Como em um cabo de guerra, de um lado o grande esforço das fontes renováveis de energia para ganhar escala; de outro o poder monumental das fontes fósseis
Os suíços Bertrand Piccard e André Borschberg passaram dez anos construindo um avião e em julho passado finalmente deram uma volta ao mundo. Saíram de Nagoya, no Japão, sobrevoaram quatro continentes (Ásia, África, Europa e América), mais o Oceano Atlântico, e 5 dias e 5 noites depois pousaram no Havaí (EUA), bem no meio do Pacífico – o último ponto de aterrissagem antes de alcançar Nagoya pela outra costa. Até aí nada demais. Só que, para percorrer esses mais de 40 mil quilômetros, o avião dos suíços não usou nenhuma gota de combustível sequer. Consumiu apenas energia solar, mesmo durante a noite.
O projeto Solar Impulse ‒ Clean Technologies to Fly Around the World, com todo o seu arrojo e ineditismo, é uma entre as incontáveis inovações em energia renovável que pipocam todos os dias mundo afora, seja no setor automotivo, seja em green building, em comunicação etc. Toda essa fertilidade mostra que a barreira tecnológica, que poderia ser o grande impeditivo para os países alcançarem a tão urgente transição energética de fontes fósseis para fontes renováveis a tempo de manter o aquecimento global abaixo de 2 graus, praticamente já não existe.
Ou seja, hoje, os dois maiores desafios para se promover uma revolução energética no mundo são: vontade política para implementar os instrumentos necessários à descarbonização das matrizes geradoras de energia e dinheiro, muito dinheiro.
O ANDAR DA CARRUAGEM
O WWF francesa publicou recentemente um estudo em que aponta 15 sinais de que o planeta já está vivenciando essa transição energética. O mais impactante deles é o fato de que 90% de toda a nova produção de energia elétrica adicionada no mundo em 2015 são de fontes renováveis – contra 50% no ano anterior. Outro sinal importante é a queda em mais de 80%, acumulada desde 2009, nos custos operacionais das tecnologias fotovoltaicas. A unidade francesa do WWF estima que esses custos seguirão em tendência de queda e estarão cerca de 60% mais baixos até 2025.
São dados nada desprezíveis. Mas, como nos filmes de suspense, o secretário-executivo do Observatório do Clima (OC), Carlos Rittl, teme que haja um descompasso entre o timing de toda essa efervescência das renováveis e o efetivo cumprimento das metas de redução dos gases de efeito estufa estabelecidas na COP 21, de Paris, em 2015. “Na China, a cada hora sobe mais uma turbina eólica, a cada hora, 10 mil metros de painéis solares são instalados. O que a China instalou em solar só nos primeiros seis meses deste ano equivale ao total de toda a matriz de eletricidade brasileira. É uma escala impressionante!”, avalia. Para ele, mesmo que a temperatura global venha a ultrapassar os limites almejados, o ganho em redução de emissões, ainda assim, terá sido extraordinário.
O professor do programa de pós-graduação em Energia do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE/USP), Célio Bermann, discorda totalmente dessa percepção de que o mundo estaria vivenciando uma revolução energética, embora admita que, no contexto mundial, várias regiões de alguma forma têm procurado aumentar a participação das fontes denominadas renováveis na oferta energética. “Existe um esforço nessa direção, mas, sob um ponto de vista concreto, a escala de inserção de energias renováveis na oferta energética mundial é extremamente reduzida quando comparada com os combustíveis fósseis”, afirma. Segundo ele, 87% da energia produzida no mundo ainda tem origem nos combustíveis fósseis.
A própria China, ao mesmo tempo que reduz drasticamente o consumo interno de energia fóssil, financia usinas de carvão mineral em vários países asiáticos. E, de quebra, aproveita para exportar o minério. A informação é do diretor-executivo do Centro Brasil no Clima, Alfredo Sirkis, que lançou recentemente, com outros participantes, o livro Moving the Trillions, sobre precificação de carbono e ações de mitigação. “A Índia, por sua vez, embora tenha interesse em elevar a participação de solar na sua matriz energética, mantém ainda uma previsão de aumento de consumo de carvão”, diz.
