Abordagem sistêmica dos impactos ambientais causados pela geração de energia elétrica traria subsídios para um planejamento energético brasileiro mais eficiente
Com a crescente participação de usinas termelétricas movidas a combustível fóssil na matriz elétrica brasileira ao longo dos últimos anos, o grid do País vem mostrando piora constante em seu perfil de impactos ambientais. A contribuição deste artigo é mostrar com mais detalhes e de forma mais abrangente que impactos são esses e como deveriam ser levados em conta no planejamento energético brasileiro.
Os mecanismos utilizados pelo governo para planejamento energético não costumam levar em consideração critérios ambientais em seus processos de tomada de decisão. Quando isso ocorre, são levados em conta impactos relacionados quase exclusivamente à mudança do clima e apenas de forma indicativa, ou seja, restrita à quantificação de emissões para efeito de planejamento estratégico.
O Plano Decenal de Expansão de Energia 2023 [1] é o principal instrumento para gestão do setor no futuro. Em termos ambientais, considera as fontes renováveis como importante alternativa de baixo impacto ambiental – sem no entanto fazer análises mais específicas de desempenho –, além de estimar emissões de gases de efeito estufa a partir das diretrizes estabelecidas. Outro documento de referência na área é o Plano Nacional de Energia 2050 [2], cujo enfoque ambiental está restrito também à mudança climática, com breve referência a efeitos da radiação gerada pela fonte nuclear.
O estudo que embasa este artigo e pode ser acessado aqui na íntegra, em inglês) avalia o desempenho ambiental do grid elétrico brasileiro não só em termos de mudança do clima, mas também considerando outras categorias importantes de impacto ambiental, como consumo primário de energia, eutrofização de água doce, acidificação do solo, ocupação de terras pela agricultura e transformação de áreas naturais [3]. Além disso, compara as emissões de CO2 publicadas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) – que considera apenas a etapa de queima dos combustíveis fósseis – com as emissões estimadas dentro do Pensamento do Ciclo de Vida (saiba mais sobre ciclo de vida neste vídeo).
O estudo considerou todas as etapas do ciclo de vida para as diferentes formas de geração de eletricidade que constituem a matriz brasileira. O fluxo de referência adotado foi de 1 MWh de energia elétrica gerada. A cobertura geográfica abrange a eletricidade disponível para uso no Brasil, gerada no País ou adquirida via importação. O período analisa foi de 2006-2013 para coincidir com o horizonte de medições do MCTI.
Os resultados mostram um aumento do impacto ambiental em quase todas as categorias analisadas. Em eutrofização, o impacto em 2009 era de apenas 46% quando comparado a 2013; em acidificação do solo, as emissões em 2009 eram 53% das emissões de 2013. As emissões publicadas pelo MCTI são subdimensionadas quando comparadas com as medições efetuadas de acordo com a lógica do Pensamento do Ciclo de Vida. No entanto, os resultados gerados em ambos os casos são bastante harmônicos em termos de tendências de variação. Conclui-se que uma abordagem sistêmica dos impactos ambientais causados pela geração de energia elétrica traria mais subsídios para um planejamento energético mais eficiente.
Ao que tudo indica, a tendência de aumento da participação de termoelétricas deve se confirmar. O ano de 2014 apresentou o maior valor registrado na série histórica, atingindo 135 kg de CO2/MWh, seguido por 2015 com um fator médio anual de 124 kg de CO2/MWh. Estudos mais aprofundados sobre o tema devem ser realizados para suportar ações de planejamento voltadas à redução de impactos ambientais e econômicos inerentes ao setor energético.
*Pesquisador do projeto Ciclo de Vida Aplicado (CiViA) do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV-Eaesp
**Professor do departamento de Engenharia Química da Escola Politécnica da USP
[1] Ministério de Minas e Energia, Plano Decenal de Expansão de Energia 2023, Brasília (2014).
[2] Ministério de Minas e Energia e Empresa de Pesquisa Energética, Demanda de Energia 2050, Série Estudos da Demanda de Energia, Rio de Janeiro (2014).
[3] O estudo foi apresentado no Second Discussion Forum on Industrial Ecology and Life-Cycle Management, realizado em 2015 em Coimbra, Portugal