Como o acesso à energia renovável e descentralizada é capaz de transformar a vida da população na maior floresta tropical do mundo, gerando inovação e oportunidades
O futuro do empreendedor Luiz Henrique Ferreira, 19 anos, tinha tudo para ser igual ao dos parentes mais velhos na comunidade Carão, em Santarém (PA), que migraram em busca de alternativas nas grandes cidades, deixando a floresta ao deus-dará. Mas a chegada de placas solares ao povoado, na Reserva Extrativista Tajapós-Arapiuns, há pouco mais de um ano, abriu outra perspectiva: além de reduzir o alto custo mensal com diesel para o gerador de energia, até então de R$ 30 por família, a novidade permitiu o uso contínuo de aparelhos, tanto televisão como liquidificador e uma geladeira comunitária.
Foi a senha para o rapaz se juntar a outros jovens da localidade e criar a Delícias Tapajônicas, startup que produz doces e licores à base de frutos da região. “O negócio surgiu como solução ao grande desperdício de cupuaçu, açaí, abacaxi e outras riquezas esparramadas como lama pelo chão, porque a energia era cara e só tínhamos por pouco tempo à noite”, conta Ferreira, antes restrito à produção de mandioca e farinha.
A inciativa resultou na criação de uma cooperativa que abrange cinco comunidades, dobrando a renda das famílias. “A pegada do produto caseiro é resgatar a lembrança da infância e do fogão à lenha”, diz o produtor, com plano de resolver questões de logística para começar a venda pela internet – energia elétrica, para isso, ele já tem.
Ferreira é um dos personagens da websérie Floresta Iluminada – energia limpa para os povos da Amazônia, lançada nesta terça-feira durante feira e simpósio sobre o tema, realizados pelo Instituto Socioambiental (ISA) e parceiros, em Manaus. O acesso à energia elétrica é retrato da desigualdade, em especial na maior floresta tropical do planeta, onde vive 70% da população brasileira ainda sem luz, segundo dados do Ministério de Minas e Energia (MME).
Como efeito-dominó, o déficit se reflete nas condições de educação, transporte, saúde, comunicação, trabalho e renda. Melhorar a rentabilidade da produção sustentável, por meio do beneficiamento de insumos florestais e melhor logística de escoamento, tem sido apontado como fator chave no controle do desmatamento.
Na Amazônia, o poder nas localidades está na mão de quem domina o fornecimento de combustível para geradores e barcos. “Um desafio está em reduzir essa dependência, com empoderamento e valorização do modo de vida local”, afirma Adriana Ramos, coordenadora-executiva do ISA.
A organização levou energia solar a comunidades indígenas da região do Xingu, em parceria com a Universidade de São Paulo, e inicia projeto de geração eólica na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. “Mais do que ter ou não ter, o importante é a discussão sobre para que serve a energia”, ressalta Ramos.
A tendência é de expansão da fonte fotovoltaica para comunidades isoladas na Amazônia, em função do progressivo declínio dos preços. “Devemos incorporar os avanços tecnológicos à região e o papel das ONGs é fundamental pela experiência com as realidades locais”, ressalta Caetano Scannavino, coordenador do Projeto Saúde e Alegria, que apoia a instalação de sistemas híbridos com placas solares em comunidades do Tapajós. “A soluções existem; não estamos diante de uma utopia”, completa.