Para Sirkis, o que há de mais importante neste cenário de transição são as campanhas de desinvestimento. “Muitos investidores importantes, como o Fundo Soberano da Noruega, grandes universidades americanas e fundos de pensão estão retirando seus investimentos da indústria de carvão”, afirma. No mínimo, essas ações sugerem um movimento de regressão da fonte que mais emite carbono. Mas não é suficiente. De onde virão os trilhões necessários à transição? Os governos estão todos endividados e com déficits públicos, portanto um novo Plano Marshall [1] injetando recursos a fundo perdido, como nos anos 1940, está descartado. “O dinheiro do mundo está no circuito do mercado financeiro. Lá você encontra cerca de US$ 220 trilhões que dificilmente chegariam ao setor produtivo”.
[1] Programa de Recuperação Europeia elaborado pelos Estados Unidos para reconstrução dos países aliados da Europa após a Segunda Guerra Mundial
Para tirar dinheiro da bolha financeira a fim de frear o avanço dos fósseis, além do corte de subsídios aos combustíveis fósseis, existem os instrumentos econômicos da precificação de carbono – os principais são a taxação da intensidade de carbono e o sistema de comércio de emissões. São mecanismos que operam segundo os princípios do poluidor-pagador e do conservador-recebedor: quem polui remunera aqueles que conservam. O artigo 108 do Acordo de Paris estabelece que os países desenvolvam novos mecanismos que atribuam valor econômico às atividades de mitigação, privilegiando o conservador-pagador. A isso o Acordo de Paris chamou de “precificação positiva de carbono”.
Entre avanços e dificuldades, a energia solar fotovoltaica no momento parece ser a grande líder desse movimento que, no entanto, para deslanchar e ter alguma chance de vitória, conta com a retaguarda dos moinhos de vento, das usinas hidrelétricas, das biomassas, das marés, entre tantas outras fontes alternativas, limpas e renováveis.
Em meio a toda essa efervescência e nesse momento crucial de turning point da mudança do clima, o que dizer do papel das usinas nucleares, cujo processo de geração de energia não emite gases de efeito estufa? Dado o risco que representam para a vida (a exemplo de Fukushima e Chernobyl) e os rejeitos perigosíssimos e duradouro que geram, as nucleares vêm sendo substituídas na Alemanha em boa parte por termelétricas movidas a carvão mineral, o grande vilão do aquecimento global. (Leia mais sobre energia nuclear na seção Olha Isso).
Se for para substituir por termelétricas, o consultor em energia Joaquim Carvalho (foi pesquisador associado ao Instituto de Energia e Ambiente da USP e diretor industrial da Nuclen), embora seja contra a instalação de novas usinas nucleares, acha razoável que países com pouca opção em suas matrizes, e que já possuem infraestrutura nuclear, encarem essa fonte como uma espécie ponte de emergência até a renovação total de suas matrizes.
E o que dizer também da retomada dos investimentos no pré-sal brasileiro, quando o mundo já debate e em alguma medida pratica desinvestimentos em petróleo? Aliás, aos mais empolgados com a ideia da transição energética, o sociólogo Ricardo Abramovay, professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE/USP), manda a seguinte mensagem: “Cuidado com a ideia de que a era dos fósseis terminou, porque os gigantes do petróleo não vão desistir tão fácil das explorações”.
Independentemente do que aconteça com o clima do planeta nos próximos anos, no capítulo que trata das energias haverá o time dos protagonistas e o dos coadjuvantes. O Brasil, contrariando expectativas, está se integrando ao segundo. Gilberto Jannuzzi, professor do Departamento de Energia da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade de Campinas (Unicamp), enxerga uma mudança robusta no panorama energético mundial e lamenta que o País siga passivo diante dos acontecimentos no setor, apenas recebendo influências. “Com tanto potencial para fontes renováveis, não conseguimos alavancar uma economia baseada nelas. Na verdade somos, no momento, apenas um grande mercado para companhias que exploram energia eólica, solar, entre outras fontes.”
Neste quadro geral, não se pode esquecer também do papel da eficiência energética, a mais limpa de todas as fontes, pois representa a energia não gerada. Para o físico José Goldemberg, presidente da Fundação Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a intensidade energética (o consumo de energia em relação ao Produto Interno Bruto) está diminuindo em todos os países desenvolvidos, que, juntos, respondem por metade de toda a energia produzida no mundo. “À medida que o tempo vai passando, os países ricos fazem a mesma coisa com menos energia”, afirma.
No entanto, o avanço do processo de eficiência energética vai de encontro a uma situação paradoxal. O aumento da eficiência, somado à forte transição dos países ricos para o setor de serviços e à entrada das energias renováveis, puxa para baixo o consumo de derivados de petróleo (conforme Goldemberg, nos EUA a redução foi da ordem de 1% ao ano nos últimos 10 anos), e consequentemente o preço do fóssil também cai. Quanto menor o preço, mais competitivo fica o petróleo em relação às renováveis, o que, por questões de competitividade, acaba dificultando o processo de descarbonização das matrizes energéticas.
