A partir de uma piscina, a BrasilOzônio estendeu a tecnologia de purificação da água para setores como mineração, agropecuária e até para cidades
De todos os recursos do planeta essenciais para a vida humana, o ar que respiramos é o mais abundante e de fácil acesso, além de gratuito. Ninguém duvida que transformar essa farta matéria-prima em soluções para problemas causados pelo homem, como os vários tipos de poluição , pode resultar em boa fonte de lucro, ainda mais se a inovação é portátil, consome pouca energia e produz como resíduo apenas o oxigênio, vital para todos nós. Um “negócio da China”? Não, do Brasil, mais especificamente da BrasilOzônio, pequena empresa de São Paulo que desenvolveu tecnologia limpa de alta eficiência e baixo custo para tratamento de água e efluentes, purificação do ar, desinfecção de ambientes e diversas outras utilidades para a saúde e bem-estar que dispensam produtos químicos de risco.
A história é digna do Professor Pardal, o caricato cientista das histórias em quadrinhos que surpreendia com suas engenhocas – no caso, um equipamento gerador de ozônio [1] a partir do oxigênio do ar. “Tudo começou como um hobby numa salinha de 10 metros quadrados, sem maiores pretensões”, conta o empresário Samy Menasce, ex-presidente de multinacional têxtil que no passado não investia em cuidados ambientais “porque o mercado funcionava assim” e depois abraçou a causa como franqueador máster da linha de produtos ecológicos com a marca Greenpeace.
[1] Gás formado à base de oxigênio existente no ar ambiente. É considerado o mais forte desinfetante empregado para a purificação da água
Na época, Menasce foi procurado por um médico que aplicava ozônio contra doenças e queria desenvolver uma máquina ambientalmente correta para tratar piscinas à base desse gás, sem uso de cloro. O desafio cativou o empresário. Entre 2000 e 2004, um técnico em eletrônica trabalhou no novo aparelho, finalmente testado com sucesso na piscina da casa de Menasce no Guarujá (SP). Diante do resultado, decidiu-se criar um negócio, sediado no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), da Universidade de São Paulo (USP), “porque um amigo me falou ser um lugar onde se faziam coisas diferentes”.
O caseiro do Guarujá, Marcio Martins, transferiu-se para o novo local de trabalho e hoje é o gerente-geral da BrasilOzônio, um dos especialistas que mais entendem da tecnologia no mundo. Mas não foi fácil sair da escala de laboratório para o campo. O investimento inicial viria da venda da primeira máquina, que ainda precisava ser testada por um tempo maior. Quem a compraria, sem a certeza de que funcionaria corretamente? A solução veio da parceria com um motel próximo à USP que tinha problemas de contaminação da água com teor de ferro além do permitido. Se o ozônio resolvesse, o estabelecimento pagaria pelo aparelho – e assim aconteceu.
Logo se descobriu que retirar o ozônio diretamente do ar ambiente causava defeitos no equipamento após algum tempo de uso. A solução surgiu quando Menasce precisou levar o pai ao hospital e lá descobriu a existência de equipamentos portáteis de oxigênio puro – e não apenas daqueles grandes cilindros usados no auxílio à respiração de pacientes. Nessa forma concentrada, o oxigênio injetado no aparelho projetado pela empresa multiplicava a produção de ozônio e, a depois dessa descoberta, a tecnologia só evoluiu.
Foram desenvolvidas dezenas de aplicações – chegaram a ser mapeados 74 diferentes usos de interesse comercial para o ozônio – e hoje a empresa está na sexta geração de equipamentos, distribuídos no mercado sob três modelos de negócio: venda da máquina após período de demonstração da eficácia entre os clientes; aluguel; e participação no lucro das empresas com a prestação do serviço, no caso do tratamento de efluentes industriais.
“O negócio está mais em vender solução do que máquina”, afirma Menasce, ao reforçar que a localização na USP facilita o acesso a cérebros e laboratórios, além de maior facilidade para projetos de financiamento a fundo perdido – R$ 15 milhões foram obtidos pela empresa nessa modalidade em agências de fomento. Neste ano, após longa negociação, a empresa tornou-se uma S.A., ao formar sociedade com o BNDES, o banco Bozano, Simonsen e Fundo Schnubart. A iniciativa resultará em importante aporte de capital para o início de um novo ciclo: aplicação de ozônio para usos de grande escala, como tratamento de água para cidades de 100 mil habitantes.
De olho nesse mercado, a empresa articulou parceria com o fabricante americano fornecedor dos aparelhos de oxigênio puro (matéria-prima básica da geração do ozônio) para o desenvolvimento de modelos de grande porte personalizados para as novas aplicações. “Com isso, o atual faturamento de R$ 3 milhões por ano deverá aumentar para R$ 50 milhões por ano, em cinco anos”, estima o empresário, prevendo ganhos em mercados importantes, como o da mineração.
A tecnologia está sendo empregada atualmente para o tratamento do passivo ambiental da exploração de urânio pela Indústrias Nucleares do Brasil (INB), em Caldas (MG). Nessa área existem 2,5 milhões de metros cúbicos de água e 45 milhões de toneladas de solo contaminados com metais pesados, que serão separados para venda no mercado. O ozônio deverá ser utilizado também para descontaminar minas de carvão em Criciúma (SC). Uma ação judicial movida há alguns anos pelo Ministério Público para a solução do problema até hoje não foi cumprida por falta de tecnologia.
O potencial de crescimento é expressivo, diante da demanda aquecida de clientes que buscam cumprir normas ambientais, oferecer serviços de melhor qualidade e incorporar a sustentabilidade às suas operações. Na agropecuária, a BrasilOzônio mira duas frentes, sabendo-se do alto poder biocida do produto: o tratamento do gado contra infestação por carrapatos, problema que exige aplicação de antibióticos; e o combate a pragas de plantações, em substituição a agrotóxicos.
Mais de mil cabeças de gado receberam banho com água ozonizada em uma fazenda de Goiás, que pagará o serviço na forma de royalties sobre as futuras vendas de animais
“Novos avanços dependem de mudanças na visão das empresas que insistem em considerar os problemas ambientais como algo que não faz parte do custo de produção”, ressalta Menasce, com plano de avançar no mercado externo.
Microempresa
Setor: Química verde (tratamento de água, ar e efluentes)
Faturamento 2015: R$ 696.942
Funcionários: 12
Fundação: 2005
Principais clientes: Bunge, Dow, Unilever, Vale, Coca-Cola, Sabesp, 3M
O que faz: Desenvolve e comercializa sistemas modulares de baixo consumo elétrico que utilizam ozônio para o tratamento de água, ar e efluentes, em substituição a produtos químicos convencionais
Inovação para a sustentabilidade: O gás ozônio é o mais potente bactericida e oxidante existente. Tanto sua matéria-prima como seu resíduo são apenas oxigênio. Há uma vasta gama de usos, que vai desde a desodorização de cigarro em hotéis com apartamentos de fumantes até a esterilização de materiais cirúrgicos e tratamento de efluentes industriais
Potencial: Com mais de 3 mil instalações de pequeno porte em funcionamento no Brasil e em outros países, a empresa inicia um novo ciclo adaptando a tecnologia para uso em grandes volumes, como tratamento de água em cidades, e expandindo-se para o mercado agrícola e de mineração.
Destaques de gestão: Apresenta práticas de governança e gestão de contas, com ênfase no investimento em inovação por meio de acesso a recursos de instituições de fomento. Em 2015, tornou-se uma S.A., formada em sociedade com o BNDES e outros dois fundos financeiros.