O eucalipto acaba com a água? Estraga o solo? Expulsa povos indígenas e populações tradicionais? Derruba mata nativa? Historicamente, a produção de celulose e papel esteve na mira de movimentos socioambientais no Brasil. Mas, segundo Renato Carneiro, a opinião do público já não é tão negativa como há poucos anos, pelo menos no caso da Veracel Celulose, empresa da qual é diretor de sustentabilidade. A Veracel é controlada pela Fibria e pela Stora Enso. “Segundo pesquisas que fazemos com o público, havia uma clara rejeição ao empreendimento no território em 2007 e 2008”, diz. Já na pesquisa mais recente, os resultados mostram que a população deseja que a empresa seja cada vez mais inclusiva, proporcionando desenvolvimento territorial, com geração de empregos, renda, e gestão da paisagem que ao redor é dominada pelos pastos.
Segundo ele, o plantio em mosaico, combinando eucalipto com faixas de mata nativa, promove um ganha-ganha. Por exemplo: o plantio de eucalipto serve como passagem para o trânsito de animais silvestres e impede a conversão dessas áreas em pastagens, ao mesmo tempo que a floresta natural conserva a água, o carbono, a biodiversidade e ajuda a combater as pragas, diminuindo o uso de agrotóxicos. Ainda assim, a empresa normalmente aplica o glifosato nas plantações de eucalipto para combater, em especial, o capim braquiária, espécie invasora.
Para cada hectare plantado, um é conservado. Com isso, a empresa espera que o governo da Bahia regulamente uma política de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), a fim de ser remunerada pelos serviços que presta, como produção de água. “A presença de eucalipto nesta região é um fator de recuperação e de manutenção de oferta e qualidade hídrica”, afirma Carneiro. Ainda assim, a empresa teve a produtividade comprometida pela seca de 2015/2016, o que demonstra a necessidade de uma política consistente de adaptação à mudança do clima e a variabilidades climáticas como o El Niño.
O gerente ainda comentou sobre a estratégia de financiar a iniciativa de observação de aves na região. Leia nesta entrevista exclusiva à Página22:
É diretor de Sustentabilidade da Veracel Celulose, onde trabalha desde 2009. Formado em Geografia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), foi gerente de corporativo de Comunicação e Responsabilidade Social na Santelisa Vale Bionergia S/A.
O setor de papel e celulose historicamente teve uma imagem ruim no Brasil, sendo questionado e combatido por socioambientalistas. Com os avanços mais recentes nas políticas de sustentabilidade, manejo, certificações, diálogo com as comunidades etc., o senhor acredita que essa imagem foi resgatada?
Mais que uma percepção, posso constatar isso pegando o exemplo da Veracel. Não estamos falando em unanimidade, claro que sempre haverá opiniões diversas, o contraditório é parte da nossa experiência e da nossa vivência. Mas não tenho dúvidas que esse resgate de imagem, ou esse fortalecimento de imagem positiva do setor e da Veracel é notório.
Segundo pesquisas que fazemos com o público, havia uma clara rejeição do empreendimento no território em 2007 e 2008. Já na pesquisa mais recente que fizemos, a visão que a opinião pública nos trouxe é o desafio de que a empresa seja cada vez mais inclusiva. Ou seja, de uma visão de 10 anos atrás, de rejeição, hoje há uma percepção de que é importante a empresa estar no território como o nosso, que sofre grande carência. Para mim, é uma mudança muito grande e profunda de percepção. O papel da empresa neste sentido é muito importante: ela está em uma região [Extremo Sul] que naturalmente não concentra investimentos, como Salvador e a região metropolitana. Empreendimentos como a Veracel descentralizam essas oportunidades de desenvolvimento em outras regiões importantes do estado da Bahia.
Essa pesquisa de opinião pública foi feita aqui nesta região?
A pesquisa foi feita na área de influência da empresa, em cima de uma consulta bastante ampla que fizemos com vários stakeholders.
Mas, falando de opinião pública de uma forma geral, ainda existem os tais mitos sobre o eucalipto, de que seca a terra, estraga o solo?
Ainda existem e são mitos bastante persistentes.
Mas são mitos mesmo?
