A Pecsa une fundo de investimentos, produtores rurais e tecnologia, recupera pastagens degradadas na Amazônia, aumenta a produção e reduz emissões
A pecuária é líder da emissão de gases de efeito estufa no Brasil. Em 2015, a atividade gerou 361,9 milhões de toneladas de carbono, quantidade mais de três vezes superior à do segundo colocado, o transporte de carga, conforme dados do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg), do Observatório do Clima. O desafio de reduzir seus impactos e mudar a imagem de vilã, produzindo melhor em áreas já desmatadas sem necessidade de derrubar mais árvores, tem inspirado vários experimentos de campo para se chegar a novos modelos, como o desenvolvido pelo Instituto Centro de Vida (ICV) – ONG situada em Alta Floresta, em Mato Grosso, uma das regiões de maior concentração de áreas degradadas [1] na Amazônia.
[1] Em Mato Grosso, há mais de 20 milhões de hectares de terras degradadas pela pecuária que demandam soluções em larga escala
Naquele município e seu entorno há cerca de 2 milhões de hectares – extensão maior que as regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro juntas – com pastagem em estado de degradação. Após mapear a realidade da pecuária local, por meio de trabalhos de pesquisa e assistência técnica intensificados em 2010, a instituição decidiu partir para algo mais efetivo e ambicioso, capaz de demonstrar aos produtores rurais que a mudança para um novo padrão de menor impacto é possível e rentável.
Nos moldes tradicionais, a criação extensiva de gado é refém de práticas arcaicas, com ampla área de solos já expostos, baixa produtividade e desmatamento, não condizentes com o crescimento do rebanho projetado para atender a mercados mais exigentes quanto aos atributos socioambientais.
Parceria com produtores
“A solução estava em resolver tanto a questão ambiental como a econômica, por meio de um modelo de boas práticas que pudesse ser replicado”, afirma Laurent Micol, especialista que começou a enfrentar o desafio como integrante da equipe do ICV, juntamente com Vando Telles, que posteriormente se tornou o diretor-executivo da Pecsa. Eles estruturaram um projeto piloto com dez fazendas parceiras para a adoção de novos métodos produtivos e a medição de custos e resultados. Entre 2012 e 2014, a iniciativa construiu “módulos de produção sustentável” de 30 hectares em cada propriedade, onde foi aferida a viabilidade econômica da adequação ambiental, com recuperação de passivos por meio de reflorestamento. Em paralelo, foram adotadas medidas relativas à nutrição do gado e ao manejo da pastagem.
“Os resultados mostraram-se bastante favoráveis, com aumento da produtividade por hectare em seis vezes”, atesta Micol, hoje diretor de governança e investimentos da Pecuária Sustentável da Amazônia (Pecsa), empresa criada em 2015 para captar capital de risco e dar escala comercial ao projeto.
Dessa forma, foram obtidos 1,5 milhão de euros do Althelia Climate Fund [2], com o objetivo de dobrar o número de propriedades rurais parceiras, ampliando para 10 mil hectares a área de pecuária a ser submetida a processos de baixo impacto com aumento da produtividade. “Foi necessário estabelecer perfil jurídico de empresa, porque o fundo tem fins lucrativos para remuneração dos investidores”, explica o diretor. Hoje existem 8,5 mil hectares sob contrato, estando 3 mil hectares em produção, com um total de 6 mil cabeças. O plano é atingir entre 35 mil e 40 mil animais a partir de março de 2017, quando termina a atual fase do projeto.
[2] Fundo europeu, sediado em Londres, voltado para projetos que reduzam o desmatamento, atenuem as alterações climáticas, protejam a biodiversidade e melhorem a qualidade de vida em comunidades rurais, com retorno financeiro aos investidores
O modelo de negócio da Pecsa baseia-se na parceria com produtores rurais que fornecem a terra degradada e uma parte do rebanho por um período de seis a oito anos. A área e a produção passam a ser gerenciadas pela empresa, que repassa ao fazendeiro em média 10% da receita com a recria, engorda e venda de gado, mantido com técnicas adequadas para recuperação do solo e manejo rotacionado [3] de pastagens.
