Com slogan criativo, capital inicial de US$ 2 mil e todo o resíduo de lanchonetes e restaurantes que se pudesse coletar, “nasceu” a TerraCycle, hoje presente em 23 países
Tudo começou quando o húngaro Tom Szaky, então aos 19 anos, teve a ideia de reciclar os restos de alimentos de uma lanchonete da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, para transformá-los em fertilizante orgânico e aliviar a crise nas finanças pessoais. Com o objetivo de envasar o produto líquido obtido do lixo, tarefa realizada a partir de 2001 em uma área escondida ao fundo dos prédios acadêmicos, o empreendedor acionava catadores de rua para a coleta de garrafas plásticas, pagando US$ 0,02 por unidade. Assim, o projeto expandiu-se como solução para as sobras de todos os restaurantes da instituição e os famosos “2 centavos” acabaram se tornando marca registrada de um negócio inovador que hoje existe em 23 países e faturou US$ 20 milhões em 2014.
Com o slogan Revolução em uma Garrafa, nome de seu primeiro livro, e US$ 2 mil iniciais de um fundo de capital, Szaky – especializado em Economia e Psicologia – voou alto como superação de uma infância difícil, em que foi obrigado a deixar a terra natal e a família após o desastre nuclear de Chernobyl. Tendo como ponto de partida o resíduo orgânico, a TerraCycle desenvolveu-se no rastro de um desafio mais amplo: encontrar soluções para embalagens e outros materiais descartáveis de difícil reciclagem que até então tinham como destino apenas aterros ou incineradores.
“A venda de um grande volume de adubo ao Walmart, nos EUA, permitiu investir em máquinas para transformar resíduos em produtos com o conceito de upcycling” [1], conta Felipe Cabral, diretor da TerraCycle no Brasil, primeiro país onde a empresa se estabeleceu depois de decolar no mercado americano. O feito se deveu à demanda da PepsiCo, multinacional que já tinha encomendado lá fora uma solução para os sacos de salgadinhos e intencionava adaptá-la à realidade brasileira. O material em questão, um plástico especial de aspecto metalizado, tem características que o impediam de seguir os caminhos da reciclagem já existentes. Vencida a barreira técnica, em quatro anos cerca de 5,8 milhões de embalagens foram transformados em objetos como garrafas, regadores de planta e pellet para movimentação de carga.
[1] Processo que transforma resíduos em objetos úteis de maior valor sem que sejam destruídos para retorno à indústria, como na reciclagem convencional
A lógica do negócio tem como pilar a venda de um pacote de serviços para empresas que colocam um determinado produto no mercado e querem dar-lhe nova utilidade no descarte após o consumo. A solução inclui campanhas de mobilização com consumidores para devolução das embalagens dos produtos, o recebimento desse resíduo em galpões de triagem e a tecnologia para transformação em produtos reciclados por parceiros terceirizados. Funciona assim: os consumidores descartam o resíduo em um dos pontos de coleta da TerraCyle ou se cadastram no sistema da empresa para informar tipo e quantidade do material e obter a etiqueta necessária ao despacho gratuito da carga no correio. Os resíduos são convertidos em pontos conforme as regras dos diferentes programas e, para cada unidade, R$ 0,02 são destinados a instituições ou escolas escolhidas pelo usuário. No caso dos sacos de salgadinhos, R$ 116 mil foram doados mediante a iniciativa.
“Quebrar paradigma sobre o que pode ou não ser reciclado é um processo de longo prazo, que se torna viável economicamente à medida que o consumidor passa a ser protagonista”, explica Cabral. O principal salto foi dado com a reciclagem das embalagens de papel-alumínio do refresco em pó Tang, pertencente à Mondelez International. Entre 2010 e 2014 a empresa utilizou o programa como centro das campanhas de marketing para o produto, o que resultou em 40% de aumento nas vendas. Hoje a TerraCycle mantém no País “brigadas” de coleta para oito diferentes categorias de resíduos relativos a cinco indústrias.
O modelo de negócio permitiu à 3M do Brasil reciclar esponjas de cozinha, fato inédito no mundo. Com a Faber-Castell, instrumentos de escrita viram novos produtos, como lixeiras e vasos de planta
Com crescimento médio de 15% ao ano, a TerraCycle tem hoje 1 milhão de pessoas cadastradas no Brasil e planeja expansão. A aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, em 2010, ajudou a colocar o tema na pauta de empresas e do poder público, além de despertar maior consciência por parte da população – o que também atiçou a concorrência, como o serviço tradicional das empresas de limpeza urbana, dedicadas a levar lixo para aterros. O projeto é ir além e abranger os materiais descartáveis como um todo, não apenas os de difícil solução, o que faz a empresa negociar mecanismos para aumentar a renda de cooperativas de catadores. Muitas não aproveitam 60% dos resíduos que recebem.
A ampliação do negócio também se explica diante da necessidade de não depender apenas do apelo dos materiais complicados. Dentro dos princípios da sustentabilidade, o desafio das indústrias em geral é projetar produtos mais facilmente recicláveis – e não propriamente manter a dificuldade para depois tentar resolvê-la, o que de todo modo tem ocorrido numa escala bem inferior à quantidade total descartada sem reaproveitamento. A questão está prevista na lei de resíduos como uma das responsabilidades das empresas. Felipe reconhece: “Sabemos que não resolveremos o problema do lixo urbano fazendo estojos e bolsas a partir de embalagens recicladas, mas plantamos uma semente demonstrando que as coisas que descartamos podem ser novamente úteis e ter um melhor destino”.
O que faz: Oferece soluções para resíduos de difícil reciclabilidade, como esponjas multiúso, instrumentos de escrita e escovas de dente, mediante campanhas de coleta e tecnologias de reciclagem, reúso e upcycle.
Ficha – TerraCycle
Microempresa
Setor: Resíduos (logística reversa)
Faturamento 2015 (Brasil): R$ 1,5 milhão
Funcionários: 4
Fundação: 2009
Principais clientes: Faber-Castell, 3M, Colgate, Avon e Garnier.
Inovação para sustentabilidade: Os resíduos tratados pela TerraCycle possuem uma alta complexidade de plásticos em sua composição e também um grande acúmulo de sujeira. A empresa é pioneira no Brasil e no mundo neste segmento e promove a logística reversa aliada ao protagonismo dos consumidores. Investe também na descoberta de novos processos de reciclagem sempre que um resíduo adicional é enviado à empresa.
Potencial de replicação e escalabilidade: A empresa tem crescido de 20% a 30% ao ano no mundo. A plataforma mundial conta com 60 milhões de pessoas cadastradas na base e, no Brasil, chega a 1 milhão.
Destaques de gestão: Possui um processo de gestão estruturado com parceiros especializados em coleta, armazenamento e reciclagem de materiais, de acordo com critérios de rastreabilidade, certificações e auditorias. Há compromisso com o desenvolvimento sustentável no contrato social e boas práticas de governança corporativa e relações com o consumidor.