Estamos demonstrando, ao longo destes anos todos de presença das empresas nestes territórios do Extremo Sul da Bahia, e de experiências mais longevas de empresas em São Paulo, que de fato são mitos. Temos aqui floresta plantada com um adensamento adequado em relação à base territorial de cada município em que atuamos, e harmonizada com os fragmentos da mata nativa. Nessa relação, ocupamos 50% de nossa propriedade, ou seja, para cada hectare plantado de eucalipto, temos um hectare de área preservada [formando mosaicos]. Essa harmonia entre a floresta plantada e a mata nativa traz benefícios para ambas. Do ponto de vista da floresta plantada, ela ganha maior resiliência, maior resistência e proteção a praga e outros danos. Do ponto de vista da floresta nativa, investimos em proteção contra fogo e atos de vandalismo. Também temos um programa de restauração da mata nativa.
De onde teriam vindo essas percepções das pessoas? Talvez ao fato de que realmente as plantações de eucalipto secavam o solo antes de ter havido essa evolução nas técnicas de manejo?
Eu não sei responder, recuar tanto nessa gênese. Esse mito do eucalipto vem desde o século passado, quando foi usado para drenar pântano e coisas assim. É claro que nos últimos 30 anos esse manejo florestal vem se aperfeiçoando e hoje possui técnicas super avançadas. O fato é que a presença de eucalipto nesta região – e posso falar isso com muita tranquilidade em relação à Veracel – é um fator de recuperação e de manutenção de oferta e qualidade hídrica. O trabalho que nós fazemos no Fórum Florestal, de avaliação da cobertura vegetal a cada três anos, mostra uma evolução da qualidade destes remanescentes florestais.
Os Programas Municipais de Proteção e Conservação da Mata Atlântica [PMMA, previsto na Lei da Mata Atlântica] mostraram que as áreas onde temos entremeados eucaliptos e a mata nativa, em mosaico, são aqueles onde há maior qualidade ambiental e os recursos hídricos estão mais bem preservados, inclusive durante a forte seca que tivemos em 2015 e 2016. Isso se estende inclusive para os produtores florestais que fazem parte do PSS [Plano de Suprimento de Silvicultura] da Veracel, plano que garante a oferta de madeira para a fábrica. É cada vez mais clara a influência positiva da silvicultura nestes aspectos, notadamente em relação à conservação de recursos hídricos.
É uma comparação em relação a outras atividades?
Isso, com relação a outras atividades.
Eu li no material da Ibá [Indústria Brasileira de Árvores, associação que congrega as fabricantes do setor] a seguinte frase: “O setor brasileiro de floresta plantada é o mais sustentável do mundo”. Com base em que se pode afirmar isso?
Eu não posso responder pelo Ibá. Mas o que eu posso responder com relação à Veracel é que a empresa hoje tem uma produção de madeira e florestal em equilíbrio com o meio ambiente regional em vários aspectos. Os monitoramentos demonstram isso. Temos feito monitoramento com relação a aves e também mamíferos – mostrando que ao longo destes últimos anos esta população vem crescendo e está em um nível de preservação bastante bom. A fauna utiliza comprovadamente os maciços florestais plantados como área de circulação e passagem para os fragmentos nativos.
Do ponto de vista dos recursos hídricos, a realidade e o monitoramento demonstram que a qualidade e oferta deste recurso estão asseguradas e preservadas, em função dos investimentos que a empresa faz na proteção das áreas naturais, que são os berçários desses mananciais. Eu não tenho dúvida em afirmar isso. E a opinião pública tem percebido. Tanto é que nós atuamos hoje com uma série de ONGs e de associações comunitárias que cada vez mais reconhecem a importância da presença da Veracel em algumas situações. A presença da empresa tem feito a diferença com relação à conservação florestal. Onde a Veracel não está presente, não se consegue alcançar nem aquele mínimo que a legislação prevê, de 20% de Reserva Legal, e algo em torno de 10% de APP, que é mais ou menos o que se tem pelo desenho hídrico aqui da região.
Os 50% de área preservada pela empresa coincidem com áreas onde seria muito complicado fazer o plantio porque tem declive, além de APP [Área de Preservação Permanente]?
Não, porque temos áreas excedentes de preservação que, a rigor, poderiam ser cortadas.
