Em geral, recessões econômicas implicam em redução no ritmo do desmatamento, que acompanha a desaceleração das atividades econômicas. No último ano, vivemos uma exceção à regra: mesmo com a crise da economia brasileira em 2015, as emissões nacionais de gases de efeito estufa (GEE) aumentaram no ano passado, consolidando um quadro de estagnação do esforço de redução de emissões do país.
De acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões de GEE (SEEG) do Observatório do Clima, em levantamento publicado hoje (26/10), as emissões brutas de GEE do Brasil cresceram 3,5% em 2015 em comparação com o ano anterior – de 1,861 bilhão de toneladas de CO2 equivalente (soma de todos os GEE convertidos em dióxido de carbono) para 1,927 bilhão.
Um fator importante para explicar o aumento das emissões em meio a um cenário econômico recessivo é o aumento no ritmo do desmatamento no Brasil em 2015, particularmente no bioma amazônico. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) confirmou em setembro passado que a taxa de desmatamento na Amazônia avançou 25% entre 2014 e 2015. Pelos dados do SEEG, esse aumento no desmatamento se refletiu nas emissões relacionadas a mudança no uso da terra e florestas no mesmo período, que avançaram 12%.
O crescimento nas emissões totais de GEE sinalizam que o esforço brasileiro de redução de emissões está estagnando nos últimos anos. De 2005 a 2015, as emissões brasileiras caíram 39% – no entanto, a redução está totalmente concentrada no período entre 2005 e 2010. Ou seja, o cenário do ano passado é praticamente o mesmo de seis anos atrás em termos de emissões totais de GEE.
“Os dados mostram que o Brasil teve um período singular de queda de 2005 a 2010 e, desde então, estamos patinando, com emissões totais estabilizadas há seis anos e com forte aumento no setor de energia”, aponta Tasso Azevedo, coordenador do SEEG e responsável pela metodologia de contabilização de emissões do sistema.
Os resultados mistos dos últimos anos se devem aos tropeços no combate ao desmatamento nos últimos anos e ao fato de que as emissões de outros setores importantes, como agropecuária e energia, terem crescido de maneira constante. “Se desconsiderarmos o setor de mudança no uso da terra e floresta, as emissões brasileiras de GEE cresceram 24% nos últimos dez anos, o que coloca a trajetória das emissões do Brasil numa situação bastante similar a de outros países em desenvolvimento no mesmo período”, explica Azevedo.
Ainda assim, se o cenário atual for mantido até 2020, o Brasil terá condições plenas de atingir as metas de redução de emissões estabelecidas pela Política Nacional de Mudança do Clima de 2009 – entre 36,1% e 38,9% das emissões projetadas até 2020 com base nas emissões de 2005. No entanto, considerando que as reduções de emissões no Brasil se concentraram no setor de mudança no uso da terra e florestas na última década, é pouco provável que o país consiga cumprir outros compromissos setoriais de redução de emissões nos próximos cinco anos.
Porém, com os números negativos no combate ao desmatamento e a tendência persistente de crescimento das emissões em outros setores, o Brasil pode chegar a 2020, o ano em que o Acordo de Paris começa a funcionar plenamente, numa situação bastante desagradável. “Nos países desenvolvidos e até mesmo em países em desenvolvimento como a China, nós começamos a ver um descolamento entre PIB e emissões: a economia cresce com emissões estáveis ou em queda. No Brasil, isso não acontece. É preocupante, porque rumamos para 2020 com emissões em alta e não numa trajetória consistente de redução”, argumenta André Ferretti, coordenador-geral do Observatório do Clima.
À véspera de mais uma Conferência do Clima, agora em Marrakech (Marrocos), os dados do SEEG deixam claro o tamanho do desafio do Brasil na implementação de seus compromissos no âmbito do Acordo de Paris – que entra formalmente em vigor no próximo dia 04.
“Os incentivos para a agricultura de baixo carbono ainda são pequenos quando comparados com a totalidade do setor agropecuário. Em energia, o planejamento estratégico para os próximos anos ainda prevê investimentos em fontes fósseis de energia, particularmente o pré-sal. E, agora, temos o desmatamento voltando com força, à despeito da crise econômica”, aponta Carlos Rittl, secretário-geral do Observatório do Clima. “Tirar o Acordo de Paris do papel exige mudar drasticamente o rumo do nosso desenvolvimento, mas não é o que estamos vendo acontecer. As emissões de energia caíram, mas o risco de elas voltarem a subir rapidamente quando o país sair da recessão é enorme, dada a aposta nos combustíveis fósseis que dominam os investimentos no setor – com o Congresso ainda por cima embarcando no ‘trem da alegria’ do carvão’, como se quisesse que o país voltasse ao século XIX”.
Os dados do SEEG 2015 podem ser encontrados aqui.
Panorama das emissões brasileiras
- Do total, 46% das emissões brutas concentram-se no setor de mudança no uso da terra e florestas, seguido pelos setores de energia (24%), agropecuária (22%), processos industriais (5%), e resíduos (3%).
- Dentre as atividades econômicas, a agropecuária é a mais representativa no geral, com 69% das emissões totais do Brasil.
- Pará e Mato Grosso são os estados brasileiros que mais emitem GEE, seguidos por Minas Gerais e São Paulo. No entanto, se desconsiderarmos o setor de mudança no uso da terra e florestas, os estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul tornam-se os maiores emissores do Brasil.
- Dos cinco setores analisados pelo SEEG, apenas um apresentou queda em suas emissões no ano passado: o setor de energia. Dois fatores explicam essa redução: a desaceleração econômica (que reduziu a demanda por eletricidade) e o aumento da participação de fontes renováveis de energia, particularmente em atividades relacionadas ao transporte de passageiros, com aumento no consumo de etanol.