Relatório do IPBES mostra que a perda de biodiversidade e o comprometimento dos ecossistemas dificultarão o cumprimento de 80% das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Ainda há tempo de mudar os rumos dos atuais modelos de desenvolvimento – mas não muito
Embora a natureza e suas contribuições sejam vitais para a existência humana e para a boa qualidade de vida, sua deterioração em todo o mundo atingiu um nível sem precedentes na história humana. Esta é uma das conclusões do relatório da Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês), cujo resumo foi aprovado em sessão plenária do IPBES, entre 29 de abril e 4 de maio, em Paris.
“As evidências apontam um quadro sinistro”, disse o presidente do IPBES, Sir Robert Watson. “Estamos erodindo as próprias fundações de nossas economias, meios de subsistência, segurança alimentar, saúde e qualidade de vida”.
Compilado por 145 especialistas de 50 países nos últimos três anos, com contribuições de outros 310 autores, o relatório concluiu que ainda há tempo de mudar os rumos dos atuais modelos de desenvolvimento que atuam em rota colisão com a conservação da natureza. Mas não muito. Para contribuir com as Metas de Biodiversidade de Aichi (Japão) e com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, o relatório examinou seis cenários possíveis para as próximas décadas. Foi feita uma lista ilustrativa de possíveis ações políticas e iniciativas sociais para aumentar a conscientização sobre o impacto do consumo na natureza e promover economias locais sustentáveis (saiba mais aqui).
Segundo o documento, cerca de 1 milhão de espécies animais e vegetais estão ameaçadas de extinção. A oferta média de espécies nativas na maioria dos principais habitats terrestres caiu pelo menos 20% desde 1900. Mais de 40% das espécies de anfíbios, quase 33% dos corais formadores de recifes e mais de um terço de todos os mamíferos marinhos estão ameaçados. A imagem é menos clara para espécies de insetos, mas a evidência disponível sugere que 10% estão ameaçados. Pelo menos 680 espécies de vertebrados foram extintos desde o século XVI e mais de 9% de todas as raças domesticadas de mamíferos usadas para alimentação desapareceram até 2016.
Com base em uma análise exaustiva das evidências disponíveis, o documento conclui que os cinco responsáveis diretos pelas mudanças na natureza com os maiores impactos globais relativos são os seguintes em ordem decrescente: (1) mudanças no uso da terra e do mar; (2) exploração direta de organismos; (3) mudança climática; (4) poluição; (5) e espécies exóticas invasoras. Os autores observaram que as emissões de gases de efeito estufa dobraram de intensidade desde 1980, elevando as temperaturas globais em pelo menos 0,7 grau Celsius. Portanto, se os impactos decorrentes da mudança climática continuarem aumentando no ritmo atual, logo deverão superar aqueles causados pela mudança do uso da terra e do mar.
A perda de biodiversidade e o comprometimento dos ecossistemas dificultarão o cumprimento de 80% (35 de 44) das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), mais precisamente, os relacionados com a pobreza, a fome, a saúde, a água, as cidades, o clima, os oceanos e a terra (ODS 1, 2, 3, 6, 11, 13, 14 e 15). A perda de biodiversidade não é apenas uma questão ambiental, mas também econômica, de desenvolvimentismo, de segurança social e moral.
“Este relatório lembra a cada um de nós uma verdade óbvia: as gerações presentes têm a responsabilidade de legar às gerações futuras um planeta que não seja irreversivelmente danificado pela atividade humana. Nossos conhecimentos locais, indígenas e científicos estão provando que temos soluções e, portanto, não temos mais desculpas: devemos viver na terra de uma maneira diferente”, disse o diretor-geral da Unesco, Audrey Azoulay, durante o lançamento do relatório.