Mas elas seriam viáveis economicamente, por conta de declividade, acesso?
Hoje seriam. E nós temos inclusive uma estratégia de conectividade no sentido norte-sul, que não é o oeste-leste que corresponde à direção dos cursos do rio que vão para o mar. Nós temos estratégias de conectividade no sentido norte-sul que exatamente visam a empresa não ficar na estratégia apenas de conectividade ou de fazer a sua formação de corredores de proteção apenas em áreas de APP.
São morros, vales, grotões? A empresa aproveita para deixar a mata em áreas que é mais difícil entrar uma máquina, por exemplo?
A nossa região é formada por vales encaixados e platôs. Nós estamos fazendo este tipo de conectividade norte-sul em áreas de platô mesmo. E não somente em vales, cujos rios seguem a direção oeste-leste.
Vídeo: plantação em mosaico, combinando eucalipto e floresta nativa
A produção de celulose é basicamente exportada?
A nossa produção de celulose vai toda para os dois acionistas que são coincidentemente nossos dois clientes: metade para Fibria e metade para Stora Enso. Nós temos hoje 1,1 milhão de toneladas de produção anual.
Existe preocupação por parte dos compradores internacionais sobre a pegada hídrica e pegada de carbono da Veracel? Isto tem sido demandado?
As certificações – FSC e Cerflor – são estratégicas para os dois acionistas.
Mas, além disso, não existe demanda dos compradores para saber a pegada de carbono e a pegada hídrica?
Não temos registro deste tipo de demanda direta. Nós temos essa demanda no conjunto da floresta, de um manejo florestal que atenda os padrões que são inclusive verificados pelas certificações FSC e Cerflor. A questão da pegada hídrica tem sido cada vez mais importante e sempre foi para a empresa, porque esse é um tema de alta relevância e estratégico para um negócio que base florestal. E hoje não temos, obviamente, clareza do que virá.
A empresa tem uma política de adaptação para mudança climática? Ou um plano de ter uma política?
Nós temos esta preocupação dentro setor e da própria Ibá. Nossa iniciativa de pesquisa e desenvolvimentos clonal reflete esta questão. O nosso manejo florestal e nossa forma de gerenciar paisagem, que mescla o plantio de eucalipto com a floresta nativa, tem como preocupação trazer maior resiliência para as operações da empresa e para o manejo florestal, sobretudo com relação a conservação e oferta de recursos hídricos hoje e no futuro.
A empresa busca uma muda que seja mais resiliente a estresse hídrico, por exemplo?
A questão da produção de muda leva em consideração vários fatores. Nós fazemos uma melhoria genética e seleção de clones com melhor resiliência a essas condições e possíveis variações futuras, inclusive de oferta hídrica e variação pluviométrica, como ocorreu em 2015/2016, quando tivemos uma restrição hídrica bastante forte, em função de uma seca atípica que não acontecia há décadas.
Essa seca afetou a produção?
Afetou a produtividade, mas não a produção. Afetou a produtividade no sentido de que todo o ecossistema da região sentiu dois anos de seca com restrição hídrica muito forte – uma situação para a qual este bioma não está absolutamente preparado. Este bioma é o que é porque tem uma oferta regular e distribuída ao longo de todo o ano. Mas a floresta da empresa está adaptada e tem resiliência suficiente para poder resistir a isso. Nós tivemos impactos? Tivemos. Todos aqueles que plantam aqui no território, produtores florestais associados ao nosso sistema e outros terceiros para outras finalidades tiveram o seu plantio e desempenho afetados.
Mas a gente não comprometeu a produtividade e a oferta de madeira na fábrica, pois estamos neste momento comprando madeira do mercado para recuperar a nossa capacidade de produção. A Veracel está comprando madeira de outros produtores que não são aqueles associados ao nosso plano de fomento florestal.
A empresa chegou a calcular o prejuízo disso, o que ajudaria a precificar o problema climático?
Eu não tenho esta conta, mas nossa floresta [de eucalipto] sentiu. Nós estamos inclusive com um plano de recuperação para que possa voltar a responder às metas de produtividade. Neste ínterim, enquanto a gente não refaz isto, estamos comprando madeira de mercado para compor essa demanda de madeira da fábrica.