[3] As áreas são divididas em módulos, submetidos a períodos alternados de pastejo e descanso, permitindo maior controle e qualidade do solo
O aumento da eficiência e da produtividade gera resultados financeiros que, segundo Micol, cobrem facilmente os custos da adequação às leis ambientais. O retorno do investimento inicial se dá em cerca três anos. Ao final do contrato de parceria, o proprietário recebe a área de volta, já dentro de padrões altamente produtivos e com mão de obra capacitada para seguir adiante sem necessidade de desmatar para aumentar a produção.
Em seu primeiro ano de vida, entre outubro de 2015 e setembro de 2016, a Pecsa teve faturamento de R$ 5,5 milhões. A partir de agora, uma vez confirmado o bom resultado do modelo comercial, a estratégia é buscar novos investimentos para abranger áreas cada vez maiores em Mato Grosso e, futuramente, em outras regiões da Amazônia. O apelo climático impulsiona o processo: o método produtivo implantado pela empresa reduz as emissões de gases de efeito estufa em cerca de 40% por hectare e em mais de 90% por quilo de carne produzida.
“A inovação tem base no modelo que junta acesso a recursos financeiros, parcerias com pecuaristas e capacitação técnica”, ressalta Micol, ao lembrar que a iniciativa tem atraído o interesse de grandes grupos expostos a pressões de mercado por credenciais ambientais. É o caso da rede McDonald’s, que compra carne processada no JBS, frigorífico abastecido pelas fazendas do projeto. “Foi um ano e meio de discussão e auditorias, porque o grupo já tinha uma política de não comprar carne da Amazônia, devido ao desmatamento”, conta o diretor. Um sinal claro de que a garantia de origem é um atributo cada vez mais fundamental no setor.
Pecuária Sustentável da Amazônia
www.pecsa.com.br/pt
Microempresa
Setor: Pecuária
Faturamento em 2015: R$ 51 mil (em operação desde outubro de 2015)
Funcionários: 54
Fundação: 2015
Principais clientes: Diretos (frigoríficos): JBS e Frigobom. Indiretos (empresas de distribuição e food service): Arcos Dorados/McDonald’s e Norvida.
O que faz: Parcerias com produtores rurais na Amazônia que buscam recuperar suas áreas degradadas visando também uma melhor gestão por meio de práticas de menor impacto e maior produtividade, com atuação na Amazônia.
Inovação para a sustentabilidade: Oferece um novo modelo de gestão a produtores rurais que une acesso a fundo de investimentos e capacitação técnica para aumentar a criação de gado sem derrubar mais áreas de floresta. O negócio baseia-se em métodos de recuperação e manejo de pastagens. A empresa garante a rastreabilidade do gado conforme exigência do mercado europeu. Entre os diferenciais estão o maior volume de água para hidratação dos animais e a substituição de componentes químicos por naturais na ração. Como resultado, a empresa reduziu as emissões de gases de efeito estufa em cerca de 40% por hectare.
Potencial: No início de 2017 a empresa iniciará a fase de expansão, abrangendo áreas maiores de Mato Grosso e de outras regiões da Amazônia. O fundo investidor planeja captar de 100 milhões a 200 milhões de euros até 2020 para investir na Pecsa.
Destaques da gestão: Adota política de desmatamento zero. Os contratos são firmados somente com propriedades não envolvidas com desmatamento recente (2008). A madeira dos cercados é substituída por plástico reciclado. A atividade da empresa gerou 50 postos de trabalho diretos na região do município de Alta Floresta, além da formalização de dez pequenos negócios. A geração de renda do projeto na atual fase é de cerca de R$ 200 milhões ao longo de sete anos, o que representa R$ 5 para cada R$ 1 investido.