadas do GVces que enfrentam questões estruturais como essa, do modelo educacional.
Mariana Nicolletti