O que a empresa faz para lidar com uma situação de variabilidade climática, como El Niño, e com a mudança climática?
A empresa faz o cruzamento e desenvolve clones a fim de obter a maior resiliência possível, para passar por essa variabilidade com a menor perda.
Ter mais áreas de floresta nativa não seria uma ação de adaptação? Uma maneira de garantir maior oferta de água?
Não há uma relação direta entre uma coisa e outra. Até porque a floresta nativa também consome agua.
Mas a floresta fecha o ciclo hídrico, retire e devolve a umidade continuamente, não é?
O eucalipto também transpira. Ele perde umidade com a transpiração através das suas folhas em um processo natural de toda planta, de toda árvore.
O senhor quer dizer que a mata nativa não tem grande influência na preservação dos corpos d’água?
Claro que tem, é fundamental. O que estou dizendo é que aumentar a restauração de mata nativa não vai influenciar a variabilidade climática que pode ocorrer ao longo de um tempo. Se nós chegarmos a plantar 70% de floresta nativa na nossa área não influenciaria na vida do El Niño, por exemplo.
Não digo influenciar no El Niño, mas, se houvesse maior área de mata nativa, isso não aumentaria a disponibilidade hídrica para os próprios eucaliptos?
Nós temos hoje um equilíbrio. Nós temos que otimizar o uso da área proprietária para que possamos ser produtivos e competitivos. Esse equilíbrio que nós temos hoje nos parece um equilíbrio bastante adequado.
Os concorrentes de vocês não têm esta relação de 1 hectare plantado para 1 hectare preservado?
Não sei falar dos concorrentes.
Em relação à adaptação climática, não dá para usar dados histórico e projetar para frente, porque a situação é totalmente nova. Ou seja, é preciso planejar sem ter informação. A empresa trabalha com cenários?
Sim. A área de tecnologia, que é coordenada pelo Davi Fernandes, é responsável por isso. Eles participam de fóruns, eventos, trabalham com consultorias, universidades que desenvolvem pesquisas nessa área, climatólogos. Temos articulação com tudo o que o setor está fazendo. Estamos reunindo conhecimento e tentando ver que resposta nos cabe dar. O que está ao alcance da empresa em termos de melhoria genética, estamos buscando fazer.
Que serviços ambientais a mata nativa presta para a produção de eucalipto, por exemplo, controle de pragas? Este seria o principal serviço, o principal benefício proporcionado por esse sistema de mosaico?
Esse é um dos serviços. A conservação da biodiversidade é outro, a própria conservação e qualidade de recursos hídricos também. Estamos estimulando o trabalho junto ao governo do estado e secretaria estadual do meio ambiente para pensar ações que apoiem incentivem e beneficiem aqueles produtores que podem se beneficiar com o pagamento por serviço ambiental.
De produtores que ficam nas nascentes, por exemplo?
Exatamente. Temos uma série de produtores que têm excelente trabalho de recuperação de APPs e Reserva Legal, e áreas de manancial e que poderiam ter nesse tipo de mecanismo um incentivo a mais. Temos interesse em discutir isso e provocar o estado a aperfeiçoar as legislações para alcançar o PSA. Vi num programa na tevê que um fazendeiro em São Paulo, que não era grande, era médio, e conseguia renda de R$ 11 mil por semestre, principalmente com recuperação de mananciais. O programa mostrou uma nascente que passou a verter depois do trabalho de recuperação de matas ciliares. Essa é uma questão que não tem tido incentivo aqui no estado. Não há legislação clara em relação a isso. A ideia é buscar essas experiências e fazer uma discussão, uma provocação.
A empresa está disposta também a ser uma dos pagantes dos serviços [já que as áreas onde atua se beneficiam da recuperação de nascentes próximas]
Queremos incentivar isso porque nós ofertamos os serviços ambientais, inclusive pensando como uma estratégia para incentivar produtores rurais e florestais a preservar e recuperar as suas APPs. Essa seria uma estratégia bastante robusta aqui no território porque ainda temos uma condição de resiliência ambiental e recuperação de remanescentes muito boa. Temos condição de ter um banco de sementes, por exemplo. Dá para fazer recuperação de remanescentes porque a condição ambiental ainda é boa, sem grandes investimentos, ou com investimentos menores que outras regiões em situação acentuada de degradação, como o norte do Espírito Santo.
