Olha isso!
POR FABIO F. STORINO*
Em um sábado à noite, há pouco mais de dois séculos, trabalhadores do setor têxtil reuniam-se num pub na cidade inglesa de Hightown. Não estavam celebrando: o clima econômico era sombrio, e as condições naquela indústria, muito duras. Quando chegou a hora, largaram seus copos de cerveja e pegaram nas armas — picaretas, marretas, rifles — e rumaram até a planta de uma fábrica. O alvo? As máquinas introduzidas pela Revolução Industrial, que ameaçavam seus empregos. Por dois anos, os ludditas repetiriam os ataques em várias outras cidades, até serem contidos pelo Exército Britânico e pelo Parlamento, que tornou crime a quebra de máquinas e permitiu que os responsáveis fossem levados a julgamento.
A tensão entre os humanos e as máquinas permaneceu a cada novo avanço tecnológico. Mas, se empregos eram destruídos, outros tantos eram criados: as máquinas liberavam as pessoas dos trabalhos duros e repetitivos da agricultura e da indústria e, com o aumento da renda proporcionado por ganhos de produtividade, novas demandas eram geradas, especialmente no setor de serviços, por muito tempo um refúgio contra a ameaça robótica.
Mas isso está mudando: com o avanço da inteligência artificial, robôs estão aprendendo a desempenhar tarefas que exigem muito mais neurônios que músculos, como mostra o ótimo Humans Need Not Apply [Humanos não precisam se candidatar] (assista vídeo abaixo com legendas em português disponíveis). Robôs que cozinham, escrevem notícias e dirigem já são realidade. E a progressão tende a ser geométrica. Se taxistas do Brasil e do mundo atacam motoristas e veículos do Uber, o que farão quando dirigir se tornar obsoleto?
No Centro de Estudos do Risco Existencial da Universidade de Cambridge, a inteligência artificial é vista com um dos riscos: algoritmos capazes de aprender continuamente e se adaptar de maneira autônoma precisam de salvaguardas que os impeçam de se voltar contra os humanos. Carta aberta assinada por grandes nomes da ciência e tecnologia, como Stephen Hawking e Elon Musk, alerta contra os riscos das armas autônomas — falo sobre isso em “O robô que não me amava”.
Essas máquinas tampouco estão a salvo da ameaça humana: recentemente, HitchBOT, robô que cruzou o Canadá e Europa pegando carona, foi completamente destruído nos EUA. No Japão, pesquisadores programam robôs para tentar evitar bullying humano (conclusão do algoritmo: fuja de crianças em grupo). Lá eles também oferecem companhia aos humanos, em especial aos idosos. Filmes recentes, como Ela e Ex-Machina, apontam para um futuro no qual robôs também se tornarão parceiros amorosos.
Estamos introduzindo um novo ator nas relações sociais sem termos resolvido a contento a maneira como tratamos nossos semelhantes de carne e osso. Será que, com o algoritmo certo, isso é algo que os robôs poderão nos ensinar?
*Doutor em Administração Pública e Governo