Em meio a essa disputa de gigantes, a sociedade civil vai aos poucos se empoderando na defesa das renováveis por meio da climate justice, um tipo de ação civil pública em que o cidadão pode processar as empresas e governantes por causa dos impactos negativos dos combustíveis fósseis. Segundo Barbara Rubim, da Campanha de Clima e Energia do Greenpeace Brasil, no ano passado, o judiciário da Holanda deu ganho de causa aos cidadãos e condenou o governo a ter uma meta de redução de gases de efeito estufa. “Barack Obama [presidente dos Estados Unidos] também está sendo processado por ter sido lento nas decisões em relação à mudança climática. São iniciativas simbólicas, mas mostram que a sociedade civil está cada vez mais se envolvendo no assunto”.
UM LUGAR AO SOL
Se a cotação do petróleo desceu próxima ao rés do chão, o preço das placas fotovoltaicas também despencou nos últimos dois anos, seja por causa do ganho de escala, seja pela redução da curva de aprendizado para lidar com o sistema. Então, por que em um país eminentemente solar como o Brasil não chega a 5 mil o número de telhados captando e gerando energia elétrica com a luz do sol? O líder do Global Strategic Communications Council (GSCC) [2] no Brasil, Delcio Rodrigues, aponta as três maiores barreiras ao desenvolvimento da energia fotovoltaica no País.
[2] Uma rede internacional de facilitação da comunicação em mudança climática
A primeira diz respeito ao custo inicial da instalação. Na energia elétrica convencional que chega pela rede, esse custo está diluído na tarifa do sistema e o consumidor mal o percebe. Para ter energia, o consumidor se responsabiliza apenas pela compra dos fios elétricos da residência. “No caso da solar, e aí está toda a injustiça, por se tratar de geração distribuída (GD) [3], a responsabilidade com o custo inicial [todo o equipamento e a instalação] é do consumidor”, explica Rodrigues. Nem todo mundo tem entre R$ 20 mil e R$ 40 mil para arcar com o custo inicial de instalação que será amortizado somente em 5 ou 6 anos, com a economia na conta de energia elétrica da rede.
[3] Situação em que o consumidor gera a sua própria energia e lhe é permitido injetar o excedente na rede, o que no Brasil foi regulamentado pela Resolução Normativa Aneel nº 482/2012
A segunda barreira está no sistema financeiro brasileiro. Como os juros ao consumidor são elevadíssimos, fica impensável a busca por financiamento no Brasil. Se fossem razoáveis – na Europa encontram-se financiamentos com juro negativo para GD renovável –, a própria economia na conta de luz daria conta da amortização do valor do equipamento e da instalação. No Brasil, com os juros ao consumidor que passam, na melhor das hipóteses, de 30% ao ano, essa conta fica impossível”, lamenta Rodrigues.
A terceira diz respeito à equidade de taxação, que já está em vias de ser suplantada. Havia até pouco tempo uma dupla taxação de ICMS generalizada. O sistema fazia o balanço de quanto o consumidor usou de energia da rede e de quanto injetou de volta, e os governos estaduais cobravam o imposto não apenas pelo fornecimento de energia, mas também pelo recebimento. “O Greenpeace atuou fortemente nessa discussão e conseguiu que o Confaz [Conselho Nacional de Política Fazendária] baixasse uma resolução permitindo aos secretários estaduais da Fazenda eliminar essa duplicidade”, conta Rodrigues. A maioria dos estados já fez os ajustes.
Com barreiras ou sem barreiras, o Brasil segue “engatinhando” quando comparado aos países que já captam a energia do sol com bastante desenvoltura ou cujas metas são muito ambiciosas. Não é só a China que está em ebulição, as fotovoltaicas prometem entrar na Índia com força total. Nas palavras de Carlos Rittl, o governo indiano pretende sair do zero e chegar em 100 gigawatts de capacidade instalada em solar no prazo de oito anos. “Difícil dizer se terá chegado a tanto em um prazo tão curto, mas muito provavelmente terá se aproximado.”
E, junto a isso, a Índia também se comprometeu a não ter mais carros movidos a combustão em 2030. Ou seja, o país pretende promover um boom na indústria de carros elétricos e, para chegar lá, está planejando um novo modelo de crédito ao consumidor: o valor do financiamento corresponderá à diferença entre o preço da gasolina e o da eletricidade consumida pelo veículo, segundo Rittl. Se todos esses planos forem adiante, populações como a de Nova Délhi, considerada hoje a cidade mais poluída do mundo, em breve poderão respirar aliviadas.