Com desertificação já, não é?
Já está caminhando para isso.
Vocês têm algum tipo de monitoramento sobre o papel da floresta nativa no controle de pragas?
Há um controle, uma avaliação. Esse é o papel preponderante do mosaico: reduzir a nossa necessidade de intervenção do controle de praga. A empresa tem um programa de monitoramento e verificação permanente. O desenvolvimento de clones também trabalha na direção de ter cultivos menos suscetíveis.
Vocês não sabem dizer quanto se deixou de usar pesticidas desde que o sistema de mosaico foi implantado?
Não, não temos como estabelecer uma relação tão precisa e direta. Mas não há dúvida que essa influência existe.
É só uma observação empírica, então?
Não temos como dimensionar algo do tipo: “Se não tivéssemos a floresta teríamos de gastar xis quilos a mais disso ou daquilo”. No nosso caso, não tem estudo e também não conheço estudos nesse sentido, mas a relação é claríssima e indiscutível. Inclusive, se compararmos o nosso maciço florestal entremeado com eucalipto com outras regiões em que a presença do mosaico é menor, a diferença no controle natural de pragas é perceptível. A comparação deixa claro que a influência do mosaico é preponderante no controle natural de pragas.
Vocês estão preocupados com a notícia da indenização milionária pelo glifosato? [A Monsanto foi condenada pela Justiça americana a pagar US$ 289 milhões a um jardineiro com câncer. Quando a entrevista foi feita, uma liminar havia suspendido a concessão de registros novos e já concedidos de produtos à base de glifosato no Brasil.] Isso vai alterar algo na política de uso do glifosato? [A Veracel informou que aplica glifosato três vezes ao ano no primeiro ano de plantio, e uma vez por ano nos seguintes.]
Estamos acompanhando. O glifosato é o que dá maior resposta [para reduzir o uso de herbicida]. A Ibá está cuidando dessa questão no setor e a Veracel vai cumprir o que vier a ser definido do ponto de vista legal. [A liminar acabou sendo suspensa no dia 3 de setembro.]
E como estão as alternativas ao uso de glifosato no caso de restauração florestal? [A Veracel está testando o uso de papelão para coroamento de mudas. O papelão é colocado no solo abafando a braquiária, espécie invasora. Como tem crescimento muito rápido, a braquiária inibe o crescimento da muda, impedindo a restauração florestal.]
Essa técnica está sendo utilizada com sucesso, para ser aplicada em situações inclusive onde a legislação ambiental não permite o glifosato, como as áreas de APPs que foram degradadas. Essa técnica está sendo muito bem vista porque de fato abafa, tira a força emergente do capim.
Mas para o plantio de eucalipto tem mesmo que usar o herbicida? Essa técnica do papelão não serve?
Não. Para o plantio, essa técnica não faz sentido.
Que benefícios se esperam da iniciativa de observação de aves, que vem sendo financiada pela empresa?
O projeto de observação de aves surgiu com alguns objetivos. O primeiro é despertar a forte vocação do território para essa atividade. A observação de aves é uma atividade que cresce muito, no mundo move bilhões de dólares anualmente e envolve milhões de observadores nos Estados Unidos e na Europa. E no Brasil, nos últimos anos, estamos vendo crescimento. Pelos dados que se tem hoje da WikiAves e de outros sites e espaços, estima-se que temos entre 30 mil a 35 mil observadores no País, com tendência de crescimento porque isso tem um efeito exponencial.
Isso ajuda na preservação de fragmentos como o da Estação Veracel e de Unidades de Conservação doo nosso território. A ideia é que a floresta em pé e o animal vivo sejam muito mais valiosos que o animal morto e a floresta derrubada. A iniciativa coloca o território como opção de renda para envolver no ecoturismo jovens que podem ser condutores e guias, recepcionando estrangeiros e brasileiros para a observação de aves do território, em uma região que tem um endemismo [ocorrência de espécies que só existem em determinado local] muito grande. Essa atratividade faz com que pessoas paguem US$ 15 mil a U$ 20 mil, ou até mais, para vir do exterior e passar alguns dias aqui observando aves.