Veja alguns números importantes apresentados no relatório do IPBES, muitos dos deles de tirar o sono:
Geral
- 75% do ambiente terrestre e 40% do ambiente marinho estão “severamente alterados” por ações humanas;
- 47%, é a redução nos indicadores globais das condições do ecossistema em relação à sua base natural;
- 28% da área terrestre global estão ocupadas por povos indígenas;
- 60 bilhões de toneladas: o número representa o volume de recursos renováveis e não renováveis extraídos globalmente a cada ano;
- 15% é o aumento no consumo global de bens per capita desde 1980;
- >85% das zonas úmidas (pântanos, charcos ou manguezais, permanentes ou temporários, que normalmente abrigam grande biodiversidade, tanto de plantas como de animais) presentes em 1700 já haviam sido perdidas em 2000. A perda de áreas úmidas atualmente é três vezes maior em termos percentuais do que a perda de florestas.
Espécies, Populações e Variedades de Plantas e Animais
- 8 milhões é número total estimado de espécies animais e vegetais na Terra (incluindo 5,5 milhões de espécies de insetos);
- Até 1 milhão: é número de espécies ameaçadas de extinção, que poderão desaparecer em algumas décadas;
- > 500.000 (+/- 9%): parte dos 5,9 milhões de espécies terrestres estimadas no mundo com habitat insuficiente para sobrevivência a longo prazo se não houver restauração;
- > 40%: espécies de anfíbios ameaçadas de extinção;
- 25%: proporção média de espécies ameaçadas de extinção em água doce;
- Pelo menos 680: espécies vertebradas foram extintas por ações humanas desde o século XVI;
- +/- 10%: estimativa preliminar da proporção de espécies de insetos ameaçadas de extinção;
- > 20%: declínio na abundância média de espécies nativas na maioria dos principais biomas terrestres, principalmente desde 1900;
- +/- 560 (+/- 10%): raças domesticadas de mamíferos extintas até 2016, e, pelo menos, outras 1.000 muito ameaçadas;
- 3,5%: raças domesticadas de aves extintas até 2016;
- 70%: aumento desde 1970 no número de espécies exóticas invasoras em 21 países.
Alimentos e Agricultura
- 300%: aumento na produção de culturas alimentares desde 1970;
- 23%: áreas de terra com redução na produtividade agrícola devido à degradação do solo;
- > 75%: tipos de culturas alimentares globais que dependem da polinização animal;
- US$ 235 bilhões a US$ 577 bilhões: valor anual da produção global de safras em risco devido à perda de polinizadores;
- 5,6 gigatoneladas: emissões anuais de CO2 sequestradas em ecossistemas marinhos e terrestres – equivalente a 60% das emissões globais de combustíveis fósseis;
- +/- 11%: população mundial subnutrida;
- 100 milhões: hectares de expansão agropecuária nos trópicos de 1980 a 2000, principalmente a pecuária na América Latina (+/- 42 milhões de ha) e plantações no Sudeste Asiático (+/- 7,5 milhões ha, dos quais 80% são dendezeiros) – metade à custa de florestas intactas;
- 3%: aumento da transformação da terra para agricultura entre 1992 e 2015, metade em florestas tropicais intactas;
- > 33%: superfície terrestre do mundo (e +/- 75% dos recursos de água doce) dedicada à agricultura ou pecuária;
- 12%: terra sem gelo do mundo usada para produção de culturas;
- 25%: terra sem gelo do mundo usada para pastagem (+/- 70% das terras secas);
- +/- 25%: emissões de gases de efeito estufa causadas pelo desmatamento, produção agrícola e fertilização, com os alimentos de origem animal contribuindo com 75% desse volume;
- +/- 30%: produção agrícola global e oferta global de alimentos fornecida por pequenas propriedades (<2 ha), usando +/- 25% das terras agrícolas, geralmente mantendo a agrobiodiversidade.
