No território do machismo, fortalecer os movimentos de mulheres pode revolucionar a educação, a segurança, a alimentação, a democracia e a participação do jovem e da criança
A palavra Amazônia, derivada de “amazona”, “mulher guerreira”, de origem grega, deveria significar “o lugar da Mulher”, mas é o território do machismo. Muitos discursam sobre sustentabilidade, mas desconsideram que é imperativo o equilíbrio entre homens e mulheres em tudo.
No comando da economia da Amazônia brasileira, o domínio é dos homens. Até mesmo setores que se apresentam como modernos – palma (dendê), silvicultura e mineração – estão longe do razoável equilíbrio entre mulheres e homens. Setores tradicionais, motores da destruição ambiental e injustiça social, são campeões da violência e do machismo – em destaque, a pecuária, o setor madeireiro e o garimpo.
As representações empresariais e sindicais, em boa parte, são compreendidas como cargos vitalícios e meios de vida, verdadeiros Clubes do Bolinha. Ao mesmo tempo, a Mulher exerce papel relevante na força de trabalho, e muitas vezes nem sequer é remunerada. Há um processo sistemático de invisibilidade que encobre seu envolvimento em atividades culturalmente instituídas (pelos homens) como masculinas.
A Mulher sofre com a invisibilidade na política. Se a participação feminina no nível federal é limitada (o País ocupa o lugar de número 154 entre os 190 do ranking mundial da União Interparlamentar, com 10,7% de mulheres na Câmara dos Deputados e 14,8% no Senado), o isolamento geográfico, a falta de informação, a distribuição desigual de poder e renda e a persistência estrutural do machismo tornam a representação na Amazônia ainda mais difícil.
A situação torna-se ainda mais desafiadora para ribeirinhas, trabalhadoras rurais, indígenas e quilombolas. A elas negam-se sistematicamente voz e inserção em projetos socioeconômicos. São preteridas tanto nas discussões locais como naquelas sobre as políticas públicas. Não é de admirar a baixa prioridade para a agenda de combate a fatores de opressão e submissão das mulheres, a desvalorização de seu papel produtivo, a remuneração desigual e o ônus com a dupla jornada de trabalho (externo e doméstico), resultando em índices altíssimos de maternidade precoce, doenças sexualmente transmissíveis, abortos ilegais e inseguros, evasão escolar, abandono de famílias por parte do pai, violência doméstica etc.
As grandes obras têm entre suas vítimas principais a Mulher – é ela quem sofre as consequências dos enormes e “selvagens” contingentes masculinos. Mesmo um município que se propala modelo da sustentabilidade, como Paragominas (PA), foi considerado o pior do Brasil para a Mulher. Em 2010, a taxa de feminicídio foi de 24,7 em 100 mil mulheres, enquanto a nacional era cinco vezes menor, de 4,6 (Mapa da Violência, 2012, pág. 14).
Nesse cenário nascem lugares de ressignificação e resistência, como o Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém (MMIB), pequena organização local da Ilha de Cotijuba, no Pará, que atua há mais de 15 anos, de forma democrática e participativa, em diversas frentes. Essas mulheres se juntaram para ter voz, espaço e maior controle sobre as decisões que impactam suas vidas.
Nos últimos anos, a organização avançou em iniciativas de geração de renda local, ao oferecer oportunidades para a inclusão digital, o fortalecimento da cultura e a organização social, visando sempre maior participação feminina em processos de tomada de decisão, treino profissional e emancipação econômica. Há homens no grupo, mas somente elas ocupam cargos de gestão. Com tal iniciativa, relatam que já sentem redução do machismo sofrido em suas casas e maior diálogo com seus parceiros – algo significativo, dado que alguns deles barravam a participação de suas esposas no Movimento.
Apesar das dificuldades, essas mulheres se reconhecem como agentes de direitos e enfrentam a lógica opressiva do patriarcado, apropriando-se de conhecimento técnico, capital político e social, e fazendo-se ouvir.
Mais que conquistas materiais, a voz dessas mulheres traz novas agendas. Em um projeto proposto pela Philips – Ilumine seu Jogo – às ONGs Ideaas e Instituto Peabiru, oferecendo iluminação solar a espaços públicos, o MMIB decidiu, com imensa generosidade, compartilhar o conjunto de postes iluminados em um espaço eminentemente masculino – o campinho de um dos times de futebol local, o Grêmio. O Movimento propôs que seria muito importante oferecer local para a terceira idade praticar tai chi chuan à noite, abraçando as diferentes questões de gênero, em prol de relações mais equilibradas.
Movimentos como este nos permitem compreender que só haverá sustentabilidade na Amazônia quando a Mulher for incluída na conversa em pé de igualdade. A melhor maneira para essa inclusão ser definitiva, justa e ocorrer de baixo para cima é fortalecer os movimentos de mulheres. Estes podem revolucionar a educação, a segurança, a alimentação, a democracia, a participação do jovem e da criança, ou seja, as questões essenciais da vida, que a Mulher toma para si.
* Escritor e empreendedor social, é diretor do Instituto Peabiru
** Pesquisadora do GVces
*** Voluntária do Instituto Peabiru