A opção alimentar não é apenas uma escolha individual, é um ato político. Já existe uma rede voltada para transformar essas relações de consumo.
Nesta edição destacamos a busca por um outro modelo de desenvolvimento da vida no campo e o seu maior desafio: como viabilizá-lo em grande escala?
Essa pergunta remete às escolhas individuais; aos hábitos e cultura alimentar refletidos no cotidiano. A cada vez que servimos uma refeição, em nosso prato está um espelho da disputa de modelos de produção que hoje coexistem no campo.
Ao cozinhar menos em casa, comprometemos a identidade cultural e alimentar, aumentando a dependência dos alimentos industrializados e ultra-processados. Algumas regiões tornam-se “desertos alimentares”, áreas em que o acesso a alimentos frescos e saudáveis, como frutas e verduras, é escasso. O alarmante e crescente índice de obesidade em todas as classes sociais manifesta-se principalmente em grupos vulneráveis como as crianças e os jovens.
Em contraponto, a diversificação alimentar, a redução ou eliminação dos agrotóxicos nos processos produtivos, a interpretação da rotulagem das embalagens são alguns dos movimentos que já estão à disposição e podem se expandir na medida em que cresce a consciência por uma alimentação mais saudável e em equilíbrio com o ambiente.
A sociedade entende cada vez mais que a saúde, vista de forma integral, parte da alimentação. As prateleiras de orgânicos são cada vez mais comuns, grandes redes de fast-food encolhem, o mercado mundial de refrigerantes começa a ser mais restrito e as marcas de produtos naturais se diversificam. O açaí abriu espaço para o cupuaçu e a graviola. Observamos cada dia mais exemplos como esses.
Essa dinâmica, resultado da visão ampliada da integração dos conceitos de saúde e alimentação, abre espaço para as agroflorestas, o extrativismo, o cooperativismo, a agricultura familiar. Todos, sistemas de produção mais alinhados às crescentes exigências da agenda ambiental, socialmente mais relevantes, e alinhados aos ciclos da natureza (leia mais sobre agroflorestas).
O ponto de tensão para que esses hábitos ganhem escala é o preço. A grande indústria de alimentos foi desafiada a encontrar maneiras rentáveis e escaláveis de atender à demanda crescente de qualidade de vida.
Diante disso, as questões que se colocam são: o que pode expandir esta mudança tornando-a mais inclusiva? Quais práticas já em curso tornam viável esse outro modo de produzir e consumir alimentos?
No arranjo institucional, exemplos reais de avanço nessa direção são o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Guia Alimentar para a População Brasileira do Ministério da Saúde (mais sobre o guia em reportagem Ligue os pontos).
O PNAE define a origem de parte da compra como proveniente da agricultura familiar dando preferência aos orgânicos, e o guia qualifica os alimentos ultraprocessados como prejudicais à saúde.
Outros exemplos mais difusos também nos levam a mudanças de comportamento: na sociedade e nos movimentos ativistas, o slow food, vegetarianismo, o ambientalismo, o comércio justo, a nova economia, são ícones entre diversas outras formas de manifestação. Destaca-se ainda o papel dos nutricionistas, ao produzir e divulgar informações valiosas que viralizam por todos os meios de comunicação, a exemplo do blog inspirador do título deste artigo: canaldocampoamesa.com.br.
Existem ainda práticas de fronteira que indicam caminhos para reconfigurar inteiramente a relação entre o campo e a mesa, e podem referenciar um outro modo de relação entre o campo e a cidade. Uma exemplo são as CSAs – Comunidades que Suportam Agricultura – que formam associações diretas entre o consumidor e o produtor, têm se difundido pela Europa e começam a se desenvolver no País.
Existe uma rede que organiza uma revolução alimentar e, por sua vez, modifica positivamente nosso vínculo com a vida no campo. O próximo passo para fortalecê-la é expandir essa mudança de consciência com uma compreensão ampliada da responsabilidade de nossas escolhas de consumo.
Olhando para a frente, mais do que interpretar os rótulos das embalagens, precisamos aprender a fazer escolhas que consideram, na íntegra, o processo da viagem do alimento da fazenda ao nosso prato. Para chegar aqui, este produto gastou carbono em excesso? Maltratou pessoas e animais? Destruiu florestas? Fez propaganda enganosa?
Promover a sustentabilidade no campo e em nossas vidas requer mudanças coletivas de comportamento. A opção alimentar é mais que uma escolha individual: é um ato político.
*Em colaboração com o agrônomo Gerd Sparovek e a organização Novos Urbanos