Oceanos e pesca
- 33%: volume de estoques de peixes marinhos retirados de forma insustentável dos oceanos em 2015; 60% dos peixes são capturados de forma sustentável; 7% são demasiadamente pequenos;
- > 55%: área oceânica coberta por pesca industrial;
- > 90%: proporção dos pescadores comerciais globais representada pela pesca em pequena escala (30 milhões de pescadores) – representando quase 50% da captura global de peixe;
- Até 33%: participação estimada em 2011 da captura mundial de peixe declarada ilegal, não declarada ou desregulada;
- > 10%: diminuição por década na extensão dos prados de vegetação marinha de 1970-2000;
- +/- 50%: cobertura de coral vivo de recifes perdidos desde 1870;
- 100-300 milhões: pessoas em áreas costeiras com risco aumentado devido à perda de habitat costeiro para a fauna marinha;
- 400: “zonas mortas” causadas por fertilizantes despejados nos oceanos, afetando> 245.000 km2.
Florestas
- 45%: aumento da produção de madeira bruta desde 1970 (4 bilhões de metros cúbicos em 2017);
- +/- 13 milhões: empregos na indústria florestal;
- 50%: expansão agrícola que ocorreu às custas de florestas;
- 68%: área florestal global hoje comparada com o nível pré-industrial estimado; • 7%: redução de florestas intactas (> 500 km² sem pressão humana) de 2000-2013 em países desenvolvidos e em desenvolvimento
- 290 milhões de hectares (+/- 6%): cobertura florestal nativa perdida de 1990-2015 para produção de madeira;
- 110 milhões de hectares: aumento na área de florestas plantadas entre 1990 -2015;
- > 2 bilhões: pessoas que dependem de combustível de madeira para atender às suas necessidades de energia primária.
Mineração e Energia
- <1%: terra total usada para mineração, mas a indústria tem impactos negativos significativos em biodiversidade, emissões, qualidade da água e saúde humana;
- +/- 17.000: locais de mineração em larga escala (em 171 países), gerenciados principalmente por 616 corporações;
- +/- 6.500: instalações de mineração oceânica de petróleo e gás offshore (em 53 países);
- US$ 345 bilhões: subsídios globais para combustíveis fósseis, resultando em US$ 5 trilhões em custos totais, incluindo externalidades de deterioração da natureza; o carvão representa 52% das subvenções, petróleo +/- 33% e gás natural para +/- 10%.
Saúde
- 70%: proporção de medicamentos contra o câncer que são produtos naturais ou sintéticos inspirados pela natureza;
- +/- 4 bilhões: pessoas que dependem principalmente de medicamentos naturais;
- 17%: doenças infecciosas disseminadas por vetores animais, causando >700.000 mortes anuais;
- +/- 821 milhões: as pessoas enfrentam insegurança alimentar na Ásia e na África;
- 40%: da população mundial não tem acesso a água potável limpa e segura;
- > 80%: águas residuais globais descarregadas sem tratamento no meio ambiente;
- 300 a 400 milhões de toneladas: metais pesados, solventes, lodo tóxico e outros resíduos industriais despejadas anualmente nas águas em todo o mundo;
- 10 vezes: aumento da poluição plástica desde 1980.
Mudança Climática
- 1 grau Celsius: diferença média de temperatura global em 2017 em comparação com nível pré-industrial;
- > 3 mm: aumento médio anual do nível do mar nas últimas duas décadas;
- 16-21 cm: aumento da média global do nível do mar desde 1900;
- Aumento de 100% desde 1980 nas emissões de gases de efeito estufa, elevando a temperatura média global pelo menos 0,7 grau;
- 40%: aumento da pegada de carbono do turismo de 2009 a 2013;
- 8% do total de emissões de gases de efeito estufa são provenientes do transporte e do consumo de turismo;
- 5%: fração estimada de espécies em risco de extinção a partir de aumento de 2° C na temperatura média global, subindo para 16% com um aquecimento a 4,3° C;
- Mesmo com o aquecimento global entre 1,5 e 2 graus, a maioria das espécies terrestres deve se reduzir extraordinariamente.
Objetivos Globais
- A maioria das metas de biodiversidade de Aichi para 2020 provavelmente não será alcançada;
- 22 de 44: metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável relacionadas à pobreza, fome, saúde, água, cidades, clima, oceano e terra que estão sendo perdidas devido aos impactos negativos na natureza;
- 72%: indicadores locais relacionados a Povos Indígenas e Comunidades Locais mostram tendências negativas;