Nos EUA, principalmente na Califórnia, a energia solar contribui para baixar a emissão de carbono, além de gerar muitos empregos. “Entre 8 e 12 vezes mais do que a média dos demais setores”, diz o secretário-executivo do OC. Sem falar na facilidade para se instalar painéis fotovoltaicos em qualquer telhado californiano. Basta ir a uma loja de material de construção e energia, alguém avaliará a localização do imóvel, o tamanho do telhado e a capacidade de geração. Os painéis são então instalados sem custo nenhum e a empresa que realiza o serviço comercializará a energia excedente até conseguir amortizar o valor do investimento. “O prossumidor [aquele que é produtor e consumidor ao mesmo tempo] não tira um centavo do bolso”, afirma Carlos Rittl.
Associado a tudo isso, ele lembra que são crescentes também os investimentos em soluções tecnológicas para o armazenamento de energia em escala. Um exemplo é o Powerwall, uma superbateria doméstica que armazena energia produzida por painéis solares durante o dia para ser usada à noite lançada pela empresa americana Tesla.
DE VENTO EM POPA
Durante uma madrugada qualquer do ano passado, a Alemanha experimentou um feito: seu sistema gerador de energia eólica foi a fonte com maior peso na oferta de energia durante alguns instantes. “Foi só por um momento, no meio da madrugada, mas foi muito significativo”, avalia Célio Bermann. O feito alemão é resultado do rápido crescimento dos sistemas de energia eólica no mundo nas últimas duas décadas. Segundo recente relatório do Greenpeace Revolução Energética, as eólicas passaram de 48 gigawatts instalados para 370 GW em 10 anos.
Porém, a fonte eólica não teria sido líder em oferta de energia na Alemanha (o terceiro país com maior capacidade instalada, depois de China e EUA), nem por aquele instante fugaz, se a rede elétrica do país não estivesse totalmente interligada. O consultor em energia Joaquim Carvalho explica que uma eólica sozinha está sujeita a intermitência do vento, mas uma vez interligadas se beneficiam do que ele chama de “efeito portfólio”.
É como se fosse uma carteira de ações da Bolsa de Valores. Uma ação sozinha é volátil, mas um portfólio de ações tem muito menos variação. No entanto, no Brasil, o 10o maior país em energia eólica instalada, só uma ou outra turbina está interligada entre si e na rede. “Falta também um smart grid que permita injetar energia eólica no sistema em benefício da economia de água nos reservatórios das usinas hidrelétricas”, atenta Carvalho.
O caminho a percorrer para integração das várias fontes no sistema elétrico é longo e nada trivial, embora, de acordo com Gilberto Jannuzzi, “não seja impossível”. As fontes intermitentes estão sendo um desafio em todos os países que vêm aumentando escala. O Brasil tem a vantagem de contar com os grandes reservatórios de água das usinas hidrelétricas, que neste caso exercem a função das baterias, isto é, armazenam energia. “Precisamos desenvolver um sistema para guardar toda essa água e só usá-la quando não tiver vento”, explica Jannuzzi. Isso evitaria o acionamento das termelétricas, estas, sim, interligadas às hidrelétricas durante os períodos de seca.
“Temos uma tradição muito conservadora de planejamento e operação do sistema elétrico”, prossegue Jannuzzi. “Precisamos de uma geração de técnicos que desenvolvam sistemas que possam gerenciar essas fontes intermitentes.”
Para acompanhar essa inserção das energias renováveis no Brasil, Célio Bermann afirma ter criado um grupo de pesquisa na USP que recentemente detectou a existência de 240 empreendimentos eólicos parados, cujas obras não foram nem sequer iniciadas, e que representariam algo em torno de 6 mil megawatts de capacidade instalada. Segundo ele, se a situação já não era simples por causa do quadro econômico que vinha provocando retração dos investimentos, piorou depois da troca de governo. As expectativas com relação à alteração das regras dos leilões são desestimuladoras. “O quadro difícil fica pior quando se mudam as regras”.
O Greenpeace também vislumbra dificuldades relacionadas aos leilões de renováveis: “Recentemente, para a contratação de novas usinas eólicas nos leilões, passou a ser exigida a garantia de conexão em linhas de transmissão. Além de ser um entrave para o crescimento da fonte, a medida transfere a responsabilidade e os riscos, que antes eram do setor de transmissão, para o setor de geração”, informa o relatório Revolução Energética.