Atrai um turista mais consciente?
O turismo de observação de aves é respeitador, tem uma sensibilidade para as culturas locais, não é uma pessoa que possa agredir costumes e desrespeitar comunidades. São grupos de bom poder aquisitivo que estão dispostos a consumir aquilo que o território tem a oferecer, sem competir com o turismo tradicional, mas sim se somando a ele. A vocação do território já é reconhecida mundialmente, mas o que precisamos de fato é um receptivo e uma preparação para receber de forma mais adequada e mais ampla os observadores.
O que ainda precisa ser adequado para que isso ocorra?
Há dificuldades no serviço de hotelaria, que muitas vezes não está preparado para receber o observador de aves. Por exemplo: esse turista tem que acordar às 4 da manhã para tomar café às 5, mas o hotel só serve café a partir das 6 horas, 7 horas. É necessária uma estrutura para recepcionar adequadamente esse turista diferenciado que é o observador de aves.
Mas os resultados têm sido muito promissores. A Estação Veracel [Reserva Particular do Patrimônio Natural da empresa] está interligada a outras áreas de conservação, e todas estão muito próximas do aeroporto internacional, próximos de rodovias de fácil acesso e, portanto, com toda a condição de logística e de receptivo. Porto Seguro já é conhecido internacionalmente como destino turístico. Agora precisa virar um pouco a chave e fazer o mundo entender que, além do turismo tradicional, das belas praias, do Sol, enfim, a região também tem uma biodiversidade que pode ser visitada e apreciada.
Existe uma teoria que essa região era emendada com a Floresta Amazônica, quando os continentes estavam juntos?
A Virgínia [Camargos, especialista ambiental na Veracel] conhece melhor essa história, mas o fato é que aqui existe uma identidade muito grande com o perfil florístico da Amazônia. Isso leva a crer que em algum momento, bilhões de anos atrás, essa pode ter sido uma floresta única. Existem aves comuns entre as duas regiões, a harpia é uma delas. Mas, depois, com a separação, passaram a ocorrer espécies endêmicas, que não existem em nenhum outro lugar, fazendo deste território um troféu para o observador de aves.
E o que tudo isso traz de positivo para a Veracel Celulose?
Primeiro, a empresa associa-se a uma iniciativa robusta que fortalece e reputação. Segundo, ao sensibilizar o território, envolver as crianças, levá-las para a unidade de observação de árvores e tal, temos uma possibilidade de contaminar a comunidade com esse espírito, o que ajuda no combate à caça, ao tráfico de animais silvestres e à captura de pássaros para venda ilegal. Tem todo um conjunto de benefícios que a empresa vê como desejável.
Qual é o próximo passo?
Ampliar o projeto, que foi iniciado em parceria com a Conservação Internacional. A CI tem experiência muito grande na implantação de observação de aves, viveu isso em Ubatuba (SP) e em Paraty (RJ). Fizemos oficina com diversos atores que contribuem com o tema, trazendo os maiores ornitólogos, como Luciano Lima, do Instituto Butantan. O trabalho nessa primeira fase foi construir todo o referencial e plano de trabalho de ciência cidadã, observação, diagnóstico, inventário das espécies e das ocorrência das espécies, criação de um catálogo de aves para orientar o observador, atrair o trade turístico [receptivo, hotel, guias], promover curso de formação para condutores. O condutor é quem pode receber o guia, que por sua vez conhece bem de aves mas não o território. Já o condutor faz o suporte logístico do território, ele nasceu aqui.
O que gera empregos locais.
Exatamente. Além disso, estamos também trabalhando na estratégia de envolver outras instituições para fazer de fato desse destino ser reconhecido como um dos melhores lugares para observação de aves no País. O meu sonho é que a gente possa um dia ver um avião da Gol ou da TAM ou da Azul pousando em Porto Seguro com a sua fuselagem desenhada com pássaros típicos da nossa região.
Tem inclusive uma aderência com a aviação, né?
Sim, meu sonho é ver o avião com a pintura de um crejoá [ave endêmica das florestas costeiras do Sul da Bahia] convidando as pessoas para observar aves aqui no nosso território.
*A jornalista viajou a convite da Veracel Celulose. Fotos e vídeos: Amália Safatle