A quebra do ciclo da pobreza só será possível se a qualidade na gestão e a descentralização econômica andarem juntas
Há um certo consenso no Brasil sobre os avanços gerados por políticas públicas promovidas com relativa continuidade e coerência nos últimos 20 anos. Os melhores resultados podem ser vistos na educação, na saúde e no combate à pobreza, por meio da transferência direta de renda. Ao atingir parte dos objetivos quantitativos propostos, é preciso, então, que as políticas sejam ajustadas agregando novas metas de qualidade e eficiência. Podemos dizer que a boa política pública é aquela que tem data para mudar de fase ou ser substituída.
No caso da educação, merecem destaque indicadores quantitativos do Ensino Fundamental e Médio. Em 2016, foi a primeira vez na história que mais de 50% dos jovens completam o ciclo básico na idade correta. Já em relação aos alunos matriculados no Ensino Superior, o número passou de 2,7 milhões em 2000 para 7,8 milhões em 2015.
Em saúde, o avanço foi igualmente relevante. A expectativa de vida do brasileiro saltou de 69 anos em 2000 para 75,5 anos em 2015. Como resultado de massivas campanhas de vacinação, doenças como paralisia infantil e tuberculose foram eliminadas quase por completo.
Iniciada nos anos 1990 e ampliada na década de 2000, as várias versões de políticas de transferência direta de renda foram responsáveis por tirar da miséria mais de 25 milhões de pessoas e por praticamente erradicar a pobreza extrema no País. Com esses resultados, é difícil não reconhecer o sucesso da iniciativa, tanto do ponto de vista social como do econômico.
As políticas citadas precisam ser alteradas justamente porque atingiram seus objetivos, ou parte significativa deles, sendo a próxima etapa a passagem de metas quantitativas para metas qualitativas. Mas o que parece ser apenas uma diferença semântica exige uma revolução do ponto de vista de estratégia e de instrumentos.
A fase quantitativa é marcada pelo papel central empenhado pelo governo federal, pelo predomínio de estratégias horizontais e semelhantes para todo o País, pela garantia de recursos e pela articulação entre uma elite de gestores públicos com acadêmicos e ONGs para garantir apoio e certa blindagem de suas estratégias.
Para atingir metas qualitativas de eficiência, o engajamento das demais unidades da federação passa a ser crucial, assim como a capacidade de definir estratégias adequadas a cada região ou cidade. O que marca essa fase 2.0 de políticas sociais é a necessidade de empoderar os gestores locais que, apesar de terem profundo conhecimento da realidade da região, ainda dependem enormemente de recursos e decisões federais.
Ainda que o desafio sozinho seja enorme, o esforço será em vão se não houver políticas que garantam a geração de oportunidades econômicas compatíveis com as demandas regionais. Políticas com foco em promoção de empregos, renda e espaços para novos negócios são fundamentais para que a região periférica não perca as externalidades positivas para outras regiões mais desenvolvidas. Nesse cenário, jovens bem qualificados mudam-se para bairros ou cidades com melhores oportunidades de trabalho e onde os serviços sociais superam os da sua região de origem. O que mina o desenvolvimento das periferias, portanto, não é apenas a pobreza e a precariedade dos serviços sociais, mas a falta de dinamismo econômico.
Para superar esse obstáculo, é preciso também descentralizar parte dos instrumentos de fomento, que hoje são basicamente federais e voltados para políticas horizontais, além de garantir a capacitação de gestores municipais e/ou metropolitanos. Levar infraestrutura física e digital, criar escolas técnicas e cursos profissionalizantes atrelados a áreas com clusters de serviços especializados são algumas das ações possíveis, em particular nas regiões metropolitanas periféricas.
Um exemplo internacional tem sido a criação de fundos de investimentos cogeridos por entidades subnacionais e agentes de mercado. O estado de New Jersey, nos Estados Unidos, foi bem-sucedido em medidas para atrair investimento de indústrias de biotecnologia com ações dessa natureza.
Há uma falsa ideia de que o único fator de intervenção no desenvolvimento econômico urbano é o mercado imobiliário. Na realidade, são fenômenos muito mais amplos e potentes. O que mais segrega espacialmente ricos e pobres é a diferença de dinamismo econômico e oportunidades entre as regiões. Portanto, faz mais sentido tratar o mercado imobiliário como epifenômeno, ou seja, um efeito indireto e consequente.
Os gestores públicos estaduais e municipais devem estar atentos e capacitados para desenhar políticas públicas que atenuem essa dinâmica. Em países capitalistas, onde a lógica do mercado é a base da economia, são políticas de fomento de oportunidades econômicas descentralizadas que melhor respondem a esse desafio, e elas devem ser parte das políticas sociais 2.0.
* Economista, doutor em Ciência Política e sócio-diretor da Prospectiva Consultoria