Associação de pecuária orgânica no Pantanal aguarda conhecimento científico produzido no Brasil sobre gestão de emissões. Uma contribuição poderá vir da iniciativa Pegada de Carbono da Carne Bovina Brasileira
No bioma mais bem conservado do Brasil, com 82% de sua planície preservada, pecuaristas, gado e cerca de 4.700 espécies de plantas e bichos convivem na paisagem natural cadenciada pelas estações da seca e da cheia.
De certa forma, a pecuária ajuda a conservar o Pantanal, pois abriga uma atividade produtiva que depende de um ambiente bem conservado para ser rentável. Se desmatado, o bioma perde as características que fazem o gado pantaneiro – que se alimenta de 12 tipos diferentes de gramíneas naturais da região – se destacar dos demais. O Pantanal, como se diz, é um “pasto” pronto.
Há 250 anos, a pecuária tradicional adaptou-se a esse hábitat selvagem desde que, reza a lenda, alguns animais escaparam para a natureza na época da colonização espanhola. A novidade recente é que há um esforço conjunto de aprimorar as boas práticas produtivas e colar à região a marca do “Pantanal Sustentável” como atributo de diferenciação nos mercados interno e externo.
Quem protagonizam esse movimento são a Associação Brasileira de Pecuária Orgânica (ABPO) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), com apoio do WWF-Brasil, segundo o qual a pecuária certificada é uma alternativa de produção sustentável e economicamente viável. Em 3 de outubro, foi assinado o Protocolo de Carne Sustentável da ABPO, um programa composto de indicadores econômicos, sociais e ambientais que melhoram as práticas de produção.
Os produtores que aderirem ao protocolo terão acesso a uma ferramenta elaborada pela Embrapa, voltada para medir o grau de sustentabilidade do produto. Outra parceira nesta iniciativa é a Korin, a principal distribuidora no mercado nacional da carne certificada da associação, que pode ser identificada com o selo “Carne Sustentável da ABPO”.
As boas práticas do protocolo incluem ações como ajuste de lotação de pastagens para evitar a compactação e perda de nutrientes do solo, não utilização de produtos químicos, valorização do trabalhador, proteção de recursos hídricos, bem-estar animal, recuperação de áreas degradadas e rastreabilidade do produto, entre outros.
Embora a Embrapa esteja trabalhando em modelagens para carne carbono neutro, como anunciado nesta reportagem de Página22, os indicadores do protocolo não abarcam ainda a gestão de carbono, com monitoramento e controle das emissões – um tema bastante sensível para a pecuária. Assim, seria possível falar em “carne sustentável”? A pegada de carbono é uma informação importante quando se toca no termo “sustentabilidade”.
Pode ser que a criação do gado do Pantanal tenha emissões baixas, neutras, ou até que sequestre carbono, pois se dá sob condições bem mais amigáveis, em termos ambientais, do que na Amazônia ou no Cerrado. Mas, para saber com precisão, é necessário monitorar, relatar e verificar as emissões.
“Assim que tivermos onde obter essas informações, certamente vamos considerá-las. Mas dependemos da produção científica desse conhecimento no Brasil para a carne bovina, uma vez que não podemos aceitar informações sobre emissões da pecuária que vêm da Europa, onde as condições de criação são muito diferentes da nossa ”, diz Leonardo Leite de Barros, presidente da ABPO.
A ABPO, que conta com 15 produtores, possui rebanho de 80 mil animais dentro dos programas de certificação sustentável e certificação orgânica, com abate semanal de 200 animais.
O Protocolo está depositado na Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) é fiscalizado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e auditado pelo Instituto Biodinâmico (IBD). Para conhecer a íntegra do protocolo, clique aqui.
ACV da carne bovina brasileira
Uma contribuição para o conhecimento sobre pegada de carbono poderá vir da aplicação da técnica de Avaliação de Ciclo de Vida (ACV), uma iniciativa do Centro do Estudos em Sustentabilidade da FGV-Eaesp (GVces). O projeto, intitulado Pegada de Carbono da Carne Bovina Brasileira, propõe abordagem interdisciplinar e multi-stakeholder para medir a pegada de alguns cortes de carne bovina, relacionando os atributos ambientais com o potencial ganho de competitividade deste produto brasileiro no exterior.
Anunciado este ano, o projeto pauta-se em demandas recentes de mercados internacionais por informações ambientais, como o The Single Market for Green Products Initiative, da União Europeia. Essa iniciativa recomenda o uso da ACV para mensurar a performance ambiental de produtos e prevê o desenvolvimento de regras setoriais e padrões para a comunicação desses aspectos.
É possível que essa iniciativa se torne mandatória após 2020 para alguns produtos, entre os quais a carne bovina, constituindo-se uma barreira não tarifária de importação. Nesse contexto. considera-se também o programa voluntário para o desenvolvimento de padrões para a Declaração Ambiental de Produtos (DAP), que está sendo implementada no Brasil pelo Inmetro.
Alguns dos objetivos da Pegada de Carbono da Carne Bovina Brasileira são contribuir para a compreensão de cadeias e setores produtivos brasileiros com potencial de ganho de competitividade na exportação para a Europa; disseminar e promover a ferramenta no setor empresarial brasileiro, capacitando os gestores ; aplicar a ferramenta de ACV em um caso-piloto, quantificando a pegada de carbono de cortes da carne bovina exportados; e disseminar os resultados do caso-piloto.