No dia em que a crise envolvendo os incêndios na Amazônia atingiu alta temperatura no Brasil e no mundo, nas ruas e no Planalto – com ameaça de sanções comerciais, manifestações de ruas, vaias e até panelaço durante pronunciamento presidencial em rede nacional – duas organizações empresariais divulgaram notas à imprensa sobre o assunto, mas com posturas bem diferentes.
Uma, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp); outra, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds).
Em um exercício de interpretação de texto, há algumas leituras possíveis das duas notas – independente de se julgar a prática ambiental de cada empresa-membro dessas organizações, que inclusive pode participar de ambas.
A diferença começa já no título. “O Brasil exige respeito” dá o tom do comunicado da Fiesp, que emprega uma linguagem mais dura, posicionando-se de forma defensiva e reativa:
A Fiesp vê com espanto as ameaças de países participantes do tratado comercial União Europeia-Mercosul, anunciado há menos de 60 dias, de recuarem no que foi acordado. Afinal, todos os pontos pactuados foram exaustivamente debatidos ao longo de 20 anos de negociações e são de amplo conhecimento de todos os envolvidos.
Ao dizer que “vê com espanto”, é como se transferisse a responsabilidade para o “inimigo”, no caso, os países europeus que acenam com o revés no Acordo União Europeia-Mercosul. Pergunta: faria sentido tal espanto, sabendo-se que as questões ambientais são historicamente importantes em tratados comerciais, inclusive usadas como barreiras não-tarifárias? Era muito previsível que o desmonte ambiental nesta gestão, amplamente documentado, tivesse algum tipo de consequência. Não só previsível como evitável.
Já o comunicado do Cebds, intitulado “Nota sobre a Amazônia”, no cabeçalho já indica seu “lugar de fala”. Foi emitido de Salvador, onde se realizou a Semana do Clima, evento que o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles tentou barrar e no qual foi ardorosamente vaiado. O primeiro parágrafo da nota, ao mesmo tempo em que mostra forte representatividade da organização, reconhece de imediato o problema do desmatamento e adota um tom propositivo:
O Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), em nome de suas empresas associadas que representam faturamento equivalente a 45% do PIB nacional, defende o aprimoramento dos sistemas de controle e monitoramento para zerar o desmatamento ilegal no curto prazo na Amazônia e em todos os biomas, e reduzir o desmatamento legal. Essa é uma das 10 propostas entregues ao atual Governo numa Agenda CEBDS para um País Sustentável, alinhada no Conselho de Líderes do CEBDS, que conta com a participação dos CEOs de 60 grandes grupos empresariais do País.
Enquanto isso, a Fiesp, reforçando o discurso da autodefesa, segue sem reconhecer a problemática e chega a negá-la:
É preocupante que integrantes do tratado recorram a pretextos que não têm qualquer relação com o que foi negociado para fazer política interna e tentar atacar a imagem do Brasil. O Brasil participa de todos grandes os acordos globais sobre clima e meio ambiente em vigor e os cumpre. Sempre teve liderança nesse campo e é referência mundial quando o assunto é preservar e produzir.
Já a nota do Cebds mostra como a defesa ambiental faz sentido do ponto de vista econômico e que trabalhar em agendas conjuntas traz ganhos:
Para o CEBDS, o controle do desmatamento é a opção de menor custo (privado e social) para a redução de emissões de Gases do Efeito Estufa no Brasil. Aliar instrumentos financeiros, inclusive precificação de carbono e mecanismos internacionais de compensação financeira, é fundamental para a viabilidade de tais estratégias.
E a da Fiesp, em seu terceiro e último parágrafo, adota um tom austero:
As empresas e o agronegócio brasileiros trabalham com excelência e são respeitados por seus compromissos, produtos e resultados. Não podemos permitir que agentes externos, com seus próprios interesses políticos e comerciais, prejudiquem os nossos empregos e o Brasil como um todo.
O Cebds segue com mais proposições, de uma forma mais exemplificada e o reforço no tom conciliatório entre produção e conservação, que está os fundamentos do desenvolvimento sustentável:
O CEBDS também defende que, além de evitar os custos de mitigação para setores produtivos, combater o desmatamento precisa estar no centro da agenda estratégia não só de governos, mas do País, para o enfrentamento da mudança do clima e por todos os benefícios decorrentes da conservação dos biomas brasileiros, como as oportunidades de negócios da bioeconomia, e da valorização do patrimônio histórico cultural brasileiro. Por fim, é preciso frisar mais uma vez que não existe controvérsia entre produzir e preservar. As empresas de vanguarda em todos os setores produtivos, especialmente no agronegócio brasileiro, já reconhecem o caminho do desenvolvimento sustentável e as boas oportunidades de negócios geradas a partir das melhores práticas no âmbito social e ambiental.
Segundo a nota da Fiesp, o Brasil exige respeito. Mas respeito é algo que se exige? Normalmente é algo que se conquista e se preserva. Ou se perde.