PLANETA ÁGUA
Enquanto a solar e a eólica vão dando um show em inovações tecnológicas, nesse campo a hidroeletricidade sai de cena. “Trata-se de um montão de água movendo uma turbina, um princípio físico anterior à revolução dos semicondutores”, descreve Ricardo Abramovay. Suas críticas não se concentram tanto nos impactos socioambientais negativos [4] que a instalação de grandes hidrelétricas costumam provocar, mas sim no fato de que energia é um vetor básico de inovações e, no caso da hidroeletricidade, isso não existe. “Na literatura a hidroeletricidade já nem entra mais como energia renovável moderna, por ser uma fonte finita e por não ter esse processo acelerado de inovação que está presente não só no campo das renováveis, mas inclusive no de petróleo e gás.”
[4] Grandes obras como as hidrelétricas, principalmente em regiões sensíveis como a Amazônia, além de exigirem o desmatamento de extensas áreas e alterarem o fluxo dos rios, causam perturbações e sobrecargas de toda ordem no tecido social, podendo prejudicar principalmente os grupos populacionais vulnerabilizados, como indígenas, mulheres e crianças
Jannuzzi calcula que o Brasil não tenha chegado nem a 50% de seu potencial em energia hídrica. No entanto, como a maior parte desse potencial está localizada na Amazônia, e como as reais consequências de alteração do clima e meio ambiente na região são desconhecidas, ele se diz contrário à exploração de novas usinas hidrelétricas. “Isso é um limitante sério, mas temos condições de desenvolver outras fontes”, afirma.
Já José Goldemberg é favorável à expansão do sistema hidrelétrico como meio de evitar o avanço dos fósseis. “O importante é não permitir o retrocesso”, alerta. “Nos últimos tempos, com a crise hídrica, o Brasil produziu 25% da sua eletricidade utilizando combustível fóssil.” Essa experiência mostrou, de acordo com o físico, que o País precisa combinar uma expansão das eólicas e hidrelétricas e interligá-las. Na opinião dele, há um certo exagero nos argumentos sobre os impactos das hidrelétricas na Amazônia: “É possível executar projetos com impactos mínimos”.
O OURO NEGRO
Não é só Ricardo Abramovay ‒ para quem “o poder de mobilização de recursos da indústria fóssil é muito maior do que a euforia com as renováveis deixaria suspeitar” ‒ que vê com uma certa desconfiança as previsões de um desinvestimento maciço em petróleo nas próximas décadas. Seu colega da USP, Célio Bermann, também. Para este, a dependência que o mundo tem do petróleo, principalmente no setor de transportes, é extrema. “A questão da escala é tão significativa que complica a possibilidade de sucesso de programas de substituição por agrocombustíveis [ou biocombustíveis], como etanol ou biodiesel”.
Além disso, é preciso levar em consideração que o preço do barril de petróleo no mercado internacional, que cinco anos atrás estava a US$ 150, caiu a US$ 30 e hoje estabilizou-se em US$ 45. “Esse custo desestimula os investimentos em agrocombustíveis”, afirma.
Questões de mercado à parte, a descoberta do pré-sal brasileiro ajudou a reavivar o simbolismo de que o petróleo representa a solução de todos os problemas do País. A historiadora ambiental Natascha Otoya, que recentemente defendeu dissertação de mestrado sobre o começo da industrialização do petróleo no Brasil, na década de 1930, crê que toda a retórica atual em torno da defesa do pré-sal (em decorrência do projeto de lei proposto pelo ministro das Relações Exteriores, José Serra, que suprime a exigência de presença da Petrobras nas explorações) está muito apegada à velha ideia de que o petróleo é progresso e por causa dele o Brasil será grande.
Na opinião dela, esse sentimento “colou” na sociedade brasileira ainda no primeiro governo Vargas, quando se encontrou o primeiro poço de petróleo no bairro de Lobato, em Salvador, na Bahia. “A exploração do petróleo no Brasil e no mundo teve consequências não antecipadas muito graves e sérias em termos ambientais. Mas seguem sendo percebidas e filtradas por uma ideologia de progresso”, diz.
Para saber mais:
- The World After the Paris Climate Agreement of December 2015
- G20 Green Finance Study Group
- Grandes seguradoras exortam líderes do G20 a eliminar os subsídios aos combustíveis fósseis
- Chineses querem mais energia renovável (custe o que custar)