As disparidades socioespaciais, ao separar fisicamente os grupos sociais e produzir diferentes estruturas de oportunidades na educação, reforçam as iniquidades
As desigualdades educacionais das grandes metrópoles estão, comumente, associadas a suas desigualdades socioespaciais. O que sabemos, a esse respeito, sobre o caso paulistano?
Os pesquisadores Graziela Perosa, Frédéric Lebaron e Cristiane Leite demonstram que, nas regiões mais periféricas e mais pobres da cidade, com taxas baixas de conclusão do Ensino Médio, praticamente a totalidade das matrículas na Educação Básica distribui-se pelas escolas públicas.
PEROSA, G. S.; LEBARON, F.; LEITE, C. K. S. O espaço das desigualdades educativas no município de São Paulo. Pro-Posições, Campinas, v. 26, n. 2 (77), p. 99-118, maio/ago. 2015.
Por sua vez, nas regiões mais ricas, onde há os maiores percentuais de diplomados no Ensino Superior, as matrículas concentram-se em escolas privadas, e muitas delas são as que possibilitam o acesso às carreiras mais valorizadas do Ensino Superior. Entre esses extremos, nos grupos médios, nos quais predomina como maior diploma o Ensino Médio, verifica-se tanto a demanda por escolas privadas de menor custo como a procura por instituições públicas de reconhecida qualidade.
Essas instituições públicas de melhor qualidade, contudo, são distribuídas desigualmente na cidade. Segundo Haroldo Torres, Renata Bichir, Sandra Gomes e Thais Regina Carpim, a oferta de educação pública regular é mais precária nas periferias do que nas áreas centrais. O autor deste artigo e Antônio Augusto Batista, investigando as desigualdades educacionais existentes no interior de uma subprefeitura da Zona Leste da cidade, mostram que, nessa região, quanto mais rico é um microterritório, melhores costumam ser os indicadores educacionais de suas escolas.
TORRES, H. G.; BICHIR, R. M.; GOMES, S.; CARPIM, T. R. P. “Educação na periferia de São Paulo: Ou como pensar as desigualdades educacionais.” In: RIBEIRO, L. C. Q.; KAZTMAN, R. (Orgs.). A Cidade contra a Escola? Segregação urbana e desigualdades educacionais em grandes cidades da América Latina. Rio de Janeiro: Letra Capital; Montevidéu: Ippes, 2008. p. 59-90.
ERNICA, M.; BATISTA, A. A. G. “A escola, a metrópole e a vizinhança vulnerável.” Cadernos de Pesquisa. Fundação Carlos Chagas: São Paulo, v. 42, n. 146, p. 640-666, maio/ago. 2012.
Esses dois últimos trabalhos convergem ainda em outro importante resultado. Torres, Bichir, Gomes e Carpim verificaram a persistência de desigualdades educacionais entre indivíduos residentes em regiões diferentes da cidade, porém com características sociais similares, tais como renda familiar, escolaridade dos pais, sexo e etnia. Eu e Batista sustentamos que, a uma mesma faixa de renda familiar e a um mesmo nível de escolarização dos pais, alunos que estudam em escolas localizadas em territórios com diferentes níveis de riqueza costumam ter desempenhos escolares distintos. Assim, enquanto alunos mais pobres alcançam níveis melhores que seus semelhantes quando estudam nas escolas mais centrais e mais ricas, alunos mais ricos têm resultados mais baixos que seus pares quando estudam nas escolas mais periféricas e mais pobres.
Temos evidências, portanto, de que as desigualdades socioespaciais, ao separarem fisicamente os grupos sociais e ao produzirem estruturas de oportunidades educacionais muito desiguais para os habitantes das diferentes regiões, terminam por produzir trajetórias educacionais desiguais para os diferentes grupos, contribuindo para a reprodução de desigualdades sociais.
Muito embora se deva reconhecer a força desses mecanismos, há consequências políticas do fato de indivíduos com características sociais semelhantes terem resultados escolares diferentes, associados a características do território em que se localiza a escola em que estudam. Isso nos convida a pensar que o sistema escolar não é um canal neutro de conversão de desigualdades sociais em desigualdades educacionais. Ao contrário, o sistema escolar possui relativa autonomia. Em sua configuração observável, cumpre papel ativo na produção dessas desigualdades, antes de mais nada porque distribui oportunidades educacionais desigualmente, favorecendo os grupos mais ricos e escolarizados da cidade, habitantes das regiões mais privilegiadas, e desfavorecendo, em relação a estes, todos os demais grupos, porém mais agudamente a população mais pobre e menos escolarizada, habitante das periferias.
Espera-se do sistema escolar, contudo, que atue para reduzir desigualdades. Para tanto, é urgente que se altere a lógica de distribuição dos recursos educacionais, destinando-se mais e melhores recursos para as regiões mais pobres. Porém, não de modo a se produzir a distribuição igual desses recursos. Há mais de meio século sabe-se que, sob a aparente igualdade de oferta, a lógica escolar favorece estudantes de famílias mais escolarizadas e com práticas culturais de maior legitimidade, sobretudo as não escolares. Por isso, universalizar a escola que pressupõe os grupos médios e as elites escolarizadas realimentaria, de outro modo, mecanismos de reprodução de desigualdades.
Nos territórios mais pobres, é preciso políticas específicas. Neles, a política educacional não pode estar separada de outras políticas sociais, a começar por aquelas capazes de assegurar, duradouramente, condições mínimas de subsistência, para que as famílias possam liberar tempo e energia para essa atividade que requer esforços contínuos, cotidianos e de longo prazo, que é a escolarização.
*Professor da Faculdade de Educação da Unicamp