Na teoria econômica convencional, um maior crescimento da atividade deveria se refletir no aumento do bem-estar material e consequente maior nível de felicidade – e não colocar a própria vida na Terra sob ameaça. O que deu errado? O assunto é tema do livro O Capital Suicida
Não é novidade que vivemos uma crise econômica e ambiental sem precedentes , tampouco que, apesar de todos os alertas, os indicadores continuam piorando. Trata-se de uma crise econômica que gera extremos da riqueza financeira ao mesmo tempo que cria multidões de famintos e desesperados. Em sua face ambiental, a crise se apresenta nos limites da capacidade de carga do planeta: os cientistas do IPCC alertam para a necessidade de se tentar limitar o seu aquecimento em até 1,5 grau Celsius até 2100, pois acima deste patamar deverá trazer consequências deletérias para a saúde e o bem-estar da Humanidade, bem como colocará ecossistemas e a biodiversidade em risco.
Para evitar esse cenário, as emissões humanas de dióxido de carbono terão de cair 45% até 2030, em relação aos níveis de 2010, e zerar até 2050. O IPCC já adianta que isso só será possível com o desenvolvimento de tecnologias capazes de remover CO2 da atmosfera e, principalmente, com mudanças no estilo de vida das pessoas. Talvez esse desafio, de mudar as concepções tão fortemente arraigadas, seja ainda mais difícil do que desenvolver as tecnologias adequadas.
A interface ambiental é muito mais complexa do que possa parecer à primeira vista e refere-se muito menos ao embate entre homem e natureza do tempo passado, quando “os mistérios do mundo” tinham de ser resolvidos e desmistificados; na atualidade, grande parte dos problemas deve-se não a uma ignorância sobre os fluxos da natureza e seus potenciais impactos, mas, principalmente, em decorrência de uma demanda crescente de recursos naturais criada por uma lógica de convivência em sociedade que prescinde maciçamente desses recursos, mas que cria uma série de desigualdades e conflitos em seu acesso, com custos e impactos socializados, o que não ocorre de maneira similar conquanto aos seus benefícios econômicos.
A manutenção de certas estruturas e formas de vida pode ser bastante interessante a determinadas parcelas da população (cada vez menores, mas extremamente mais ricas), a despeito dos problemas e impactos que tal forma de agir possa estar causando. Para a continuidade dessa estrutura econômica suicida mais do que a imposição forçada, arbitrária, são fomentados mecanismos “suaves” que acabam por constituir um verdadeiro caldo de cultura, que assimilamos desde o nosso nascimento sem que o percebamos e que nos impelem a manter – ainda que inconscientemente –, o curso em voga.
Por que é tão difícil provocar mudanças no estilo de vida das pessoas? A máquina do crescimento econômico, incensada pelos economistas, prescinde do lado da demanda para subsistir. Não se trata de negar a sua importância mas, ao estimular o crescimento econômico capitalista, o consumo exacerbado (o consumismo) faz com que os sistemas naturais sejam excessivamente pressionados, além do que poderia ser considerado “natural”. Ele é fomentado por uma “pedagogia” específica que conduz as pessoas a tal tipo de comportamento e o distancia cada vez mais de uma reflexão e compreensão maior dos seus atos e da forma como vive e atribui valores aos fatos e coisas. No âmbito da teoria econômica convencional, um maior crescimento da atividade econômica deveria se refletir necessariamente no aumento do bem-estar material e, consequentemente, no maior nível de felicidade experimentada pelas pessoas. Mas as coisas não tão simples ou mecânicas.
Na investigação das razões dos problemas ambientais, estes continuam a ser tratados como se não tivessem relação entre si e cada ramo da ciência busca uma solução ideal dentro das suas próprias delimitações. O fato é que os problemas se avolumam a cada dia e se tornam mais complexos. Conhecimentos “departamentalizados” afastam de uma visão ampla sobre o tema, ao se concentrar em aspectos muito específicos, sem que exista a perspectiva de abordar o todo. A questão ambiental deve ser trabalhada mais do que uma resultante do relacionamento entre homens e natureza, mas como uma faceta da relação entre os homens com um entendimento específico do papel da natureza. O que é ao mesmo tempo um problema econômico, político e cultural.
Como caminhar para um melhor direcionamento dos problemas frente a tão monumental desafio? Existem caminhos e eles passam necessariamente por um maior esclarecimento dos indivíduos e, principalmente, por uma revalorização da cooperação social e de aspectos relacionados aos bens comuns e de todos, muito além da dicotomia reinante entre o público e privado. Nesse sentido, o grande desafio é superar o autointeresse imediatista para poder perceber a extensão do problema e visualizar soluções de longo prazo. Como o IPCC alerta, existem limites para o atual modelo econômico.
Serviço:
O Capital Suicida: Racionalidade Ambiental, Autointeresse e Cooperação no Século XXI
Poligrafia Editora; Edição: 1ª (2019), 288 páginas
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* Autor de O Capital Suicida: Racionalidade Ambiental, Autointeresse e Cooperação no Século XXI. Professor Adjunto na Escola Paulista de Política, Economia e Negócios da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Economista, Mestre em Economia Política (PUC/SP), Doutor em Ciências Sociais (PUC/SP) – tendo desenvolvido parte da pesquisa na Universitat de Barcelona